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Fábio Nogueira de Avelar Marques

Diretor da Plantar Carbon

OpCP63

A economia de baixo carbono
Este artigo tem o objetivo compartilhar uma história de 20 anos sobre um projeto que se consolidou graças a sinergias e esforços de diversos atores dentro e fora do setor florestal. Trata-se do Projeto de créditos de carbono, uma parceria da Plantar com o Banco Mundial, pioneiro do mundo a emitir créditos de carbono florestais pelo sistema ONU. 
 
Apesar do DNA florestal, cabe notar que a iniciativa envolvia toda a cadeia produtiva. Ou seja, o projeto contemplou: 1. o sequestro de carbono pela atividade de reflorestamento, 2. reduções de emissões de metano (CH4) na produção de carvão vegetal, e 3. redução  de emissões CO2 na produção siderúrgica por meio do uso adicional de carvão vegetal. 
 
Gestão interna e parceiro-chave: Um dos fatores cruciais para o sucesso do empreendimento foi o envolvimento direto dos acionistas e a formação de equipe interna com baixa rotatividade.  A visão de  longo prazo foi determinante. A parceria firmada com o Banco Mundial, gestor dos compradores dos créditos de carbono do projeto (Fundo Protótipo de Carbono e, posteriormente com o Fundo BioCarbono, compostos por 17 multinacionais e 6 governos de países desenvolvidos) foi fundamental para o compartilhamento de riscos inerentes à regulamentação multilateral. O potencial de replicação e a visão do Banco, voltada para a sinergias entre bens públicos e privados, foi chave para que o projeto fosse escolhido. Tratava-se da oportunidade de aliar o combate à mudança do clima e o desenvolvimento  sustentável em setores cujo contexto histórico de imagem não era muito favorável. 
 
Interação com novos marcos regulatórios e criação de instrumentos inovadores: Quando o projeto foi iniciado, só estavam prontos os  conceitos básicos do MDL, mas toda a regulamentação  sobre a geração  efetiva dos créditos de carbono estava em construção. Tivemos que criar metodologias que foram aprovadas em nível multilateral, baseadas em  forte  escrutínio e no consenso de mais de 170 países signatários do Protocolo de Quioto, que passam por características técnicas, por percepções políticas moldadas por dicotomias entre política externa e política doméstica. Criar métodos e técnicas capazes de convencer a comunidade internacional que o reflorestamento, inclusive de eucalipto, poderia gerar créditos de carbono por remover carbono da atmosfera de forma consistente e estocá-lo, mesmo com a dinâmica de colheita, pode parecer algo natural para quem entende do setor. Mas, para os olhos desconfiados de alguns atores internacionais a percepção inicial não foi nada trivial. 
 
Foram quase 10 anos de convencimento, por meio da construção de metodologias para as atividades de reflorestamento, produção de carvão vegetal e uso na siderurgia. Foi fundamental a interface com o governo brasileiro, que participava ativamente da negociação e implementação do Protocolo de Quioto, sobretudo as equipes dos Ministérios de Ciência e Tecnologia, das Relações Exteriores e do  Meio Ambiente.
 
Dar conteúdo prático aos conceitos de um tratado internacional era fundamental, mas não suficiente. Era necessário também criar instrumentos econômicos complementares capazes de gerar financiamento adequado para  o projeto, cujas receitas auferidas com os créditos só viriam após o plantio das florestas, a produção de carvão e o uso na siderurgia. Para tanto, foi necessário criar uma operação financeira pioneira no mundo em parceria com o Rabobank: securitização de recebíveis lastreados em créditos de carbono. 
Essa operação possibilitou a antecipação das receitas a serem geradas pela venda dos créditos aos fundos do Banco Mundial, aceitando como garantia o próprio contrato  de  compra e venda com o  Banco Mundial. 
 
Interface com o mercado e a sociedade civil: A amplitude de atores envolvidos, o tipo e histórico do setor do projeto e o nível de inovação em diversa frentes, entre outros fatores, foram gerando uma necessidade intensa de comunicação e um grande desafio para um  grupo empresarial, muito sólido sob o ponto de vista da sustentabilidade,  mas cuja cultura de comunicação era voltada majoritariamente para o business to business. 

Foi na comunicação que cometemos mais equívocos. Há 20 anos, crédito de carbono era algo ainda mais incipiente e a percepção sobre eucalipto e carvão vegetal por atores externos, seja no mercado ou em algumas organizações não governamentais, sobretudo estrangeiras, era muito mais desafiadora do que hoje. Tudo isso gerava necessidade de esclarecimentos a questões de cunho técnico e político.

Deve-se lembrar que o crédito de carbono  é um produto realmente transparente. Além de diversas auditorias por órgãos certificados pela ONU, os projetos ficam disponíveis para consulta pública em nível global e local, aumentando o nível de accountability.  Não era raro ter que explicar que o eucalipto não “secava a terra”.
 
Todas as áreas do projeto foram certificadas pelo FSC, além a aplicação das salvaguardas do Banco Mundial, com uma série de  ações de melhoria contínua. Para ajudar a esclarecer questões sob as mais diversas vertentes sociais e políticas, foi fundamental a interface com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, com a AMDA (Associação  Mineira de Defesa do Ambiente) e a SOS Mata Atlântica, Instituto Bioatlântica, WWF-Brasil, Amigos da Terra/Amazônia Brasileira, Conservação Internacional, Fundação Biodiversitas, Prima Mata Atlântica e Sustentabilidade, professores da Universidade Federal de Viçosa e da Universidade de São Paulo, prefeituras dos municípios envolvidos, entre outras. Na ausência dessa ampla rede de parcerias, formais ou informais, seria muito pouco provável que o projeto tivesse êxito. 
 
Foram geradas mais de 7 milhões de certificados de  reduções de emissões, ou seja, créditos de carbono mensurados em toneladas equivalentes de CO2. Como prêmio, fomos considerados como o melhor  projeto de MDL implementado no Brasil e mais recentemente a decisão do  Banco Mundial  de transformar o projeto em case global de sucesso, em função da geração de bens públicos por meio de uma iniciativa privada.

Além da geração das metodologias adotadas pela ONU em nível global e de inovações tecnológicas no processo produtivo, foi possível notar o aproveitamento de diversos parâmetros metodológicos gerados pelo projeto em políticas públicas setoriais, tais como o plano setorial para o carvão vegetal no âmbito da Política Nacional de Mudança do Clima, o Programa Siderurgia Sustentável desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o GEF (Global Environment Facility), entre outros. 

O crédito de carbono é um instrumento econômico poderoso para  precificar a variável clima em decisões de investimento. Porém, é somente um dos pilares da transformação econômica estrutural para frear a mudança do clima. Diversas outras medidas podem consolidar uma nova economia de baixo carbono, como: estratégias nacionais e corporativas de descarbonização, a transversalização  do tema em  políticas públicas, a vinculação com relatos e instrumentos econômico-financeiros, como green bonds e financiamento verde, arranjos entre parceiros de cadeias  produtivas, a transição do  MDL para o novo mecanismo  de mercado  no âmbito do  Artigo 6 do Acordo  de Paris,  entre outros.
 
Nesse contexto ampliado, o desenvolvimento de iniciativas que integrem uma ampla gama de atores se torna ainda mais relevante para a sustentação da espécie humana. Nos tempos atuais, a necessidade de maior engajamento global é patente e diversos países e empresas têm anunciado, voluntariamente, metas para zerar suas emissões líquidas (balanço entre emissões e remoções de carbono  da atmosfera) até 2050. 

Por definição, atividades de reflorestamento e restauração tem papel ainda mais relevante neste processo pois a fotossíntese é um dos meios de se remover carbono da atmosfera. Tivemos a chance de pavimentar parte do  caminho, com uma contribuição inicial, que permitiu a caracterização do sequestro de carbono por reflorestamento como créditos de carbono, fortalecendo as sinergias entre o meio rural e o industrial.