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Antônio Carlos Hummel

Consultor Especialista em Floresta

Op-CP-39

E o desmatamento legal?

Falta d’água já não é um assunto somente do Nordeste. Já florestas, continua sendo notícia pelo desmatamento da Amazônia, discussão de passivos frente ao novo Código Florestal e, agora, finalmente lembrada, após a “seca” da represa Cantareira, pelo seu importante papel no ciclo das águas. No entanto, não se discutem as políticas públicas existentes para os recursos hídricos e florestas.

Quais são? Quais os resultados e efetividade? Responsabilidades institucionais entre União, estados e municípios (e o caso da água, alguém entende?). E o marco legal vigente? Instituições frágeis, troca de acusações, falta de transparência e controle social, criação de grupos de trabalhos e picuinhas políticas são o lugar comum. Em função das políticas públicas adotadas a partir de 2004 e da utilização e ferramentas de geoprocessamento para monitoramento, o País teve êxito na diminuição dos índices de desmatamento na Amazônia, ainda que qualquer valor na faixa de 500.000 hectares/ano desmatados é um número exagerado.

Para outros biomas, os números têm sido divulgados, não com a periodicidade da Amazônia, sempre com um grau enorme de ilegalidade. No entanto, não teve avanço em diferenciar para a sociedade o quanto desse desmatamento é legal. Ou tudo é ilegal? Os governos são ineficientes na resposta a essa demanda. A transparência sobre esses dados é limitada, e o assunto, colocado de lado. Os marcos regulatórios são poucos conhecidos e insuficientemente aplicados.

O fato de os números da supressão de vegetação autorizada não estarem disponíveis, e os marcos regulatórios não serem cumpridos, se constitui problema para definição de estratégias para zerar os desmatamentos, para a política de recursos hídricos e para a regularização ambiental das propriedades, a partir da implantação do Cadastro Ambiental Rural – CAR. Ademais, políticas de mudanças climáticas e de recursos hídricos e florestais vão exigir do Brasil iniciativas concretas no sentido de acabar com o desmatamento em todos os biomas e de conhecer as supressões residuais autorizadas que ainda vão acontecer.

Portanto não há como falar de eficácia no monitoramento da cobertura florestal no País sem entender as normas e processos necessários para o licenciamento de atividades que pressupõem a substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana.

Este artigo caracteriza o problema e traz recomendações para que a sociedade finalmente conheça esses dados. Que se dê efetividade aos instrumentos regulatórios de controle do desmatamento e que a agenda desmatamento zero seja implantada. Os recursos hídricos vão agradecer. A maior parte da demanda por legalizar processos de supressão de vegetação acontece no âmbito dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs).

A razão é que os estados licenciam a supressão de vegetação em imóveis rurais privados, além de áreas localizadas em florestas públicas ou unidades de conservação estaduais e, ainda, em atividades ou empreendimentos licenciados, ambientalmente, pelo estado. Já a União, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMbio, conforme o caso, tem a competência para autorizar a supressão de vegetação e formações sucessoras em florestas públicas e unidades de conservação federais, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e também em atividades ou empreendimentos ambientalmente licenciados ou autorizados pela União.

No caso de parcelamento do solo nas cidades e assentamentos urbanos, a competência de licenciar a retirada de vegetação é dos municípios. Esses desmatamentos afetam, em especial, os mananciais de abastecimento d’água das cidades. A norma florestal geral orientadora para supressão de vegetação é o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), em seu Capítulo V, ainda não regulamentado.

Seus dispositivos permitem o desmatamento para uso alternativo do solo, observadas as Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal. Ou seja, existe abertura para desmatamento legal no País. Os motivos da pouca adesão ao cumprimento da norma estão diretamente relacionados com as causas do desmatamento, ou seja:

a. grilagem de terras públicas federais e estaduais não destinadas e que ainda são milhões de hectares;
b. falta de regularidade fundiária;
c. dificuldade de o produtor rural acessar os órgãos ambientais, que se concentram nas capitais e nos grandes centros;
d. gestão deficiente das terras públicas destinadas (por exemplo, projetos de assentamentos e unidades de conservação);
e. desvalorização dos ativos florestais;
f. burocracia e pouca capilaridade dos órgãos ambientais;
g. ausência de incentivos para buscar a legalidade;
h. falta de recursos financeiros para pagamento do custo do licenciamento e,
i. impunidade.

Uma política de controle e combate ao desmatamento ilegal exige altos níveis de coordenação e integração, em especial entre União, estados e municípios. Esses processos estão fragilizados e ainda não são exercidos de forma efetiva pelos órgãos responsáveis. São problemas antigos não resolvidos:

a. a inexistência de normas gerais orientadoras do processo de licenciamento de supressão de vegetação;
b. a não integração de ações e compartilhamento de sistemas de controle de atividades florestais e;
c. a falta de transparência e de informações sobre os licenciamentos e autorizações de supressão de vegetação.

Os estados licenciam, e a União não tem conhecimento. A União autoriza, e os estados não sabem. Dados dos municípios, então, nem se fala. A sociedade só conhece os números da ilegalidade quando amplamente divulgados pela mídia. A questão da integração de sistemas já esteve no centro das discussões e na definição de prioridades. Várias iniciativas do Ibama não tiveram êxito, inclusive o não cumprimento da Resolução Conama nº 379, de 19 de outubro de 2006, que exige, por exemplo, a integração, a transparência e a disponibilização de todas as informações relacionadas com as autorizações e as licenças para supressão de vegetação emitidas pela União e pelos estados, por meio da alimentação do Portal Nacional da Gestão Florestal.

A necessidade de regulamentar a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, e a implantação do Cadastro Ambiental Rural – CAR, devem criar condições efetivas de coordenar, integrar, disponibilizar e dar transparência aos processos de licenciamento e autorização da supressão vegetal, a partir de metas de desmatamento zero. A seguir, sugestões de algumas medidas:

1. A União deve regulamentar, mediante ampla discussão, o Capítulo V da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que trata da autorização e do licenciamento para supressão de vegetação natural. Seria uma oportunidade para definir metas e regras para o desmatamento zero, contemplando aquelas permissões para supressões residuais associadas a projetos de utilidade pública, obras de infraestrutura, assentamentos urbanos e de manutenção dos meios de vida e a subsistência de comunidades locais.
2. Associar a implantação do CAR ao estabelecimento de sistemas que garantam a integração, a transparência e a disponibilização de todas as informações relacionadas com as autorizações e as licenças para supressão de vegetação emitidas pela União, pelos estados e pelos municípios.
3. No seu cotidiano, os produtores rurais encontram dificuldades e reclamam do funcionamento, da organização e da qualidade de serviços dos órgãos ambientais. É necessária a criação de um plano de melhoria do atendimento do produtor rural por parte dos órgãos e das agências ambientais, nos moldes como já funciona para outros serviços públicos, devendo ter um formato de sistema integrado e unificado.
4. A União deve construir estratégias e planos a partir da regulamentação descrita no item 1 acima, visando:

a. à capacitação dos órgãos estaduais de meio ambiente nos principais temas da gestão florestal e dos seus instrumentos;
b. às melhorias e à padronização dos sistemas de licenciamento das atividades florestais;
c. à avaliação e ao estabelecimento de normas florestais estaduais, observadas as normas gerais disponíveis;
d. à estruturação das OEMAs na área de fiscalização florestal;
e. à integração dos sistemas estaduais e federais de controle florestal e ambiental, e;
f. à definição de mecanismos de avaliação da gestão florestal.

5. A definição clara das responsabilidades pela gestão e pela implementação das políticas de controle do desmatamento é importante para assegurar condições adequadas para atingimento das metas de desmatamento zero. A lacuna da não regulamentação da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, é prejudicial ao funcionamento do Sisnama.
6. O Ministério do Meio Ambiente deve ser efetivo no seu papel de coordenação do Sisnama e de discussão e de implantação de aspectos relevantes para o funcionamento do sistema de gestão florestal. Além disso, o MMA e o Ministério da Agricultura devem providenciar a retomada do funcionamento das instâncias coletivas de negociação e discussão das políticas florestais para o País.
7. O Ibama, como órgão responsável pelas competências federais de comando e controle, deve centralizar a gestão dos sistemas de integração específicos para a área florestal e também fortalecer ou criar setores de articulação institucional. O que está sendo sugerido exige apenas a retomada de prioridades relacionadas com a gestão adequada do patrimônio florestal do País e, ao mesmo tempo, revelar, com transparência, informações qualificadas. Afinal, a quem pode interessar a assimetria ou a ausência de informação sobre os bens e serviços (incluindo a água) prestados pela floresta?