Professor de Solos e Nutrição Florestal do Departamento de Ciências Florestais da Esalq-USP
Os impactos das plantações florestais na produção de água nas microbacias hidrográficas (MBH) são complexos, variáveis e dependem dos processos hidrológicos e edáficos predominantes e da disponibilidade climática de água. O indicador hidrológico mais importante em termos de manejo florestal sustentável é o balanço hídrico da MBH, enquanto a vazão hídrica é o indicador mais relevante para os ecossistemas aquáticos e demais usuários dos cursos de água. O impacto hidrológico das plantações pode ser avaliado em termos de consumo de água ou eficiência de uso da água.
Os altos índices de produtividade florestal são frequentemente associados às altas taxas de uso de água, levando a preocupações com as reduções na disponibilidade hídrica na bacia hidrográfica, especialmente onde as plantações de eucalipto substituíram a vegetação nativa de baixa estatura. Para avaliar e prever os efeitos de plantações florestais sobre a produção de água, Farley e outros (2005, Global Change Biology) analisaram 26 conjuntos de dados de MBH, totalizando 504 observações. Eles verificaram que a vazão hídrica anual foi reduzida, em média, em 44% e 31% quando pastagens e vegetação arbustiva, tipo savana, foram substituídas por plantações florestais, respectivamente.
Os eucaliptos tiveram um impacto maior do que outras espécies de árvores em áreas de pastagens, onde houve redução em 75% da vazão hídrica, em comparação com uma diminuição média de 40% nas áreas substituídas por pínus. Para as pastagens, as reduções absolutas da vazão anual foram maiores nos locais mais úmidos, mas, em termos relativos, maiores em locais mais secos. Seus resultados indicam que, em uma região onde a vazão é inferior a 10% da precipitação pluvial média anual, o florestamento arborização pode resultar em perda completa de escoamento.
Ferraz e outros (2013, Forest Ecology and Management) apresentaram exemplos de relação entre precipitação pluvial e vazão hídrica de cursos de água medidos em várias MBH experimentais plantadas com eucalipto, em diferentes partes do Brasil. A maioria das observações (58%) mostrou uma razão ET/P (evapotranspiração real/precipitação pluvial anual) maior que 0,90, mostrando que as plantações de eucalipto consumiram água em proporção à sua disponibilidade. Atualmente, existe um consenso de que a produtividade das plantações florestais é predominantemente limitada pela disponibilidade de água, pois a falta de nutrientes pode ser manejada por meio da fertilização.
Nas MBH com baixa disponibilidade hídrica, que ocorrem nas regiões que têm clima do subtipo Aw (tropical úmido com inverno seco), as precipitações pluviais médias anuais (PMA) podem variar entre 700 e 2000 mm ano-1, irregularmente distribuídas entre as estações, com 4 a 5 meses de deficiência hídrica (DH). As temperaturas médias anuais são altas, entre 24 ºC e 26 ºC, o que confere a essas regiões alto potencial evapotranspirativo. O incremento médio anual (IMA) de madeira de eucalipto varia entre 25 m3 e 35 m3 ha-1 ano-1.
Nessas regiões, durante o período mais seco, a oscilação da vazão dos cursos de água é grande, podendo até ocorrer suas secagens. Em algumas regiões, essa limitação hídrica tem gerado conflitos sobre o uso da água entre comunidades locais e produtores florestais. Outros fatores naturais relacionados à topografia e às características do solo podem mitigar ou agravar os efeitos na vazão de cursos de água. Quanto mais declivosas as áreas, mais rápido é o processo de drenagem e menor é o tempo de residência da água, contribuindo intensivamente para a variação da vazão dos cursos de água entre os períodos mais e menos chuvosos. O teor de argila no solo tem alta correlação com a velocidade de infiltração e com a capacidade de retenção de água, por conseguinte, com o tempo de residência da água.
A produção florestal em regiões com deficiência hídrica > 400 mm, PMA < 1000 mm e estação seca ≥ 6 meses é economicamente inviável para objetivos industriais, devido à baixa produtividade, à inadequada qualidade da madeira e ao alto custo de produção. Pelas mesmas razões e pela baixa capacidade de armazenamento de água, os solos pouco desenvolvidos, como o Cambissolo, o Neossolo Litólico e o Neossolo Quartzarênico são inadequados para plantações de eucalipto. Geralmente, as áreas com esses solos são destinadas à conservação ambiental.
Nas MBH com moderada disponibilidade hídrica, que ocorrem nos subtipos climáticos Aw, Am (tropical monçônico), Cwa (subtropical com inverno seco e verão quente) e Cwb (subtropical com inverno seco e verão temperado), a PMA varia entre 1000 e 1800 mm ano-1, moderadamente distribuída durante o ano, resultando entre 2 e 4 meses de DH. Quando o número de meses com DH varia entre 3 e 5 meses, e as TMA ficam acima de 22 oC, os riscos de drástica e temporária diminuição da vazão hídrica são altos, sobretudo nos anos com precipitações pluviais abaixo dos índices médios. Nessas condições, há vários casos de conflitos com outros usuários em bacias hidrográficas florestadas com eucalipto no Brasil.
Nas MBH com alta disponibilidade hídrica, predominantes nos subtipos climáticos Cfa (subtropical com verão quente) e Cfb (subtropical com verão temperado), a PMA varia entre 1500 e 2500 mm ano-1, bem distribuídas durante o ano (menos de 2 meses de deficiência hídrica). A TMA varia entre 13 ºC e 20 ºC.
O IMA de madeira de eucalipto varia entre 35 m3 e 60 m3 ha-1 ano-1. Nessas regiões, supondo que 10% da disponibilidade hídrica representa um excedente hídrico de 120–150 mm, a drenagem pode ser suficiente para manter a vazão hídrica dos riachos e córregos para outros usuários e manter os ecossistemas aquáticos. São raros os conflitos entre produtores florestais e outros usuários de água ao longo da bacia hidrográfica.
Os produtores florestais devem levar em conta os riscos inerentes de diferentes sistemas de manejo florestal sobre a disponibilidade regional de água e considerar a adoção das seguintes práticas silviculturais na MBH: a) mosaico com diferentes materiais genéticos e idades de plantio; b) controle da produção florestal. O objetivo básico é limitar a variação da evapotranspiração real ao longo dos anos dentro das microbacias hidrográficas.
A associação de materiais genéticos com diferentes produtividades em uma MBH tem alto efeito no consumo de água. Os genótipos mais produtivos devem ser plantados nas áreas com maior disponibilidade hídrica, comumente aquelas com menor declividade, com solos mais profundos e argilosos. No outro extremo, as áreas mais declivosas e/ou com solos mais arenosos, de maior drenagem, devem ser reservadas para os genótipos menos produtivos.
As simulações realizadas em uma bacia hidrográfica experimental, sob déficit hídrico moderado e plantadas com eucaliptos, mostraram que é possível reduzir o consumo de água e estabilizar as flutuações de vazão em um córrego causadas pelo crescimento do povoamento, se forem estabelecidos mosaicos de idade da plantação florestal associados a 30% de manutenção da área da microbacia hidrográfica com floresta nativa (Ferraz e outros, 2013).
Em outra região com maior estresse hídrico, também em uma MBH com mosaico de eucalipto e floresta nativa, Almeida e outros (2007, Forest Ecology and Management) verificaram que povoamentos com diferentes idades resultaram em redução considerável na variação dos níveis do lençol freático.
Assim, o estabelecimento de um mosaico de materiais genéticos e de idades na microbacia hidrográfica é uma das estratégias mais poderosas para controlar o consumo de água e pode contribuir para reduzir os conflitos de uso da água, especialmente em regiões com limitação hídrica.
O controle da produção florestal em áreas com alta limitação hídrica pode ser uma prática eficiente para regular a produção de água na microbacia hidrográfica e de seu regime de fluxo. Duas estratégias podem ser usadas. A primeira estratégia é limitar a produtividade da plantação por meio do uso de materiais genéticos menos produtivos, mas mais eficientes no uso da água e, geralmente, mais tolerantes ao estresse hídrico.
Nesse cenário, duas funções podem ser conciliadas: a função ecológica, por meio da recarga do lençol freático, que mantém a regularidade de vazão dos cursos d'água, e a função silvicultural, por meio da recarga de água em camadas profundas do solo, constituindo um estoque de água importante para a sobrevivência das árvores durante os períodos de seca.
A segunda estratégia consiste em não limitar a produtividade da plantação, mas aumentar a área relativa de conservação da vegetação natural. Isso implica maior risco de mortalidade de árvores, devido ao maior estresse hídrico na escala do povoamento. Eventualmente, dependendo das previsões meteorológicas, o aumento da extensão da rotação de cultivo pode ser considerado.
Por fim, estratégias como a hidrossolidariedade estão se tornando cada vez mais importantes no manejo das plantações florestais, uma vez que a concorrência pela água tem aumentado devido à mudança climática. Independentemente se as variações climáticas são normais ou causadas pelo aquecimento global, o setor florestal brasileiro tem feito esforços para estruturar um bom plano estratégico como parte de seu programa de sustentabilidade a médio e longo prazos.
Os riscos potenciais devem, portanto, ser levados em consideração durante o desenvolvimento de estratégias florestais e planos de manejo. Isso requer uma melhor compreensão dos possíveis impactos e dos riscos das mudanças climáticas.