Professora de Silvicultura e Coordenador de Pós-graduação em Engenharia Florestal, respectivamente, ambos da UF Santa Maria
O aumento da demanda por madeira instiga a buscar estratégias à diversificada cadeia produtiva. Isso requer silvicultura, manejo efetivo e profissionais qualificados e proativos diante dos desafios, prevendo e/ou evitando um “apagão florestal”. Entretanto, observando o setor florestal em uma linha do tempo, em destaque, podemos ser otimistas com o futuro, pois em várias ocasiões problemas foram sinalizados e solucionados. As experiências trouxeram know-how, proporcionando capacidade científica e tecnológica e formação de grandes empresas e pessoas capazes de responder às demandas por bens, produtos e serviços florestais de forma sustentável.
Historicamente, é relevante lembrar que, desde o Período Colonial, as espécies arbóreas participam da economia do Brasil, o que por séculos ocorreu por meio do extrativismo florestal predatório. No início do século XX, a floresta mostrou que não era infinita, pois o combustível responsável pelo transporte das “principais riquezas” começou a escassear.
Assim, surge a silvicultura no Brasil, pois o reflorestamento foi a alternativa para conservar as florestas nativas, mantendo a economia. Contudo, o conhecimento restrito sobre o potencial das espécies silvestres demandou que essas e outras introduzidas fossem testadas.
Em 1930, quando se iniciou a industrialização no Brasil, a silvicultura já tinha dado seus primeiros passos. Em 1950, as indústrias eram realidade, atraindo novos investidores, que demandariam matéria-prima florestal. Alguns atores perceberam o que estava por vir e buscaram efetivar os incentivos fiscais para os reflorestamentos.
Os anos de 1960 foram o marco para o desenvolvimento florestal. Esse período sinalizou a preocupação real com as florestas naturais, seguindo o modus operandis do extrativismo predatório que levaria à exaustão e ao colapso do setor florestal. Assim, foi iniciado o 1º Curso de Engenharia Florestal (1960). Na ocasião, algumas espécies do gênero Eucalyptus já se haviam destacado por sua produtividade, além de Pinus spp., a Acacia mearnsii, e raras nativas foram mantidas no portfólio, como, por exemplo, a Araucaria angustifolia.
No final de 1970, o setor contava com a formação de engenheiros florestais em 10 universidades. Esses, subsidiados pelos incentivos fiscais, intensificaram a seleção de materiais genéticos, produção de sementes melhoradas, tecnologias para produção de mudas seminais, e iniciaram a clonagem de Eucalyptus. Paralelamente, avançaram na silvicultura e manejo de reflorestamentos direcionados a diferentes segmentos.
Na década de 1980, as preocupações ambientais da sociedade aumentaram, as áreas de preservação e conservação foram mais rigorosamente exigidas, e os cuidados com o solo e práticas como o manejo integrado entraram na rotina dos silvicultores. Entretanto, apesar do maior custo requerido para consolidar esse avanço, o incentivo fiscal foi interrompido, sinalizando uma nova crise no setor.
Em 1994, surgiu a certificação florestal, buscando apoiar empresas voluntárias para evoluírem nos três pilares da sustentabilidade, o que abriria acesso aos mercados internacionais mais exigentes. Antes do início do século XXI, várias empresas haviam obtido a certificação, e oito novos cursos foram credenciados, visando formar engenheiros florestais, com visão inovadora.
A partir dos anos 2000, 90% dos produtos florestais demandados pela sociedade brasileira provinham dos reflorestamentos. Esse fato e as exportações ampliaram indústrias florestais, porém sinalizaram escassez de madeira à demanda. As empresas adquiriram áreas, e houve fomento ao reflorestamento de pequenas e médias propriedades. Concomitantemente, surgiram 35 novos cursos de Engenharia Florestal.
Na contramão do crescimento do setor, ocorreu a crise financeira mundial de 2008-09, a qual trouxe impactos negativos. Paralelamente, no RS, foi definido o Zoneamento Silvicultural, considerado pelo governo uma estratégia de cunho ambiental, porém enfocada somente aos reflorestamentos e não a outras culturas.
Sequencialmente (2015), o setor voltou a equilibrar suas atividades. Nesse período, já se observava o destaque à produção de matéria-prima para celulose e papel, assim a Engenharia Florestal estava cada vez mais voltada a esse segmento.
Mais recentemente, foi sinalizada a tendência de escassez de madeira sólida no mercado, com fechamento de empresas de pequeno e médio portes nesse segmento, indisponibilizando madeira para a construção civil.
Também, foram percebidos efeitos das alterações do clima e de eventos meteorológicos extremos, demandando manobras inesperadas na silvicultura, concomitantemente com uma surpreendente redução de interessados em se qualificar e atuar no setor florestal. De modo geral, nos chama a atenção que, apesar da dependência dos reflorestamentos, a sociedade ainda não tem clareza dos benefícios sociais, econômicos e ambientais.
Uma das causas pode estar associada ao fato de o setor florestal brasileiro ser excessivamente verticalizado. Claro que há programas de fomento, mas há o predomínio de verticalização. E qual é o problema disso? A verticalização não nos integra na sociedade. O Brasil é imenso e poderia dobrar a área florestal sem desmatar ou concorrer com culturas alimentares, mas para isso é relevante considerar ações de horizontalização da cadeia de fornecedores de madeira.
Apesar de reconhecermos que o setor está apto a servir como referência em termos de produção sustentável, existem fragilidades sobre as quais devemos atuar. Assim, precisamos apoiar e confiar no ESG, que se tem mostrado eficiente em inovar no contexto da diversidade, mas também deve ampliar o foco em outras direções como:
1) ampliação de ações com empreendimentos de pequeno e médio portes, focando parcerias por longo prazo e não somente para atender a demandas pontuais;
2) consolidação de programas de pesquisa e ensino com ênfase nas instituições da região de atuação, apoiando a formação de potenciais colaboradores.
Em relação ao fomento, são imperiosas ações que integrem produtores rurais de todos os portes e seguimentos na cadeia produtiva de base florestal. Acreditamos que, ao contrário do discurso, existem segurança jurídica no país e instituições fortes que possibilitam essa virada de chave na forma de atuar do setor florestal. No contexto de disponibilidade de mão-de-obra qualificada, contamos com 72 cursos de graduação em Engenharia Florestal credenciados pelo MEC, distribuídos em todas as regiões do País, disponibilizando 4.629 vagas por ano. Essas, possivelmente ampliadas por equívoco de gestão, não são preenchidas. O que motiva essa fragilidade na educação? Acreditamos nos seguintes pontos:
1) considerável proporção de estudantes acessa as universidades sem a base necessária, desistindo do curso nos primeiros dois anos;
2) outros ingressam indecisos do que desejam profissionalmente, assumindo o curso que a pontuação do ENEM permite e não aquele que desejavam e/ou têm vocação;
3) esses jovens, na mesma universidade, migram entre cursos, pois encontram vastas possibilidades, “gratuitas”;
4) especificamente no curso de Engenharia Florestal, são reduzidas as oportunidades de práticas realistas, tendo em vista a restrição de áreas físicas e a aquisição e manutenção de equipamentos;
5) reduzida atualização do corpo docente, visando acompanhar o ritmo do desenvolvimento de mercado. Por outro lado, seríamos omissos em não reconhecer que temos egressos do mais alto nível, os quais muito rapidamente são absorvidos pelo mercado.
Conclusivamente, a história mostra nosso potencial de superação de possíveis “apagões”. Superar os entraves depende do nosso esforço individual e coletivo dentro e entre corporações. Nesse sentido, nossa mais alta consideração à Revista Opiniões Florestal, que oportuniza a interação do setor, primeiramente como leitores, mas também nos colocando a refletir e expor pontos de vista.