A engenharia florestal no Brasil já começou com sentimento de grandeza, pois os primeiros alunos já fizeram estágios em empresas como Klabin, Belgo-Mineira, Acesita, Melhoramentos e outras, e muitos foram nelas trabalhar, depois de formados. Até hoje, os profissionais da área saem das universidades e vão, em ampla maioria, em busca de empregos em grandes empresas, induzidos, na maioria dos casos, por comportamentos cultivados pela própria academia.
Do lado dos empreendimentos florestais, a coisa também não foi muito diferente. Até mesmo a lei de incentivos fiscais (de 1966) fomentou a criação de consórcios de investidores, que agiam como grandes reflorestadores, comandados por empresas que se organizavam para a captação de tais incentivos.
Os mais velhos, como eu, dos primeiros engenheiros florestais formados no Brasil, chegamos a conhecer muitos sucessos de plantadores de florestas financiados pelos ditos incentivos fiscais, mas também muitas mazelas foram provocadas por aventureiros que apareceram e que sempre aparecem em tais oportunidades.
É verdade, também, que houve e continua a haver boas intenções de incentivar o desenvolvimento de atividades florestais em pequena escala. Tivemos, ao longo do tempo, e citando apenas alguns exemplos, a Campanha Integrada de Reflorestamento, em Minas Gerais; o Programa de Reflorestamento em Pequenos e Médios Imóveis Rurais do antigo IBDF; o Projeto de Extensão e Fomento Florestal do Rio Grande do Sul; e a Associação de Recuperação Florestal de São Paulo.
Todos com o objetivo básico de incentivar plantios florestais em propriedades rurais, em contraponto às grandes extensões das plantações de grandes empresas consumidoras de madeira, como as de siderurgia e celulose. Com pouco ou nenhum sucesso econômico, infelizmente.
Não se podem esquecer, ainda, os programas de fomento que operam no sistema de integração, com as empresas dando suporte financeiro e técnico, e os pequenos reflorestadores fornecendo essencialmente terra e mão de obra.
Mas será que os pequenos negócios florestais devem ficar restritos às ações de plantar e vender para grandes empresas ou para seus intermediários? Será que o produtor rural, ao se interessar pela atividade florestal, acabará caindo em nova armadilha? Será que o morador de comunidades, com bom número de pequenas plantações florestais, vai continuar pagando caro por madeiras importadas de locais distantes, quando precisar reformar o telhado de sua casa, trocar assoalhos, construir galpões e outros equipamentos?
A madeira natural vai continuar a perder cada vez mais espaço para os painéis? Ao pequeno produtor florestal só lhe resta o destino de viver pendurado a grandes empreendimentos industriais? Foi sempre assim ao longo do tempo?
No passado, as pequenas serrarias, por exemplo, ainda que bastante elementares, conseguiam desdobrar madeiras de espécies nativas e produzir qualidade suficiente para consumos locais. Já não conseguem o mesmo com o eucalipto, de mais difícil processamento e trabalhabilidade.
Muitas fecharam, e outras geram produtos de péssima qualidade, pois, mesmo já existindo as tecnologias de desdobro e secagem de peças de eucalipto, são ruins os caminhos que ligam os seus detentores aos possíveis pequenos usuários.
E aí está o gargalo que dificulta, ou até impede, o surgimento de cadeias produtivas, calcadas nos pequenos negócios, ou seja, nas micro e pequenas empresas. Se elas existissem, disseminadas pelo interior do país, criariam alternativas de mercado para os produtores florestais e serviriam de base para o surgimento de inúmeras alternativas de uso da madeira.
Ligar tecnologias e usuários dispersos é atividade que envolve um trabalho de extensão bem planejado, e isso é, essencialmente, tarefa de setores governamentais, visando gerar e distribuir renda. Muitas organizações públicas, ligadas ao setor florestal, foram criadas para o trabalho de fomento e de difusão de conhecimentos.
Mas, com o decorrer do tempo e com o encantamento pelas leis de proteção ambiental, os governos foram descobrindo que poderiam gerar receitas mais imediatas com fiscalização e multas. Principalmente em cima dos pequenos proprietários rurais, que não têm estruturas de defesa – e pagam.
Quem deveria fazer extensão na área virou um grande colaborador do Ministério Público, fazendo perícias ambientais. As instituições de fomento precisam voltar às origens e, aliando-se ao Sebrae, por exemplo, atuar com eficiência no desenvolvimento desses pequenos negócios florestais.
Outro entrave para o desenvolvimento do setor é a burocracia criada em torno dele. Em Minas Gerais, por exemplo, pobre de quem precisa cortar e vender algumas árvores de eucalipto (olha que eu estou dizendo
eucalipto e não espécie nativa qualquer).
A maioria tem que recorrer a consultores para preparo dos processos, pois as decisões de gabinete não guardam lógica alguma com as realidades existentes no meio rural. Muitos governos, que deveriam incentivar atividades produtivas no setor florestal, parecem, inexplicavelmente, empenhados em criar obstáculos ao seu desenvolvimento.
Neste ponto do artigo, eu abro um parêntese para falar da formação atual dos nossos engenheiros florestais, responsabilidade amplamente majoritária das universidades públicas. Sinto certo comodismo da academia, concentrada no ensino do como fazer e de seus fundamentos.
Gostaria de vê-la fundamentando, também, os conhecimentos necessários para mudar formas de fazer. Não adianta nada a academia pregar inovação e empreendedorismo se, no dia a dia, fica presa a currículos excessivamente compartimentados e a métodos de ensino recorrentes no tempo.
A inovação e o empreendedorismo precisam ser exercidos no cotidiano acadêmico, pois atitudes culturais são frutos da convivência diária. O aluno precisa sair da universidade não desejando apenas ser empregado, mas também empregador.
O governo brasileiro sinaliza alguma coisa com a criação do Plano Inova Empresa, prevendo recursos para investimentos, e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), mas nada caminhará se, cá por baixo, não houver quem esteja preparado para pegar o boi pelo chifre.
Fechando o parêntese e voltando ao foco do artigo, sinto receio de que, num momento em que há uma corrida mundial para formação de grandes grupos empresariais – e o Brasil não está à margem disso – , eu esteja pregando uma utopia, ou um sonho, ao sugerir a diversificação do setor florestal brasileiro, com a criação de pequenos negócios, apropriados às variadas características regionais de nosso imenso território.
Será necessário, para isso, um esforço de agentes públicos na orientação de atividades compatíveis com as diversas realidades brasileiras, apontando viabilidades, oferecendo suportes tecnológicos e, se necessário, apoios financeiros para os arranjos produtivos locais, quer sejam polos, cooperativas ou associações.
Como, para tudo isso, há de se planejar e como planejamento no Brasil está mais para ficção do que para realidade, tenho medo de que a incompetência gerencial pública engula a utopia e não deixe que o meu sonho seja sonhado. Mas como dizem que a esperança é a última que morre, vamos torcer para que ela saia da UTI, trazendo junto inúmeros pequenos negócios ligados a inúmeras florestas espalhadas pelo País.