Não é novidade que os resultados da colheita florestal são altamente atrelados à escolha de um sistema de colheita adequado aos objetivos da floresta, tais como cut-to-lenght, tree-length, full-tree, e da composição da colheita mecanizada, com maquinário moderno em suas diferentes variedades, como harvesters, forwarders, skidders, harwarders, feller bunchers, slingshots e outros. Também o importante papel desempenhado por tecnologias, planejamento florestal e gestão do capital humano, envolvendo aspectos ligados à formação de equipes, capacitação, motivação, retenção de talentos e planos de carreiras.
Contudo este artigo não se refere a esses tópicos de incontestável importância, os quais podem não ser novidade para muitos dos leitores. O presente artigo tem o objetivo de conduzir a uma reflexão que diz respeito à percepção expandida de valor agregado da colheita ou, de outra forma, a busca de novos patamares de valor agregado que podem ser criados a partir da colheita, os quais podem não estar sendo completamente explorados.
Para um melhor entendimento, gostaria de compartilhar duas experiências peculiares ao longo de alguns trabalhos em que tive participação. Na primeira, há alguns anos, estava monitorando o comportamento de uma caldeira de recuperação química de uma planta de celulose.
Em certo momento, a caldeira começou a mostrar redução na eficiência de combustão do licor negro que, após análise, constatou ser ocasionada pela entrada de madeira de mesmo material genético, porém oriunda de fazendas de diferentes localidades. Quanto à segunda experiência, dessa vez monitorando uma máquina de papel, observou-se a variação de performance na parte úmida da máquina, resultante da mudança da entrada de celulose de mesmo material genético, porém produzida a partir de florestas de regiões diferentes.
Para aqueles que talvez não sejam familiares ao contexto fabril, a variação de eficiência de uma caldeira de recuperação ou a performance de uma máquina de papel podem não assumir conotação relevante. Todavia, sem nenhuma sombra de dúvida, o tema envolve cifras vultosas e com relevância mais do que suficiente para impactar a competitividade empresarial. O que ambos os casos têm em comum é o fato de que mudança na origem da madeira pode impactar substancialmente os elos subsequentes da cadeia de produção.
Na realidade, esses são apenas alguns exemplos da relevância extrema que a madeira exerce na performance fabril e na ponta final dos produtos, os quais podem estar acontecendo, em alta intensidade e frequência, até mesmo diária, no contexto dos clientes internos e externos do suprimento da madeira. Essa dinâmica de interações da madeira com processos industriais e qualidade de produto é um importante elemento na produção de celulose, papel, carvão vegetal e outros.
Mas de que forma isso se relaciona à colheita florestal? Aqui, permeia a reflexão deste artigo. O tema diz respeito à decisão de cortar um ativo com anos para formação e os reflexos ao longo dos processos produtivos, qualidade do produto final e competitividade, sob uma visão holística. Se tenho duas diferentes áreas disponíveis para corte, será que ambas produzirão o mesmo resultado sobre o desempenho da fábrica, os custos variáveis de produção ou qualidade do produto final?
Sem dúvida, há que se ponderar a influência de outras variáveis, a exemplo do material genético, da estocagem da madeira e das condições edafoclimáticas. Nessa última, vale a pena analisar o tema na ótica do desempenho da área de colheita, em função do histórico e da previsão das variações climáticas e como o conhecimento e a gestão dessas informações podem desencadear grandes ganhos, especialmente associados com o planejamento e o sequenciamento de corte.
Aqui, a avaliação deve estender-se para além do ponto de vista operacional e contemplar também o entendimento das características tecnológicas do produto florestal formado sob aquelas condições. Quando se fala em colheita, sabe-se que existe uma relação forte desta com, por exemplo, índices pluviométricos, condições de estradas, balanço hídrico, compactação do solo, impactos ambientais. Entretanto é preciso avaliar a forma como essas informações podem estar chegando aos tomadores de decisão da colheita, como são geridas e que ações são colocadas em prática.
Nesse ponto, é possível ressaltar, ainda mais, a capacidade de ampliar a geração de valor ao negócio, a partir da colheita. Como origem para o suprimento da madeira, esta assume uma função chave no desempenho e na competitividade das empresas. É necessário analisar como a área de colheita está realmente posicionada dentro da estratégia da organização, e, até que ponto, sua capacidade de gerar valor está sendo explorada na sua máxima plenitude.
Significa que será fundamental assegurar a implantação de mecanismos para retroalimentação de informações relevantes advindas ao longo da linha de produção, produto e mercado, para os elos anteriores da cadeia produtora, onde a colheita figura como elemento de destaque. Fazer chegar ao início da cadeia de suprimentos da madeira, no caso a colheita, informações ou indicadores acerca dos impactos resultantes de decisões de corte (quando, onde e o que cortar) sobre a eficiência de produção, custos variáveis e qualidade de produtos resultantes.
Com isso, permitir a criação de uma base de conhecimento, que viabilize um trabalho multidisciplinar na organização, voltado ao aperfeiçoamento constante do mix de madeira para o ganho de competitividade do negócio ao longo de toda a sua cadeia de produção e de valor. Quando se fala em aperfeiçoamento constante do mix de madeira, implica dominar o fluxo de suprimentos de forma quantitativa e, acima de tudo, qualitativa.
Fica evidente a necessidade de se dispor de tecnologias ao longo de toda a cadeia de produção, respaldada por um sistema ponta a ponta que conecte eficientemente, por um lado, todas as variáveis da floresta em pé, pronta para o corte. Por outro lado, os processos com seus custos variáveis de produção, eficiência produtiva e também a qualidade do produto. Obviamente, isso requer um fluxo dinâmico de informações que possa ser trazido ao alcance do planejamento e da gestão da colheita, amparado por um moderno e eficaz sistema de despachos e logística.
Pode-se pensar se o caminho nessa direção esbarra em defasagem tecnológica. Particularmente, entendo que os elementos tecnológicos necessários já existem. O tema pode estar condicionado muito mais à quebra de alguns paradigmas do que à existência de tecnologias disponíveis para viabilizar ações nesse sentido. Possivelmente, o avanço nessa direção requeira algumas revisões e expansão dos fluxos de informações ao longo da cadeia para potencializar o processo decisório dos elos produtivos.
Também requerer ajustes em modelos de gestão para uma perspectiva ampla, ponta a ponta, com especial envolvimento da colheita. Não obstante, reavaliar como a colheita pode ser melhor posicionada na estratégica de competitividade empresarial definida pela alta administração e, com o comprometimento desta, conduzir possíveis correções.
Significa que a gestão ampla de processos, pessoas e tecnologias que unam a cadeia ponta a ponta, realmente na forma de uma floresta conectada, será indispensável para ganhos de competitividade. A colheita florestal representa o elo fundamental nesse contexto.