Coordenador do ISA - Instituto Socioambiental
Op-CP-25
“Por muito conhecida e demonstrada que tenha sido a influência das florestas sobre o clima (…), nunca será em demasia clamar contra a prodigalidade com que devastamos as nossas matas (…) Representa tudo a satisfação de uma necessidade do momento, mas o dano de que já nos ressentimos avoluma-se, e nos depara um futuro de aridez e esterilidade que não devemos encarar com indiferença.”
Essa afirmação poderia muito bem ter saído da boca de um ambientalista dos dias de hoje, reclamando contra o acelerado desmatamento na Amazônia e no cerrado. Mas ela data de 1915 e consta de uma carta enviada pelo Presidente da Sociedade Paulista de Agricultura – principal órgão de representação da agricultura nacional da época - ao Presidente do Estado de São Paulo, na qual clamava por algum tipo de controle à derrubada de florestas, pelos efeitos nefastos que o desmatamento excessivo trazia para sua atividade: a agricultura.
Não podemos dizer que essas palavras sejam proféticas, mesmo que hoje, cem anos depois, possamos comprovar que vastas regiões, outrora férteis e produtivas, como é o caso do Vale do Paraíba ou do Rio Doce, amargam o ostracismo econômico decorrente da exaustão das terras, do assoreamento das fontes de água e da extinção de praticamente toda a biodiversidade nativa. A clareza de que devemos respeitar alguns limites no uso dos recursos naturais para nosso próprio bem não é algo moderno.
Pelo contrário, recente é a cultura do consumo desenfreado, arraigada em uma sociedade adolescente, muito pouco preocupada – de fato – com as consequências futuras dos excessos do presente. Vivemos na era do determinismo tecnológico: podemos fazer qualquer besteira em nome de nossos interesses imediatos, pois algum dia surgirá uma solução mágica para consertar o erro.
Mas a própria ciência vem nos alertando, insistentemente, que estamos no caminho equivocado. Um estudo de 2009, realizado por 28 cientistas reunidos no Stockholm Resilience Centre, demonstra que já teríamos ultrapassado 3 dos 9 grandes limites biofísicos de nosso planeta que permitiram a humanidade florescer.
Já não haveria retorno para o aquecimento global, para a perda de biodiversidade e para o rompimento do ciclo do nitrogênio. Apesar disso, não há em vista mudanças significativas em nossos padrões de consumo. A discussão atual sobre o Código Florestal ilustra muito bem essa questão.
Não é de hoje que sabemos da intrínseca relação entre florestas, água e equilíbrio ambiental. Por isso, desde 1934 temos uma legislação que, com todas as deficiências que possa ter, aponta para uma direção óbvia: temos que manter um equilíbrio entre conversão e manutenção da vegetação nativa.
Se precisamos derrubar florestas para gerar riquezas numa escala difícil de se alcançar apenas com o extrativismo, temos que segurar algo para manter a funcionalidade dos serviços ambientais que garantem essa produção. E esse princípio vem sendo amplamente comprovado pela ciência contemporânea.
Estudos de três décadas liderados pelo Professor Enéas Salati comprovam que as chuvas que irrigam as produtivas lavouras de soja e cana do Sul e Sudeste do País – e garantem água e energia elétrica para a população que ali vive – dependem da manutenção de uma expressiva cobertura florestal na Amazônia.
A pecuária amazônica, que ocupa 60% das áreas lá desmatadas, prejudica a soja paranaense. Numerosos outros estudos recolhidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, demonstram que, nessas mesmas regiões, o desmatamento excessivo – e ilegal – fez cair a produtividade de várias culturas agrícolas dependentes da polinização por agentes naturais, como é o caso do café, da soja, do maracujá, dentre outras.
Apesar de sabermos tudo isso, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que não só desobriga a recuperação de praticamente qualquer desmatamento ocorrido até 2008, como afrouxa as regras para controlar novos desmatamentos. A alegação é que temos “muito mato” ainda e que recuperar florestas traria prejuízos astronômicos a nossa agricultura. Mesmo que sejam elas pequenas faixas ao longo dos rios ou ao redor de nascentes.
Mesmo que o Rio Grande do Sul tenha hoje menos florestas que a Alemanha, e São Paulo menos que a França. No fundo, embora não digam isso explicitamente, os defensores do projeto continuam acreditando que as florestas são apenas obstáculos no caminho do desenvolvimento econômico e que respeitar determinados limites é algo do passado. Se levarmos em consideração o posicionamento da maioria dos deputados, talvez seja mesmo. Infelizmente.