Pós-doutoranda em Tecnologia Téxtil na Escola de Artes, CiÊncias e Humanidade da USP e Diretor Executivo do IPEF,respectivamente
Há milhares de anos, os corantes naturais foram a principal fonte de cor para diversas utilidades humanas, tendo sido empregados como pigmentos em artes rupestres, em tingimento de tecidos e até em pinturas corporais. A produção, comercialização e distribuição dos corantes naturais desempenharam um papel social, econômico e cultural importante, até meados do século XIX.
Entretanto, com o advento dos corantes sintéticos, uma rápida substituição dos corantes naturais teve início. Como consequência, as pesquisas, a produção e a comercialização dos corantes sintéticos cresceram, devido às características de melhor qualidade, reprodutibilidade, menores custos e maiores facilidades para sua obtenção.
Hoje, os corantes sintéticos perfazem a maior parte das matérias-primas para prover cor na indústria de alimentos, cosméticos, fármacos e têxtil. Embora a maioria dos corantes sintéticos sejam classificados como seguros, os consumidores estão cada vez mais interessados em produtos de origem natural, por causarem menores danos à saúde humana e ao meio ambiente.
Esse fato está intrinsecamente relacionado a diversos valores demandados pela sociedade moderna, envolvendo a sustentabilidade, produtos verdes e ecológicos. Visando atender a esse novo nicho de mercado, as indústrias alimentícias, cosméticas, papeleiras e têxteis estão aumentando o uso de corantes naturais. Atualmente há uma série de produtos, principalmente alimentícios, que já utilizam corantes naturais tais como bebidas, molhos, sopas, maioneses, sorvetes, temperos, massas etc.
As plantas constituem-se na mais importante fonte de corantes naturais e diferentes espécies têm sido investigadas quanto à forma de extração do produto, toxicidade e solidez da cor – capacidade da cor de se manter no produto final –, questões fundamentais para o tingimento e o desenvolvimento de corantes alternativos aos sintéticos. Uma característica importante desses produtos é que, em sua grande maioria, eles podem ser facilmente obtidos por simples extração em água e solventes orgânicos neutros.
Nesse contexto, as florestas apresentam um enorme potencial, especialmente considerando-se o território brasileiro, pela rica biodiversidade que apresenta. As possibilidades incluem os componentes arbóreos e os não arbóreos, compreendendo as partes lenhosas, folhas, frutos, sementes e flores.
Ao se propor a obtenção de corantes naturais a partir de florestas, surge a oportunidade de se agregar valores adicionais de negócios, que não ficam restritos apenas à obtenção de madeira como fonte de matéria-prima. Por sinal, no caso brasileiro, é importante lembrar que os corantes naturais obtidos de florestas têm importante relação com a própria história do País. A principal referência é a madeira de Pau-brasil (Caesalpinia echinata), importante fonte de corante vermelho no século XVI. Foi por conta do seu corante que a madeira dessa espécie possa ter sido a nossa primeira commodity a ser exportada para a Europa.
Dentre as formas de se obter matéria-prima para a geração de corantes da floresta, podemos citar os sistemas agroflorestais (SAFs). A partir da consorciação de espécies de diferentes plantas, de diversos portes e distintos ciclos de vida. É possível, também, ter a geração de produtos diversificados, disponibilizados de acordo com a necessidade do mercado consumidor.
No caso dos corantes naturais, poderiam ser cultivadas plantas que produzem distintas cores, e que possuam diferentes ciclos de colheita. Um adequado sistema de manejo poderia ser alinhado às indústrias têxteis, por exemplo, no sentido de definir as cores da estação para os consumidores.
Outra alternativa de cultivo de plantas que produzem cor poderia ser realizada na Reserva Legal. Dependendo da região, e sem que se perca as outras finalidades desse tipo de floresta, a escolha de espécies para a composição da área poderia ser concentrada, em maior escala, na visão da obtenção de um determinado tipo de cor. Para ilustrar, pode ser citado o urucum, já amplamente cultivado no Brasil para produção do corante alimentício "coloral".
Em outras regiões poderia ser cultivado o genipapo, que produz corante azul a partir do seu fruto verde; e a acácia negra, que produz corante marrom, já amplamente cultivada para produção de taninos visando diversas outras finalidades. Os extrativos provenientes de madeira são também uma fonte importante de corantes naturais e, nesse contexto, destacam-se os resíduos do processamento mecânico dessa matéria-prima lenhosa.
Há uma grande disponibilidade desse tipo de resíduo em nosso País que, por não ter uma disposição final adequada, em geral, causa importantes problemas ambientais. Estudos conduzidos na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo – Esalq/USP indicaram que os resíduos de várias madeiras, notadamente amazônicas, apresentam grande potencial como corantes naturais para tingimento têxtil em algodão e papel, com características de boa permanência da cor à luz.
Uma outra alternativa refere-se à obtenção de corantes naturais a partir das folhas de eucalipto. Os resultados em escala de aplicação na indústria têxtil demonstraram pleno sucesso dessa prática, conforme estudos também conduzidos no âmbito da Esalq/USP.
Sabemos que o Brasil é um dos países em que o eucalipto tem sido amplamente utilizado e, respeitados os limites ecológicos relacionados à extração de suas folhas, haveria um grande potencial de oferta dessa matéria-prima para obtenção de extratos substitutivos de corantes sintéticos.
Cabe, por fim, um comentário sobre o fascínio e a beleza da colheita, extração e aplicação dos corantes naturais, seja em tecidos, cosméticos, alimentos ou papel. Artistas e artesãos têm preferido esse tipo de corante, não apenas por agregar valor ao seu produto final, mas, sobretudo, pelo brilho e tons que as cores da floresta manifestam aos olhos humanos.
Tal alinhamento com as cores da natureza é um apelo que transcende os sentidos da visão, que recupera o espírito de uma ciência tradicional, antes perdida, que discretamente se mantém num contínuo caminhar pelo saber popular. Há uma grande expectativa de que o movimento de retorno aos corantes naturais de origem florestal se expanda de maneira mais abrangente, levando a uma abertura de mercado, relacionada não apenas com a consciência humana em relação ao ambiente, mas, acima de tudo, em respeito à própria vida em si e da intrínseca relação entre florestas e humanidade.