A área de árvores plantadas no Brasil totalizou 9,55 milhões de hectares em 2020, de acordo com o Relatório Anual 2021 da Indústria Brasileira de Árvores - Ibá (IBRE/FGV). A cada dia, é plantado 1 milhão de mudas, o que permite responder por 91% de toda a madeira produzida para fins industriais no País, gerando uma receita de R$ 116,6 bilhões e cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos. Além disso, estima-se que a área de plantio seja responsável por estocar quase 1,9 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq). Mas seria possível transformar esse benefício em créditos de carbono?
Para responder a essa questão, a primeira coisa a verificar é se esse plantio atende ao critério de adicionalidade – a espinha dorsal de qualquer projeto de carbono. Para gerar créditos, uma atividade deve comprovar a redução de emissões ou o aumento de remoções de gases de efeito estufa de forma adicional ao que ocorreria na ausência dos incentivos do mercado de carbono. Em outras palavras, quanto mais difíceis as condições para um projeto existir, mais adicionalidade ele vai ter.
No caso da silvicultura de espécies exóticas, que corresponde a 96% da área plantada no País, poucos casos seriam elegíveis de acordo com esse critério. A grande maioria das plantações já é rentável e já retiraria carbono da atmosfera sem apoio de mecanismos financeiros extras. Exceções devem apresentar pelo menos uma dessas características: 1.) ausência de viabilidade econômica – por exemplo, uma plantação de pínus ou eucalipto a mais de 100 quilômetros da planta industrial de celulose; 2.) enfrentamento de barreiras – por exemplo, uma plantação de mogno africano, espécie que ainda não está devidamente domesticada, não possui pacote tecnológico desenvolvido para o Brasil e apresenta retorno mais demorado.
Dentre os projetos elegíveis, outra questão é a restrição de venda desses créditos. No mercado voluntário, em que as empresas buscam compensar suas emissões por questões reputacionais, o principal atrativo é a imagem.
Compradores querem uma história bonita por trás do projeto. Não basta apenas absorver carbono, precisa ter outros impactos positivos além dos climáticos, como benefícios à biodiversidade e às comunidades locais.
Já a silvicultura de espécies nativas possui uma série de características que favorecem a sua elegibilidade perante os critérios de adicionalidade. São barreiras para essa atividade a ausência de um pacote tecnológico consolidado, o crescimento lento, o retorno financeiro demorado, a falta de uma cultura estabelecida entre os produtores rurais e também no mercado. Do ponto de vista econômico, os custos de implementação são maiores, e as linhas de financiamento específicas para o plantio de nativas são poucas ou inexistentes.
Apesar de ser um produto de alto valor agregado, em geral, as espécies nativas brasileiras têm um tempo de crescimento maior do que as espécies exóticas tradicionalmente utilizadas na silvicultura brasileira – eucalipto e pínus. Por essa característica, elas estocam carbono por um período mais longo, inclusive nos produtos de madeira sólida originados dessas árvores. De acordo com o estudo Reflorestamento com espécies nativas: estudo de casos, viabilidade econômica e benefícios ambientais, publicado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, com apoio da WRI Brasil, o modelo de silvicultura de nativas tem potencial para retirar 12,5 toneladas de dióxido de carbono equivalente da atmosfera por hectare ao ano (tCO2eq/ha/ano). Além disso, também é reduzida a quantidade de intervenções que trazem algum impacto no meio ambiente, como colheita e manutenção de estradas.
E, para o comprador, o crédito de carbono gerado também é mais interessante. Por trás de projetos de carbono oriundos da silvicultura de espécies nativas, há vários benefícios adicionais: valorização da flora nacional; valorização da propriedade rural; geração de trabalho e renda; redução da pressão em florestas primárias; preservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, especialmente se o plantio for de várias espécies nativas combinadas. Quanto mais diverso, mais bonito fica o projeto, e mais atrativo o crédito de carbono, tanto do ponto de vista do valor quanto da liquidez.
Algumas espécies nativas com melhores resultados até o momento são o jequitibá-rosa, o paricá, o louro-pardo, o araribá, o louro-freijó, o mogno, o cedro rosa, o guanandi, o jacarandá, a tatajuba e os ipês. Já entre as espécies nativas de produtos não madeireiros, estão o cacaueiro, o açaizeiro, a macaúba, a erva-mate, o cumaru, a candeia, a araucária e a palmeira juçara. Ao combinar espécies madeireiras de ciclo curto e ciclo longo, e também não madeireiras, diversificam-se e distribuem-se as fontes de renda ao longo do tempo do projeto.
A silvicultura de espécies nativas mostra-se uma boa estratégia para alavancar projetos de carbono ARR (Afforestation, Reforestation and Restoration), pois nem sempre os créditos de carbono cobrem todo o custo da restauração. E o Brasil possui compromissos internacionais a cumprir, entre eles restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, além do objetivo de implantar a agricultura de baixo carbono em outros 10 milhões de hectares, metade em sistemas agrícolas integrados e metade em recuperação de pastagens. Estudos indicam, aliás, que cerca de 100 milhões de hectares de pastagens apresentam algum estágio de degradação, comprometendo a produtividade das propriedades e a imagem do agronegócio brasileiro.
Créditos de carbono também podem ser gerados através de Sistemas Agroflorestais (SAF) baseados em espécies nativas implantados em áreas de restauração. De acordo com o estudo da Coalizão, um modelo de SAF tem potencial de remover 6,7 tCO2eq/ha/ano. Além disso, ajuda a aumentar e diversificar a renda dos agricultores. Outra possibilidade são os sistemas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta, desde que o sistema em seu estágio de maturidade seja capaz de atingir a definição nacional de floresta, ou seja, altura média mínima de 5 metros e cobertura de copa superior a 30%.
Uma economia de baixo carbono, que combina uso de produtos de baixa emissão e silvicultura para a recuperação de terras e produção de madeira, poderia tornar o Brasil um dos principais produtores de madeira do mundo. Segundo o Projeto Verena (Valorização Econômica do Reflorestamento com Espécies Nativas), o País chegaria a uma produção anual de 1 bilhão de metros cúbicos de madeira – 13% do suprimento global de madeira, contra 8% se mantivermos o cenário atual.
A silvicultura, especialmente a de nativas, assim como o manejo de florestas nativas, tem o potencial de oferecer um leque extraordinário de soluções climáticas naturais (SCN) ou soluções baseadas na natureza (SbN), capazes de auxiliar no enfrentamento das mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global. Esse é o cerne da programação do 9º Congresso Florestal Brasileiro (https://congressoflorestal-cfb.com.br/), que ocorre de 12 a 15 de julho de 2022. É uma oportunidade para discutir temas como o deste artigo com profissionais da área florestal e correlatas, pesquisadores e educadores, empresários e representantes do poder público e do terceiro setor.