Engenheiro e economista florestal
Op-CP-02
Pediram para que eu fizesse um parecer sobre a indústria brasileira de celulose no cenário mundial. Reconhecendo o sucesso da nossa indústria de celulose, com fábricas modernas e competitivas, decidi focar os aspectos abrangentes da floresta, na sua função econômica, social e ambiental. Formei-me engenheiro florestal há 35 anos, logo após o lançamento, em 1966, do programa nacional de incentivo fiscal para o reflorestamento e, por isso, posso dizer que vivenciei um ciclo florestal completo.
Com a então iminente exaustão do pinheiro do Paraná, o Brasil procurava recompor sua base florestal, para evitar a falta de madeira no país. Éramos um país florestal que, de repente, se viu sem recursos florestais para atender às necessidades da sociedade brasileira, em termos de material para a construção civil, para a indústria moveleira e para a indústria de transformação de celulose/papel e de painéis, que emergiam no sul e sudeste do país, além da então crescente demanda de carvão vegetal para a siderurgia em Minas Gerais.
Foram liberados incentivos para mais de 6 milhões de hectares de reflorestamento, que resultaram em cerca de 4 milhões de hectares de efetivos plantios, com qualidade econômica. Parte destes plantios deram um impulso florestal no país, alavancando a indústria de celulose, que hoje ultrapassa a produção de 9 milhões de toneladas por ano, parte substancial orientada à exportação.
A indústria de painéis reconstituídos veio um pouco mais tarde, mas tem crescido de forma vigorosa no país, atendendo ao setor moveleiro. Tanto a indústria de celulose, como a de painéis, por terem rentabilidade própria, estruturaram sua base florestal de forma auto-sustentável, com reflorestamentos próprios ou via fomento florestal.
Mas, se em floresta para celulose somos campeões, nos demais usos da madeira o Brasil está pior, muito pior que em 1966, quando se previa a escassez de madeira. As exceções de manejo florestal para este fim, louváveis, são poucas. A madeira serrada, no geral, vem de reflorestamentos de Pinus, que não estão sendo replantados. O Eucalyptus, salvo algumas operações pioneiras, ainda foi pouco estudado e difundido para poder ser transformado, com qualidade e volume, em tábuas e vigas para fins estruturais ou em usos na indústria moveleira.
Mas, não tenhamos a menor dúvida: Pinus e Eucalyptus serão a fonte dos produtos da chamada conversão mecânica, especialmente os serrados. Esgotados nossos recursos florestais no sul e a floresta amazônica, se não for disciplinada a forma em que está sendo conduzida, será mais e mais distanciada do sistema produtivo.
Na verdade, o setor florestal no Brasil, aparte das florestas plantadas pelas fábricas de celulose, e salvo algumas operações pioneiras, é um órfão abandonado. Na estrutura de governo, nas universidades, na proliferação de ONGs, muitas de questionável qualificação, floresta virou sinônimo e febre de proteção ambiental, esquecendo-se do bicho-homem e das funções econômicas e sociais da mesma.
A floresta tem que ser vista de forma abrangente, multifuncional, para atender às necessidades econômicas da sociedade em madeira serrada, painéis, celulose, carvão; na função de proteção de bacias hidrográficas e recursos hídricos, para manter os cursos d’água e para controlar a erosão e o assoreamento de rios e represas; para amenizar condições climáticas e ciclos de chuvas; e, por que não, para proteger a fauna e a própria flora.
Nesta vida profissional, tive o privilégio de visitar todos os continentes. Vi um Chile, sem floresta, transformar-se numa potência florestal, exportando os mais diversos produtos da madeira. O mesmo aconteceu na Nova Zelândia, Suécia e Finlândia, que lastrearam suas economias numa indústria florestal forte, na qual o governo, universidades e empresas trabalharam juntos, para dar mais valia ao recurso florestal, numa cadeia de atividades, que começa na floresta, entra no processamento industrial, requer uma indústria sofisticada de equipamentos e serviços, passa pelo transporte, numa cadeia que gera importante contribuição ao PIB local. Estive há poucos meses no sul da Alemanha, onde é impressionante a pujança florestal.
Qual o segredo? Simples: o país teve, no passado, todas as suas terras mapeadas por classe de uso, em função de solo e topografia. Primeiro são classificados os solos de aptidão agrícola e pastoril, restando todos os demais solos para uso florestal. As florestas são manejadas dentro de princípios silviculturais, onde a árvore madura é extraída, para dar lugar às novas, num ciclo permanente de produção de madeira, de proteção do solo, de proteção da fauna, de paisagismo e regulação climática.
Na Alemanha, inclusive, a fauna é um produto econômico da floresta, controlada por cotas de caça, fornecendo recreação ao caçador, carne para o mercado e receita ao proprietário. É premente a necessidade de se criar um Serviço Florestal preparado e atuante no Brasil, antes que o apagão florestal seja total. Como floresta é um dos usos do solo, por que não criar o Ministério de Agricultura, Florestas e Pecuária, ou o Ministério de Florestas e Meio Ambiente, onde se organizaria o setor florestal na sua plenitude, nas terras públicas e privadas, numa visão de longo prazo.
Há necessidade de se disciplinar o uso dos recursos florestais da Amazônia, acabando com o desmando e contrabando de licenças frias, implantando planos de manejo, onde se extrai o que está maduro, dando espaço para o crescimento de novas árvores. Se o mercado internacional busca crédito de áreas verdes para abatimento de CO2 e do efeito estufa, vamos comercializar tais serviços, a preços que justifiquem a manutenção de nossas florestas.
Vamos colocar ordem no Estado Florestal, definindo os usos econômicos, sociais e ambientais da floresta, colocando a rigidez ambiental no seu devido lugar, onde a floresta não é impedida de seus serviços à sociedade. Soube que, no Paraná, as mudas de regeneração da araucária são arrancadas pelo proprietário, porque, se crescer, o Ibama irá impedir o seu uso.
É o cúmulo da inversão de valores, onde o meio ambiente prevalece à razão florestal. É a miopia dos que deveriam ter conhecimento florestal ou a ignorância daqueles que estão no mando, sem os devidos conhecimentos florestais. Isto tudo significa pesado ônus para as gerações futuras. É um país com nome florestal, carente de um mando florestal.