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Edis Milaré

Consultor Jurídico em Direito Ambiental

Op-CP-18

Uma decisão de bom senso

Em 11 de dezembro de 2009, o Diário Oficial da União publicou o decreto federal 7.029, que institui o Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, denominado “Programa Mais Ambiente”, que pôs fim ao sobressalto que tirava o sono de quase cinco milhões de famílias de pequenos e médios agricultores, correspondentes a 95% dos proprietários rurais do país: a ameaça iminente de se tornarem infratores ambientais por “decurso de prazo”.

O decreto prorrogou, até 11 de junho de 2011, a data prevista no decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, que, de acordo com a redação do decreto 6.686, estabeleceu que os proprietários rurais que não tivessem averbada na matrícula do imóvel a Reserva Florestal Legal obrigatória ficariam sujeitos à pena de multa diária, no valor de R$ 50,00 a R$ 500,00 por hectare de Reserva Florestal Legal pendente de regularização em sua propriedade.

A Reserva Florestal Legal é um instituto tipicamente brasileiro, sem paralelo na legislação de qualquer outro país. Trata-se de imposição do Código Florestal - lei federal 4.771, de 1965, que proíbe o desmatamento para uso agrícola de uma parte do imóvel rural (80% da propriedade situada na Amazônia Legal, 35% em área de cerrado localizada na Amazônia Legal e 20% na nas demais regiões do país).

A configuração atual dessa obrigação foi delineada pela Medida Provisória 2.166/67, veiculada e “congelada” em 2001. Com essa nova conformação, a Reserva Florestal Legal encontra-se definida pelo Código Florestal, com forte preocupação ambiental, verbis: “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”.

De fato, a Reserva Florestal Legal é uma limitação que incide sobre o exercício do direito de propriedade, independentemente da vegetação existente (natural, primitiva, regenerada ou plantada) ou do fato de essa vegetação ter sido substituída por outro uso do solo. Trata-se, portanto, de uma das formas de restrição à exploração econômica, justificada pela necessidade de se garantir o atendimento de interesses ecológicos específicos, que, via de regra, não garante ao proprietário rural direito a indenização, fato este que, por si só, é objeto de fundamentada controvérsia.

Se, de um lado, é “inafastável” a conclusão de que a obrigação tem fundamento no artigo 225 da Constituição Federal e se presta à garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações, de outro, importa reconhecer que a imposição de multa, conforme o decreto 6.514/2008, poderia levar à ruína milhões de produtores rurais.

Ressalta-se o caos fundiário vigente no país, em que muitos agricultores não dispõem de titulação adequada das terras em que trabalham: ora são meros posseiros, ora proprietários de áreas com discrepância de medidas, ora herdeiros e condôminos de parcelas não inventariadas ou mesmo formalmente indivisas. A regularização de tais lotes requer a assunção de providências demoradas e custosas, muito provavelmente fora das possibilidades financeiras da maioria desses lavradores.

E, sem matrícula regularizada, a averbação é impossível. Nesse sentido, merece destaque a iniciativa do Governo Federal, que, ao instituir o “Programa Mais Ambiente”, busca promover e apoiar a regularização ambiental de imóveis, com prazo de até três anos para a adesão dos eneficiários, contados a partir da data da publicação desse decreto, conferindo o benefício da gratuidade para as situações que especifica, suspendendo a exigibilidade das multas a partir da formalização do Termo de Adesão e Compromisso ao Programa Mais Ambiente que, ao final, serão consideradas como convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

Por certo, a iniciativa não resolve todas as questões relacionadas à obrigatoriedade de averbação de Reserva Legal, quanto mais os problemas ambientais do nosso país. Contudo, além de conferir à questão status diferenciado, tratando-o como verdadeira política pública, com instrumentos e subprogramas próprios, o “Programa Mais Ambiente” indica um caminho bem delineado para aqueles produtores rurais que não tenham interesse em discutir judicialmente a exigibilidade dessa obrigação, além de suspender a exigibilidade da altíssima multa estabelecida no decreto federal 6.514/2008.

A prorrogação do prazo nos termos veiculados pelo decreto federal 7.029/2009 é, sem dúvida, uma decisão de bom senso, digna dos maiores elogios, tanto por buscar compatibilizar os interesses da preservação com os do desenvolvimento, como por restituir a tranquilidade a um vasto e importante setor da sociedade brasileira.