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Nelson Barboza Leite

Consultor Especialista em Floresta

Op-CP-39

A produção de água e de energia

Estamos passando por uma crise de dimensão incalculável. Ninguém duvida dos reflexos diretos na vida do homem, na produção de alimentos e no dia a dia das indústrias. Parte da solução, mesmo que a longo prazo, passa, obrigatoriamente, pela recuperação vegetal das bacias hidrográficas mantenedoras das grandes represas, que levam água às cidades e, para alguns casos, água e geração de energia. Calamidade de dupla gravidade: falta de água e, em alguns casos, água e energia.

E essa recuperação é imprescindível para a proteção de nascentes, para a recomposição das matas ciliares e da cobertura de grande parte das áreas, que constituem nossas bacias hidrográficas. Segundo especialistas, já não basta, simplesmente, proteger APPs, nascentes e matas ciliares. Há de se preocupar com a ocupação desordenada, que abrangeu toda a bacia. Em algumas bacias, mesmo as áreas plantadas com eucalipto, pinus ou outras espécies exóticas, também terão um grande valor.

Mas há de se estabelecer manejos apropriados para se protegerem solos e nascentes. Há pesquisas mostrando o manejo de florestas de eucalipto para longo prazo favorecendo, significativamente, a proteção de recursos naturais. Todos esses esforços devem se somar para compensar a abusiva degradação que predominou nessas regiões por décadas e décadas. E esse problema tem sido alertado por inúmeros especialistas e, inúmeras vezes, apresentado em reuniões e discussões técnicas.

Algumas iniciativas já foram tomadas por brilhantes profissionais, mas, infelizmente, nada na dimensão das necessidades e sem o menor apoio para a indispensável continuidade. Mais recentemente, um grande e respeitável paisagista e ambientalista, o engenheiro Rodolfo Geiser,  num recente relato técnico intitulado “A crise da água em São Paulo, a degradação ambiental e o Código Florestal”, apresentado em seu site – www.rodolfogeiser.com.br, chama a atenção das autoridades governamentais para os problemas de degradação de nossas bacias, especialmente na região do Sistema Cantareira, e coloca o tema como um grande desafio aos profissionais de agronomia e florestas.

Fala de uma região que compreende mais de 1.400 km2, envolvendo, basicamente, os municípios de Bragança Paulista, Piracaia, Atibaia, Joanópolis, Vargem, Nazaré Paulista, que, com suas represas, fornecem água a cerca de 35 milhões de habitantes. Em seu relato, considera insignificante tão somente a proteção e recuperação de nossas APPs, que correspondem a cerca de 3% de toda a área degradada.

E, com muita propriedade e riqueza de informações, defende a necessidade de ações que contemplem o manejo dos recursos naturais – solo, água, vegetação e fauna de toda a região. Demonstra que há necessidade de medidas urgentes para se evitar que a região, considerada uma “grande indústria de produção de água”, entre num processo irreversível de recuperação. Um relato técnico riquíssimo e que não pode deixar de passar pelo conhecimento e reflexão dos profissionais do setor e governantes responsáveis pelo assunto.

E essa demanda pela recuperação vegetal, preferencialmente com espécies nativas, nos remete a um estranho e indesejável paradoxo. A falta de informações e a pobreza das estruturas de serviços da nossa silvicultura de espécies nativas contrastam com a pujança da nossa silvicultura de espécies exóticas. O momento é oportuníssimo para diminuirmos essas diferenças. É o momento para colocarmos esse assunto na pauta dos governantes.

Um país riquíssimo em biodiversidade, com milhares de espécies arbóreas de razoável potencial de crescimento, apresenta uma silvicultura paupérrima quando se trata de suas espécies nativas. Se não fosse o esforço de algumas empresas, heroicos pesquisadores e o incansável e louvável trabalho de algumas ONGs, o assunto estaria muito pior, quase na estaca zero.

Talvez ainda não tenhamos informações técnicas para garantir o sucesso e motivar a geração de grandes plantios comerciais, mas, com certeza, temos condições suficientes para os trabalhos de recuperação de nossas degradadas bacias hidrográficas. E a história das exóticas há de se repetir. Com mais serviços de campo, os competentes profissionais que atuam na área gerarão mais informações técnicas para novos avanços tecnológicos.

Foi assim que o eucalipto e o pinus se desenvolveram. A silvicultura desenvolveu-se à medida que se aumentaram os plantios. Existiram muitas correções, mas não se parou e não se deixou de plantar por falta de exatidão científica na informação técnica. E há de se registrarem também os seguintes aspectos:

1. por ocasião de suas introduções, a produtividade do próprio eucalipto não passava de 12/15 m3/ha/ano;
2. só depois da grande demanda por madeira, para viabilizar os Programas Nacionais de Celulose e Papel e de Siderurgia a Carvão Vegetal, na década de 1960, e com os polpudos incentivos fiscais por quase 20 anos, é que tivemos os grandes saltos no desenvolvimento da silvicultura do eucalipto e do pinus. Uma grande demanda aliada à política de incentivos fiscais fez com que a silvicultura chegasse com tanto sucesso até onde chegou.

E como será com a nossa silvicultura de espécies nativas? Inegavelmente, está se evidenciando uma grande demanda, mas faltam recursos para transformarmos discurso em ação concreta. A situação de degradação de nossas bacias é assustadora, e, com certeza, ninguém vai colocar em dúvida a extrema necessidade de se recuperar essas regiões. Mas existe uma grande questão: como viabilizarmos essas ações?

Há falta de mecanismos financeiros para alavancar a atividade, e, sem recurso, fica impossível mudar esse cenário. Essa recuperação é trabalhosa. Produzir mudas, juntar mão de obra, abrir covas, adubar, combater formiga e fazer as manutenções dos plantios exige o mínimo de tecnologia e muito dinheiro. Delimitar as áreas a serem recuperadas, cercar as áreas protegidas, proibir o uso abusivo das propriedades, manejar o solo, etc., também custa, além de precisar contar com a disposição dos proprietários.

E essa disposição, na maioria dos casos, significa dinheiro. Não adianta sonhar. Não há como escapar desses custos. Se quisermos corrigir os danos causados em nossas bacias hidrográficas e se não quisermos deixar para as próximas gerações uma condição de vida sofrível, há de se enfrentar todas essas dificuldades com realismo. Um desafio que precisa ser superado. Será que as indústrias e a própria sociedade vão se negar a colaborar na solução de tão grave problema?

Será que um programa de incentivos fiscais para esse fim específico não teria o apoio da população? Será que esse desafio não poderia ser abraçado pelos governantes? Será que existe algum gesto político mais nobre do que criar condições para se ter água para se beber? Enfim... muitas dúvidas.  E uma certeza: quem resolver essa equação vai ficar na história e levar a silvicultura brasileira às alturas.