Ao escrever este artigo, resolvi voar a 15 mil metros de altura ao invés dos usuais 3 mil. Ao invés de contar um projeto de sucesso resultante da sinergia do sistema florestal, resolvi falar do sucesso brasileiro em criar uma indústria de base florestal de classe mundial, e os atuais desafios para continuar a crescer.
Antes de falar sobre o sucesso da indústria florestal, gostaria de destacar que ele não se deu somente pela cooperação, mas também pela competição. E, em ambos os casos, não devemos creditar o sucesso ao trabalho e às inovações dos últimos anos, mas sim das últimas seis décadas, pelo menos. Mais ainda, devemos creditar parte significativa do sucesso à nossa matéria-prima, a árvore. A maior parte do processo produtivo é realizada por ela.
Entramos quase no fim do processo para refinar os produtos. A indústria florestal tem, na árvore, historicamente falando, uma fábrica que elabora três classes de produtos; todos, em menor ou maior grau, com valor reconhecido pelo mercado consumidor. A primeira classe, voltando aos meus tempos de escola, refere-se aos chamados produtos naturais da floresta, como o balanço hídrico, a produção de oxigênio, a proteção da fauna, solos e rios, a produção de alimentos, entre outros.
A segunda classe se constitui dos produtos tradicionais, como a lenha, o carvão, a madeira serrada, o compensado, os painéis reconstituídos e a celulose. Em relação a essa classe e seus derivados, é importante destacar a contribuição significativa para a economia brasileira, principalmente para as exportações. Em 2019, contribuímos com US$ 10,3 bilhões (aproximadamente 21%) para o saldo de US$ 48 bilhões da balança comercial. Essa participação relevante tem sido comum nas últimas décadas.
Antes de falarmos da terceira classe de produtos, uma pausa para um retrospecto do setor florestal. O sucesso da indústria se deve a uma parceria entre o governo brasileiro e a iniciativa privada a partir da década de 1960. Naquele momento, o governo estabeleceu uma política industrial para o desenvolvimento do País, priorizando as indústrias de celulose e siderurgia; criou um programa florestal para dar suporte a essas indústrias (IBDF), disponibilizou linhas de financiamento e incentivos para o setor (BNDES & RFB) e desenvolveu as tecnologias agroflorestais necessárias (Embrapa & universidades federais). Essas “ferramentas” permitiram à iniciativa privada implementar um parque industrial de base florestal.
Em um primeiro momento, no final dos anos 1960, viabilizaram-se os segmentos industriais vinculados ao Eucalyptus (celulose, papel, painéis reconstituídos e carvão/ferro-gusa). E, a partir da década de 1980, com a maturidade dos plantios, os segmentos vinculados ao Pinus (serrados, compensados, MDF/MDP, papel e celulose). Essa parceria público-privada resultou em uma base florestal de aproximadamente 9 milhões de hectares e uma indústria moderna e competitiva em nível global. Apesar de pequena, considerando-se o potencial para o Brasil, nossa indústria está entre as cinco principais do mundo.
Com a certeza de não estar nominando todos os grandes atores dessa sinergia governo-setor privado, gostaria de destacar o empreendedorismo de empresas como Aracruz, Fibria, Suzano, Klabin, Duratex, Ripasa, Berneck, Masisa, Arauco e Cenibra. Destacam-se também o conhecimento de milhares de profissionais afins à atividade florestal.
Com a aceleração da globalização e os avanços das tecnologias de informação e comunicação a partir da década de 1990, nossa indústria se viu diante de um novo momento, onde oportunidades e desafios se misturam e onde a volatilidade, a incerteza e a complexidade são “a constante”.
A partir do início dos anos 2000, o mercado florestal se consolidou como global. A competição e o desenvolvimento de novos serviços e produtos têm crescido a passos largos. E esse processo deve se acelerar nas próximas décadas em função das mudanças climáticas e sociais em curso.
Para sobreviver, a nossa indústria terá que continuar a crescer, atualizar-se e inovar. Vamos ter que estar prontos para oferecer a terceira classe de produtos e serviços demandados pelo novo mercado – uma simbiose entre os produtos naturais e tradicionais acrescidos de uma miríada de novos bioprodutos. O mercado, seja nacional ou internacional, vai demandar cada vez mais produtos e serviços renováveis, biodegradáveis, saudáveis, ambientalmente amigáveis e com balanço energético positivo.
Antes uma intenção, um mercado de fronteira, agora o mercado dos produtos “Classe III” é emergente e caminha a passos largos para ser dominante. Modelos de negócios ESG estão deixando de ser teoria para serem uma realidade, uma necessidade para competir e sobreviver.
A pergunta-chave é: estamos prontos para esse mercado? Diria que, nessa corrida, o segmento de papel e celulose está na frente, mas ainda distantes do ponto de chegada, se é que há algum. Os demais estão ainda no início da maratona, alguns ainda na fase de aquecimento. E temos novos atletas na pista, as biorrefinarias, em parte já patrocinados pelas empresas de celulose.
Como esse novo mercado é intensivo em capital e tecnologia, poucos players estão preparados para avançar. Olhando de 15 mil metros de altitude, o desafio não é individual, é setorial. Para participarmos e termos uma posição de liderança nesse mercado 5.0, vamos ter de estabelecer um novo processo de cooperação, como o das décadas de 1960 e 1970, o mais breve possível.
Será necessário envolver as diversas esferas governamentais, todos os segmentos industriais, a comunidade científica e os profissionais do setor. Somente assim poderemos superar as limitações tecnológicas e de investimento do Brasil e fazer frente à Europa, Estados Unidos e China, que estão muitos passos à frente. Como exceção, vale ressaltar novamente, a nossa indústria de celulose, que está a par e passo, em termos de tecnologia e capital, com seus competidores globais.
O problema é que criar cooperação/sinergia não é fácil. Não há uma receita pronta para iniciar a catálise. Temos a teoria, mas estamos muito distantes da prática. Capital e tecnologia não são gargalos significativos. O principal desafio é conjugar as lideranças políticas e empresariais. Aí a porca torce o rabo, considerando o contexto brasileiro, a competição intrínseca e natural entre empresas e o grande hiato tecnológico e de gestão entre os segmentos industriais.
As inovações tecnológicas necessárias para elaborar os novos produtos para atender ao mercado ESG não irão surgir de um momento para o outro, através da “geração espontânea”. O caminho será longo e demandará a integração do trabalho de centenas de atores para superar os obstáculos, quebrar a inércia. Não será suficiente, como hoje, contarmos com uma base florestal mais competitiva que a dos demais países. Vamos precisar aprimorar e renovar toda a cadeia produtiva, da silvicultura às práticas de mercado, passando pelos processos industriais e de gestão.
A “fábrica árvore” está aí, com seus multiprodutos e serviços quase prontos para ir ao mercado. Vamos participar dessa corrida? A que lugar vamos chegar? Mesmo a 15 mil metros, é difícil responder a essas perguntas. Com certeza, devemos participar. Como será nosso desempenho? Com base no que tenho observado, ficará a desejar, a não ser que aprendamos as lições do passado, nossas e as dos competidores.