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Francides Gomes da Silva Júnior

Professor de Tecnologia Florestal da Esalq-USP

OpCP65

Densidade básica da madeira: um tema sempre atual

Entre os parâmetros para avaliação da qualidade da madeira, em específico para o segmento de produção de polpa celulósica, a densidade básica da madeira tem um destaque especial. Estudos e pesquisas, desde os anos de 1970, vêm mostrando a importância da densidade básica da madeira, tanto para a produção florestal como para sua utilização industrial na produção de celulose e papel; tais estudos envolvem aspectos de melhoramento genético florestal, herdabilidade, manejo florestal e impactos nos processos de polpação, em especial no rendimento na produção de celulose e consumo específico de madeira.


No entanto a transformação de um parâmetro de qualidade da madeira em critério de tomada de decisão é um processo complexo e que requer um conhecimento minucioso de suas restrições e limites frente a demais variáveis; nesse contexto, pode-se dizer que a densidade é básica, mas não é simples.


A complexidade da densidade básica envolve aspectos aparentemente simples, como a sua determinação, mas passa por aspectos como intensidade de amostragem florestal, pontos de amostragem na árvore, forma das amostras (discos, cunhas, cavacos), correlações com outras características da madeira, processos fisiológicos, práticas de manejo florestal, impactos no processamento industrial, desde a picagem até os processos de polpação, entre outros.


Entre as vantagens apontadas para a ampla utilização da densidade básica como parâmetro de qualidade da madeira, está a sua facilidade de determinação; facilidade não pode ser confundida com simplicidade. Sem entrar nos detalhes conceituais envolvidos na determinação da densidade básica, o ponto crucial para sua precisa determinação está no atingimento do ponto de saturação das fibras, que, por sua vez, em algumas situações, demanda tempo. Um exercício matemático, tendo como base o Método do Máximo Teor de Umidade para determinação da densidade básica de cavacos de eucalipto, mostra o impacto do teor de umidade sobre a precisão da determinação da densidade básica, conforme mostra a figura em destaque.


A densidade básica da madeira é um dos elos entre as áreas de produção florestal e industrial. Os parâmetros de controle relacionados à produção florestal têm base volumétrica. No entanto o processamento industrial da madeira para a produção de polpa celulósica tem base gravimétrica; a conversão dessas bases, volumétrica para gravimétrica, é feita através do uso da densidade básica, e é nesse contexto que a precisão da determinação da densidade básica é de fundamental importância.


Além da questão técnica, estão os econômico-financeiros relacionados, pois tanto as atividades florestais como industriais são fortemente impactadas pela densidade básica da madeira. Boa parte dos contratos de fornecimento de madeira para a produção de polpa celulósica, inclusive relacionados à exportação de cavacos, tem a densidade básica da madeira como um dos parâmetros de ponderação do preço de comercialização da madeira.


Focando no uso da densidade básica como parâmetro de controle de processos e na  busca da simplificação dos sistemas de decisão florestal e industrial com base na densidade básica, surge o conceito de densidade básica ideal; a literatura técnica do segmento de celulose e papel no Brasil apresenta, ao longo do tempo, a evolução da densidade básica “ideal” da madeira de eucalipto, por exemplo, que já foi 0,421g/cm3, 0,471g/cm3, 0,510g/cm3 – números interessantes e curiosos, provavelmente frutos de análises estatísticas.




Mas, antes de discutir níveis de densidade básica dita “ideal”, cabem os questionamentos: O que é ideal? Ideal para que tipo de produto? Ideal para que tipo de processo? Quanto tempo leva para produzir uma árvore com madeira de densidade básica ideal? E muitos outros. A busca por definir níveis supostamente ideais para densidade básica de madeiras destinadas à produção de polpa celulósica levou, por exemplo, à exclusão das madeiras do gênero Corymbia do rol de possibilidades de matérias-primas destinadas à produção de polpa celulósica.


A densidade básica expressa diversos aspectos envolvidos na formação da madeira que envolvem desde fatores genéticos até as técnicas de manejo utilizadas na condução de florestas e se correlacionam com propriedades físicas, químicas e anatômicas dessas madeiras.


Essa complexidade intrínseca relacionada à densidade da madeira se contrapõe à busca pela simplificação de seu uso como parâmetro de controle de processos e, em várias situações, pode induzir a erros estratégicos. A título de exemplo, nos anos de 1980, vários estudos mostravam a relação inversa entre densidade básica e rendimento em celulose para madeira de eucalipto, ou seja, madeiras de menor densidade básica apresentam maiores rendimentos no processo de polpação.


Essa interpretação isolada levou à seleção de materiais genéticos de eucalipto com madeira de baixa densidade básica (em níveis extremos chegou-se a 0,380g/cm3); no entanto, em termos industriais, essa estratégia revelou-se equivocada, pois havia um forte impacto negativo na produtividade industrial, com elevado consumo específico de madeira. É nesse contexto, de acertos e de “erros”, que está a raiz da evolução do conhecimento técnico-científico.


É nesse mesmo período (anos 1980/1990) que os conceitos de consumo específico de madeira, incremento médio anual em celulose (IMAcel), passam a ser considerados e passam a ponderar a importância da densidade básica frente a outros importantes parâmetros como produtividade florestal e rendimento do processo de produção de celulose.


Em paralelo ao desenvolvimento técnico-científico apresentado pelo segmento florestal, especialmente no que se refere a florestas plantadas, observam-se significativas evoluções nos processos de polpação, com a introdução dos processos de cozimentos modificados, que são, hoje, amplamente utilizados pelas modernas indústrias de produção de polpa celulósica. De maneira simplificada, pode-se afirmar que os processos modificados de polpação estão baseados em maiores tempos e menores temperaturas de polpação e ainda distribuição da carga alcalina.


A combinação desses fatores tem permitido a utilização de madeiras com maiores densidades básicas e a obtenção de maiores rendimentos; esses dois fatores juntos contribuem, por sua vez, para a redução dos valores médios de consumo específico de madeira e, consequentemente, para a redução dos custos de produção de polpa celulósica.


Para os observadores mais atentos, os processos modificados de polpação têm se mostrado menos sensíveis à densidade básica da madeira, o que contribui para, felizmente, a desconstrução do conceito de densidade básica “ideal” da madeira para produção de polpa celulósica.


As árvores registram em suas madeiras toda a história do seu desenvolvimento, deixando marcados, inclusive, eventos importantes, como efeitos climáticos e intervenções silviculturais; é disso que tratam, por exemplo, as áreas de dendrocronologia e dendroclimatologia.


A história das árvores é, muitas vezes, transcrita através da densidade básica da madeira, e sua interpretação é intrinsecamente complexa; por esse e outros fatores é que se pode afirmar que a densidade é básica, mas não é simples.