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Francine Ceccon Claro

Doutoranda da Universidade Federal do Paraná em exercício na Embrapa Florestas

Op-CP-53

Nanocelulose
Coautora: Caroline Jordão, Mestranda da Universidade 
Federal do Paraná em exercício na Embrapa Florestas 
 
O progresso da tecnologia de materiais despertou o interesse da indústria de celulose – setor onde a produção é destinada histórica e maciçamente para a obtenção de papel e geração de energia – a buscar novos produtos tecnológicos e de maior valor agregado. O Brasil é um dos maiores produtores de florestas plantadas do planeta e apresenta um elevado potencial na busca de produtos que possam agregar um maior valor à celulose.

Nessa busca por inovação, tem crescido o interesse pela nanotecnologia nas últimas décadas. O principal diferencial na escala nanométrica é a potencialização das propriedades físicas e/ou químicas, resultante de uma área superficial elevada e maior grau de dispersão, possibilitando maior eficiência e desempenho de materiais já conhecidos ou a obtenção de novos produtos. A combinação de nanotecnologia e recurso renovável, além da versatilidade, tem dado destaque à nanocelulose como um dos maiores avanços tecnológicos. 
 
O material que vem conquistando espaço possui ao menos uma dimensão na escala nanométrica e pode ser utilizado como nanocristais ou nanofibrilas, apresentando uma combinação única de propriedades, como elevada área superficial, baixa densidade, transparência óptica, biodegradabilidade, baixa toxicidade, elevada resistência mecânica e biocompatibilidade. As propriedades da estrutura da nanocelulose dependem principalmente da origem da celulose e do processo de extração, que podem ser tanto de plantios florestais, quanto de resíduos sólidos de agroindústrias.  
 
As maiores barreiras da aplicação desse material são as do ponto de vista econômico, no processo de obtenção, em que são necessários processos mecânicos ou químicos que abram a estrutura da fibra expondo as microfibrilas. Os principais métodos utilizados são hidrólise ácida, eletrofiação ou desfibrilação feita, principalmente, por tratamentos mecânicos utilizando homogeneização, moagem, refinação ou cryocrushing.

Por se tratar de um processo recente, ainda há a necessidade de consolidar meios de produção mais baratos e eficientes, no entanto a produção de nanocelulose por desfibrilação mecânica ainda é a mais sustentável e com maior facilidade de aumento de escala; países como Finlândia, Suécia, EUA e Canadá têm investido nessa tendência. 
 
O Brasil já possui pelo menos duas empresas do setor florestal com unidades piloto para produção de celulose nanofibrilada. O setor de polpação de celulose procura tanto por aplicações em larga escala desse novo material, a nanocelulose, como por nichos de mercado com menor volume e alto valor agregado. Entre os setores com potencial aplicação em grande escala estão os de agricultura (principalmente como aditivos em agroquímicos), cosméticos, alimentos, construção civil (em concreto e painéis reconstituídos) e até tintas e vernizes.
 
Uma das áreas de maior crescimento da aplicação da nanocelulose é o setor médico, onde a celulose já é utilizada em tratamentos renais, substituto temporário de pele e reconstrução de tecidos. A utilização de biomateriais nas aplicações biomédicas e biotecnológicas é de grande importância ambiental, social e industrial. Os polímeros naturais são amplamente utilizados como materiais para curativos devido às suas imensas propriedades biocompatíveis e biodegradáveis.
 
Impulsionado pelo envelhecimento da população e o aumento de doenças como diabetes, que causam úlceras, o mercado de curativos encontra-se em pleno crescimento. A busca por novos produtos mais eficientes e de menor custo estimulam pesquisas nos setores de biotecnologia e engenharia de tecidos.

O princípio básico de um curativo é não agredir a pele, proporcionando um ambiente adequado para recompor o tecido: estéril, úmido e protegido do meio externo, além de se basear no custo-efetividade, avaliando tratamento, tempo e eficiência alcançada. Lesões cutâneas crônicas e queimaduras são algumas das principais causas de morbidade, sendo que uma grande parcela das despesas hospitalares está relacionada ao tratamento e à prevenção de feridas decorrentes de diversos quadros clínicos. 
 
Membranas de celulose bacteriana são tradicionalmente utilizadas como pele artificial na cicatrização de feridas desde a década de 1980. Por se tratar de uma síntese bacteriana, a fabricação dessas membranas é um processo de baixo rendimento e alto custo, o que vem trazendo o interesse pela aplicação da nanocelulose das fibras da polpa de madeira, uma vez que a produção é mais facilmente escalável.

Em diferentes formas, estão sendo pesquisados biomateriais à base de nanocelulose de madeira: alguns exemplos são bioimpressão 3D, hidrogéis, aerogel, membranas de acetato de celulose por eletrofiação e filmes. Vários estudos recentes avaliaram a citotoxicidade de diversos produtos de nanocelulose, confirmando que eles não são citotóxicos contra várias linhas celulares.
 
Pesquisas desenvolvidas na Embrapa Florestas testaram filmes de nanocelulose vegetal obtidas por desfibrilação mecânica, a partir da polpa celulósica branqueada, como curativo em feridas corpóreas, comparando sua performance a curativos comerciais de celulose bacteriana. Os testes revelaram que o material tem potencial para uso como curativo, apresentando resultados de cicatrização semelhantes aos similares disponíveis comercialmente, sem sinais de rejeição, apesar de apresentarem em torno de 15% de hemicelulose e traços de lignina na composição, diferentemente da celulose bacteriana.
 
A simplicidade do processo de obtenção de nanocelulose por desfibrilação mecânica, aliada à rapidez na produção da membrana, leva a um custo quase mil vezes menor comparado aos produtos disponíveis no mercado, provenientes de celulose bacteriana, indicando um alto potencial de competividade do produto desenvolvido e uma grande oportunidade de redução de custos para aplicação no Sistema Único de Saúde, por exemplo. 
 
O Ministério da Saúde estima que cerca de um milhão de brasileiros sofrem queimaduras a cada ano, 14,3 milhões de pessoas possuem diabetes, sendo que, de 15% a 25% apresentam riscos de desenvolverem úlceras nos membros inferiores, o que levou o setor de curativos a obter uma receita de US$ 121,1 milhões em 2010 no País.

O desenvolvimento de uma nova tecnologia utilizando celulose, de maior valor agregado, aplicada ao setor médico, altera a produção e a competitividade das indústrias do segmento de papel e celulose.  A ideia principal não é substituir os produtos do mercado de celulose consolidados, e sim aumentar a rentabilidade do setor, desenvolvendo novos produtos tecnológicos.