Me chame no WhatsApp Agora!

José Leonardo de Moraes Gonçalves

Professor de Ciências Florestais da Esalq-USP

Op-CP-50

Contribuições do cultivo mínimo do solo
Passados mais de 25 anos de implantação do Cultivo Mínimo do Solo (CMS), depreende-se que as contribuições dessa prática para a evolução da silvicultura brasileira foram enormes. Entre alguns de seus benefícios, destacam-se:
1) o estancamento dos intensos processos de erosão, que ocorriam quando as plantações eram estabelecidas com práticas intensivas de preparo de solo;
2) a diminuição da perda de nutrientes do ecossistema, o que gerou diminuição dos custos com fertilização;
3)
o controle mais eficiente de plantas daninhas. Houve grande avanço também no manejo da bacia hidrográfica. Por exemplo, com a menor compactação e a maior capacidade de infiltração de água no solo, o escoamento superficial é menor, promovendo a recarga hídrica de camadas subsuperficiais do solo e a regularização dos cursos d’água.
 
Com a adoção do CMS, a construção de terraços tornou-se desnecessária. Também possibilitou a realização do plantio, dos tratos culturais e da colheita no sentido do declive, acompanhando o maior comprimento da gleba. Isso propiciou o aumento dos rendimentos operacionais, sobretudo nas regiões de relevo mais acidentado. Os riscos de erosão hídrica são baixos, porque as culturas florestais têm ciclo longo, e a quantidade de resíduos (tocos, raízes, serapilheira e restos da colheita) no terreno é grande. Dessa forma, mesmo no período de colheita, a superfície do solo fica bem protegida e rapidamente é coberta pelo novo plantio.
 
Antes do uso do CMS, era mais frequente a necessidade de manutenção das estradas florestais, com o objetivo de retirar sedimentos oriundos de áreas de produção. Relatos de empresas florestais atestam que, na primeira metade da década de 1990, a adoção do Cultivo Mínimo em áreas planas representou uma redução de 45% nos custos de reforma florestal e um aumento de 85% na eficiência da mão de obra. Em áreas acidentadas, a redução de custo operacional foi de 25%, e o aumento da eficiência da mão de obra, de 60%. 
 
O CMS em plantações de eucalipto está possibilitando a recuperação de solos e de microbacias hidrográficas em regiões com relevo acidentado. Por exemplo, em algumas regiões acidentadas de MG, no vale do rio Doce, e de SP, no vale do rio Paraíba do Sul, onde há extensas áreas com pastagens degradadas.

Nessas regiões, o processo de ocupação foi semelhante: desmatamento da floresta nativa, uso indiscriminado da queima de biomassa vegetal e superpastejo, o que, aliado ao relevo movimentado e à ocorrência de chuvas erosivas concentradas, resultou em um quadro grave de degradação do solo por erosão, assoreamento de nascentes e cursos d’água. 
 
Verifica-se, em grandes áreas, a perda parcial ou total do horizonte A do solo. Vários estudos conduzidos pela Universidade Federal de Lavras e pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz comprovaram que as perdas de solo e de água por erosão hídrica em povoamentos de eucalipto são baixas, equivalentes às perdas em floresta nativa, e muito menores do que em pastagem.

Essa eficiência está ligada ao fechamento e ao entrelaçamento das copas das árvores e à formação da camada de serapilheira, que interceptam as gotas de chuva, evitando o impacto e o desprendimento e  o transporte das partículas de solo, além de aumentar a infiltração de água no solo. Em médio ou longo prazo, a conversão de pastagem degradada para povoamento de eucalipto aumenta o teor de C total no horizonte A do solo.

Essa mudança ocorre devido à redução ou à eliminação do processo erosivo e ao aumento da produtividade primária líquida do ecossistema. Isso tem importantes implicações no regime hídrico da bacia hidrográfica, contribuindo para a estabilização do fluxo dos cursos d’água. Com maior aporte de carbono na camada superficial do solo, em poucas rotações de cultivo, o horizonte A é recomposto. 
 
Práticas preocupantes:
• O baldeio de madeira com skidder é uma prática que causa vários efeitos negativos no solo e no ecossistema. Esse equipamento promove uma varredura do solo, arrastando grande parte dos resíduos para a borda do talhão. Mais de 50% da área de solo fica descoberta, expondo-o ao processo erosivo, aumentando a quantidade de água perdida por evaporação e por escoamento superficial. O arraste de troncos sobre a brotação do eucalipto a danifica, reduzindo a sobrevivência das cepas.

Assim, comumente, a condução da segunda rotação de cultivo por talhadia fica inviável. Por todos esses efeitos, nas áreas em que o baldeio da madeira é feito por skidder, o sistema de cultivo do solo deixa de ser o mínimo, não podendo ser caracterizado como um sistema conservacionista. Deve-se envidar esforços no sentido de viabilizar um método alternativo ao skidder. Este será um fator essencial para a disseminação no País do sistema de talhadia. Certamente, se forem levados em consideração todos os fatores benéficos da manutenção dos resíduos florestais sobre o solo e da preservação das boas condições físicas das cepas, a possibilidade técnica e econômica de se conseguir esse objetivo é grande.
 
• Outra prática preocupante é a remoção parcial ou integral de resíduos florestais. Nos últimos anos, têm surgido pressões quanto à utilização dos resíduos florestais, similar ao que tem ocorrido no setor agrícola. Com as restrições para a compra de terras e as elevações dos preços dos combustíveis fósseis, esses resíduos têm sido vistos como potenciais fontes alternativas de energia para o setor industrial.

Com a remoção de resíduos, o solo deixa de receber aportes consideráveis de matéria orgânica, substrato dos macro e microrganismos e ingrediente essencial da estrutura do solo. Isso causa uma diminuição da atividade biológica, aumentando os riscos de infecção das plantas por microrganismos patogênicos, como, por exemplo, o fungo Ceratocystis fimbriata e a bactéria Ralstonia solanacearum. Ocorre também alta diminuição da fertilidade do solo, principalmente a dos nutrientes que ficam na forma orgânica no solo (p.ex., N, P, S e B). Esses efeitos vão na contramão da diretriz atual de se aumentar a fertilidade biológica, gerando o Solo Vivo.
 
A alta exportação de nutrientes ocasionada pela remoção de resíduos florestais também tem fortes implicações silviculturais. Quanto maior a remoção de resíduos, maior o potencial de perda de produtividade, a qual pode chegar a 40% quando todos os resíduos são removidos, sem suplementação compensatória de nutrientes.
 
Em povoamentos de eucalipto, com incremento médio anual entre 45 e 50 m3 ha-1 ano-1, observamos, em nossos estudos, nos tratamentos experimentais em que foram mantidos todos os resíduos, que foram exportadas 125 t/ha-1 de biomassa e 500 kg/ha-1 de macronutrientes. No tratamento em que todos os resíduos foram removidos, exportaram-se 165 t/ha-1 de biomassa e 1.350 kg/ha-1 de macronutrientes. 
 
Nesse caso, o balanço nutricional do povoamento, indispensável à sustentabilidade da produção madeireira, foi seriamente comprometido. Para repor todos os macronutrientes exportados pela colheita (apenas lenho), é necessário um investimento de aproximadamente R$ 2.500,00 por hectare em fertilizantes. Caso a madeira e todos os resíduos florestais fossem extraídos, esse custo seria de aproximadamente R$ 6.000,00 por hectare, o que certamente inviabiliza essa pratica.  
 
Como diretrizes de boas práticas em prol do cultivo mínimo, se recomenda:
1) manter, no mínimo, 70% da superfície do solo coberta com resíduos;
2) se for necessário, remover apenas os resíduos lenhosos (cascas, galhos e ponteiros das árvores);
3) as quantidades de nutrientes removidas com os resíduos devem ser repostas via fertilização;
4) no período de chuvas mais intensas e em áreas suscetíveis à erosão, como áreas declivosas e com solos mais erodíveis, todos os resíduos florestais devem ser mantidos sobre o solo.
 
Enfim, com o Cultivo Mínimo do Solo, o setor florestal tem mantido ou recuperado a boa qualidade do solo, principalmente suas características estruturais e funcionais. Nessa condição, o solo consegue sustentar a produção biológica, prover maior quantidade de água limpa para os mananciais e funcionar como um tampão ambiental, por exemplo, atenuando e degradando compostos nocivos ao meio ambiente. Por isso esse sistema de manejo do solo tornou-se uma prática essencial para o planejamento e a gestão de uso dos recursos edáficos, hídricos e biológicos. 
 
Atualmente, o Brasil é reconhecido mundialmente como um promotor exemplar de boas práticas silviculturais e ecológicas, tanto na escala da bacia hidrográfica como do talhão. Isso tem facilitado a certificação das plantações e possibilitado a abertura de mercados comerciais. O Cultivo Mínimo do Solo é uma das credenciais mais importantes desse reconhecimento.