Pesquisadora industrial do Instituto Senai de Inovação em Biomassa - ISI Biomassa
Muito se pesquisa e pouco se aplica industrialmente. A busca mundial pela redução dos efeitos da utilização de recursos fósseis e pela sustentabilidade motiva-nos fortemente a viabilizar a pesquisa acadêmica no setor industrial. Nesse artigo, irei comentar sobre a transformação eficiente da biomassa visando à tão sonhada sustentabilidade no Brasil.
Nosso País apresenta múltiplas condições para tornar-se a maior potência na substituição de fontes fósseis por matérias-primas renováveis, apresentando diversas vantagens que se destacam, como irradiação solar, clima, áreas disponíveis para agricultura, agroindústria consolidada e produtiva e uma abundante biodiversidade. Devido a essas características naturais, o Brasil é hoje um dos países com maior participação de fontes renováveis na sua matriz energética.
Em 2030, essa participação deverá alcançar os 45%, sendo que 18% deverão ser dedicados à bioenergia (consumo de biocombustíveis) e, assim, o País cumprirá as metas estabelecidas no acordo da COP21 em Paris, 2015. A pressão para reduzir os Gases de Efeito Estufa (GEE) tende a ser cada vez maior e, como consequência disso, a madeira e outras biomassas, por serem recursos renováveis, deverão mostrar-se cada vez mais atraentes.
Desse modo, os conceitos de sustentabilidade e biorrefinaria vão ganhando força no cenário atual dos setores de papel, celulose e biocombustíveis, que atravessam atualmente uma fase sem precedentes no investimento de recursos destinados à P&D. Sabe-se que a biomassa lignocelulósica é estruturada basicamente por três polímeros; celulose, hemicelulose e lignina; outros compostos em pequenas quantidades como grupos acetil e minerais estão também presentes, formando uma arquitetura complexa.
Na indústria de celulose, esse polímero é eficientemente aproveitado para a fabricação de diferentes tipos de papel. No entanto, a hemicelulose e a lignina são queimadas para geração de energia da própria unidade de produção. O potencial desses polímeros pode ser melhor explorado direcionando-os para algo mais rentável, já que a hemicelulose e a lignina possuem açúcares e compostos fenólicos, respectivamente; que podem ser precursores de uma plataforma de produtos de valor agregado cuja origem é na petroquímica.
Diante desse cenário, uma oportunidade surge para um novo segmento de mercado na indústria de celulose. A lignina possui um alto poder calorífico, cerca de 98% desse polímero contido na biomassa é queimado, apenas 2% é recuperado e processado para a síntese de químicos. Apesar do grande potencial da lignina como fonte de compostos aromáticos, ainda existe uma barreira tecnológica a ser superada para quebrar eficientemente a estrutura química desse complexo polimérico em produtos químicos básicos (benzeno, tolueno, xileno, fenóis, vanilina, etc).
Países como Noruega (Borregaard Lignotech) e Canadá (Tembec) fazem parte da reduzida porcentagem que contribui para o desenvolvimento de produtos químicos à base de lignina renovável e para a sua aplicação em diversos segmentos. Já no Brasil, a Suzano recentemente inaugurou uma planta piloto de extração de lignina na sua unidade de Limeira, sendo a primeira da América do Sul e liderando essa iniciativa no País.
O setor florestal brasileiro possui a segunda maior cobertura com cerca de 7,8 milhões de hectares de eucalipto, pinus e outras espécies plantadas, posicionando o Brasil como o maior produtor e o maior exportador de celulose de fibra curta do mundo. Como consequência, a expectativa para este ano é que o País salte do 4º para 2º lugar em produção mundial de celulose, ultrapassando o Canadá e a China, segundo dados estimados pelo Ibá – Indústria Brasileira de Árvores, e que confirmam o grande potencial de expansão do setor.
Em Três Lagoas (MS) encontra-se a maior planta de celulose do mundo, a Fibria, que, da mesma maneira que a Suzano, vem colocando esforços na exploração da lignina. Nesse município encontra-se também a Eldorado que recentemente foi comprada pela Paper Excellence, pertencente ao grupo Asian Pulp, o que sinaliza a entrada dos chineses no mercado brasileiro.
Além disso, a biotecnologia vem contribuindo e evoluindo para o desenvolvimento do setor, agregando valor a diversos segmentos, como exemplo na produção de nanocelulose e adesivos sintéticos a partir de lignina. É ainda importante mencionar que alguns estudos para 2030 mostram que o EtOH de segunda geração mais barato pode ser potencialmente produzido a partir de eucalipto. Considerando esse conjunto de boas perspectivas, somos levados a acreditar que a indústria de papel e celulose tenha maior potencial para tirar o conceito de biorrefinaria do papel.
Por outro lado, o setor sucroenergético enfrenta os mesmos desafios tecnológicos em relação ao aproveitamento da lignina e açúcares provenientes da hemicelulose. Apesar de existirem atualmente diversas plantas pilotos e plantas de demonstração para conversão de açúcares C5 e C6 em etanol (EtOH 2G), muitas pesquisas na área de desestruturação da biomassa, engenharia genética de leveduras e enzimas estão sendo priorizadas para preencher alguns gaps tecnológicos.
Em paralelo, existe um grupo reduzido de pesquisas voltadas à recuperação da xilose e arabinose da hemicelulose para síntese de novos bioprodutos, como xilitol, arabitol, furfural e outros furanos, porém sem previsão a curto prazo para viabilização econômica em escala industrial.
A tecnologia de EtOH 2G também utiliza a lignina para a cogeração de energia da mesma maneira que o bagaço de cana-de-açúcar da tecnologia de EtOH 1G, o que viabilizou a transformação do setor sucroalcooleiro em sucroenergético. O conceito de cogeração de energia com lignina vem sendo aplicado de maneira industrial na primeira planta de EtOH 2G do hemisfério Sul, a BioFlex 1, em Alagoas. O Brasil, sendo o primeiro produtor de açúcar e o segundo maior produtor de etanol no mundo, possui biomassa abundante e de baixo custo para tornar-se pioneiro no desenvolvimento de bioquímicos a partir dela.
Grandes multinacionais como Coca-Cola e Pepsi-Cola têm investido na fabricação de materiais de origem renovável, como é o caso das garrafas PET (Polietilenotereftalato), produzidas até 100% a partir de açúcares C5 e/ou C6. Espera-se que na próxima década, as indústrias brasileiras consigam viabilizar a utilização de rotas inovadoras para geração de novos bioprodutos.
Apesar do gargalo que sabemos que hoje existe no processo de separação eficiente de celulose, hemicelulose e lignina, acredito que a ciência brasileira está caminhando para alcançar o know how suficiente no desenvolvimento e otimização de tecnologias que permitam a separação desses compostos e a sua utilização na produção de bioquímicos renováveis.
Nesse âmbito é importante destacarmos o avanço do Brasil em pesquisa nas últimas décadas, de acordo com dados do Thomson Reuters, passou a ser o 13º no ranking mundial, com aproximadamente 40 mil trabalhos publicados em revistas indexadas. Saltando, assim, mais de 10 posições em duas décadas.
Entretanto, no quesito inovação o Brasil ainda ocupa a posição 70º de acordo com dados da Cornell University (2015), o que significa que a maior parte da pesquisa básica publicada não está sendo efetivamente aplicada na indústria, o que reflete no baixo número de patentes depositadas.
A grande distância que parece existir entre o mundo da academia e a indústria ainda faz parte da nossa cultura, o que está começando a ser mitigado com algumas iniciativas do governo como a criação de institutos de pesquisa e inovação (ISI Biomassa) voltados à efetiva aplicação da ciência brasileira.