Ter clara a razão de plantar florestas é condição necessária, mas não suficiente, para aumentar a nossa base florestal produtiva. Considerando o perfil de nossos leitores, não precisamos “gastar muita tinta”, mesmo digital, para fundamentar a necessidade de aumentar a nossa área florestal. Acredito que os dois parágrafos a seguir sintetizam as razões estratégicas e de contexto.
Estrategicamente, precisamos plantar novas florestas porque a demanda por produtos agrosilvipastoris aumenta pari passu com o crescimento populacional e, principalmente, devido à inquestionável importância da silvicultura para a economia do País e para o meio ambiente.
Seria chover no molhado verbalizar os prós da silvicultura, como a competitividade global de nossas indústrias, as contribuições para a balança comercial, o potencial de expansão de nossas exportações, a significativa geração de empregos, a captura de carbono, o desmatamento evitado, os serviços ambientais, as sinergias com a agricultura e pecuária, entre outros “prós”. No que se refere ao contexto setorial, as principais razões para aumentarmos a base florestal são a demanda reprimida, os recentes projetos industriais com déficits estruturais de suprimento e a queda de produtividade florestal verificada ao longo da última década.
Por que, então, nossa base florestal não tem crescido de acordo com o potencial estratégico e o contexto de mercado? Parar responder adequadamente a essa questão, seria necessário um time de experts, muita tinta e muito tempo. Contudo, gostaria de destacar a seguir alguns pontos que considero relevantes.
A silvicultura difere da maioria dos demais segmentos produtivos por ser altamente intensiva em tempo, terra e capital. Em função disso, demanda visão e ação estratégica para operar adequadamente. Infelizmente, isso não ocorre há muito tempo.
A crise de suprimento que vivemos hoje nos principais clusters industriais decorre principalmente do modelo de mercado, do desalinhamento entre o crescimento da produção industrial e da oferta de madeira e, em menor grau, das adversidades climáticas verificadas ao longo da última década. A previsão é que o déficit de madeira se torne mais crítico no curto prazo e somente seja corrigido no médio prazo.
Os segmentos industriais de maior valor agregado, principalmente o de celulose e painéis reconstituídos, estão equacionando, a duras penas, seus desafios de suprimento devido à expressiva base florestal que possuem e à enorme capacidade de investimentos e compra de madeira que detêm.
Já as indústrias de produtos sólidos de madeira estão mais vulneráveis por dependerem significativamente do mercado spot de madeira. Em consequência, empresas desses segmentos, muito provavelmente, terão dificuldades para manter a produção e a rentabilidade de seus negócios em níveis minimamente adequados – os preços da madeira aumentaram entre 50% e 120% ao longo de 2021, os preços de terras entre 20% e 30%, e os custos florestais entre 30% e 70% (arrendamento, silvicultura, colheita e transporte). E tanto os preços como os custos ainda estão em movimento ascendente.
Se os diagnósticos e prognósticos acima estiverem corretos, o plantio intensivo de florestas é mandatório para a sobrevivência do atual parque industrial. Se considerarmos as oportunidades de crescimento e de inovação industrial, o grau de urgência é ainda maior.
Emergem, aqui, as questões de quem deveria plantar e de quanto? Começando pela última, uma análise preliminar do balanço de madeira nos principais clusters do Brasil aponta para um déficit estrutural da ondem de 500 K a 700 K de hectares.
Já a questão de quem deveria plantar é mais complexa. Duas estratégias não excludentes se apresentam: plantios integrados (autossuprimento) e plantios independentes (mercado spot). Em relação à primeira estratégia, as grandes empresas produtoras de celulose e painéis reconstituídos não têm, no curto e no médio prazo, outra opção a não ser o autossuprimento, uma vez que reduzir a produção industrial não é uma opção.
O aumento de suas bases florestais estão ocorrendo de forma intensiva, via plantios próprios, compra de ativos florestais, sociedades com investidores silviculturais e contratos de suprimento de longo prazo. Em decorrência, estamos vendo o encolhimento dos mercados spot, e os preços de ativos, madeira, terras e arrendamentos, em alta significativa – escalando da esfera econômica para a estratégica. Esse contexto torna a opção de autossuprimento uma não opção para as empresas industriais pouco ou não verticalizadas, devido tanto aos custos envolvidos quanto à longa e íngreme curva de aprendizagem.
A estratégia de tornar os mercados spot uma fonte importante de madeira, na teoria, é uma solução ganha-ganha para todos os atores. Contudo, ouso dizer que a maior parte dos produtores rurais e investidores institucionais não vão entrar nessa canoa. A silvicultura, hoje, como negócio, é uma loteria. Plantar para vender daqui a 7 ou 15 anos para clientes com alto poder de barganha é uma aposta de alto risco, com baixa probabilidade de dar certo, isso para não dizer que é totalmente incerta.
Então, o mercado spot é uma impossibilidade, e a ideia de viabilizá-lo deve ser abandonada? Sim, se mantivermos as atuais regras do jogo. Investimentos em projetos greenfield vinculados a mercados spot têm se mostrado de alto risco e reduzido o retorno econômico, seja no Brasil ou em outros países. Investidores institucionais têm condicionado seus empreendimentos a contratos de longo prazo, com preços e rentabilidades pré-definidos. Quanto aos produtores rurais, eles estão descrentes na silvicultura em função de experiências negativas ao longo dos últimos vinte anos. Em regiões com potencial agrícola, têm convertido seus plantios em “bois” e “soja” e somente estão mantendo os plantios florestais em áreas marginais.
Apesar dos desafios estruturais apontados acima, tenho a convicção de que o mercado spot é uma necessidade para o setor florestal crescer de forma saudável. Viabilizar esse mercado vai exigir muito foco, disciplina e tempo. Como reflexão inicial, pontuo que teremos que reconquistar os produtores rurais, tratando-os como investidores, oferecendo contratos de compra com preço e rentabilidade pré-acordados, disponibilizando linhas de crédito e regimes tributários “adequados” e provendo suporte à curva de aprendizado técnico e de gestão. No caso do Eucalyptus, criar clusters industriais com mais segmentos, semelhantes ao do Pínus, será uma necessidade. Em suma, transformar um mercado quase totalmente imperfeito em mercado competitivo.
Muito provavelmente, o custo da madeira do mercado spot será maior do que os das demais opções devido a produtividades menores e custos de colheita e transporte maiores. Contudo, vale lembrar que a madeira mais cara é aquela que não temos. Em síntese, a questão-chave não é “para que plantar florestas”, mas sim “como tornar a silvicultura um negócio viável”. E, para finalizar, fica aqui outra questão importante: quem irá viabilizar o mercado spot?