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Caio Tavora Rachid Coelho da Costa

Professor do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Op-CP-77

Microbiologia aplicada: o próximo passo no manejo florestal sustentável
A biodiversidade é um patrimônio da humanidade, essencial para manter o clima, a qualidade do ar e o fornecimento de matéria-prima para as atividades humanas. Esses e outros processos fazem parte dos chamados serviços ecossistêmicos, ou seja, os benefícios que a biodiversidade nos oferece de maneira passiva e sem os quais seria praticamente impossível prosperar.
 
A maior parte da biodiversidade, no entanto, está além do alcance dos nossos olhos, sendo composta por micro-organismos como bactérias, arqueias, fungos e protozoários. Não é exagero dizer que as comunidades microbianas são tão numerosas e complexas quanto as estrelas no universo. Esses micro-organismos habitam o solo, as raízes, as folhas e a água, desempenhando funções essenciais que podem ser exploradas por nós como ferramentas biotecnológicas.
 
Na minha opinião, a próxima grande revolução no manejo florestal virá do uso desses micro-organismos. O setor florestal brasileiro avançou muito no melhoramento genético de plantas, na determinação das melhores densidades de plantio e no manejo dos plantios e do solo, tornando-se uma referência mundial. Entretanto, o uso de micro-organismos com fins biotecnológicos foi negligenciado até recentemente. 

Tradicionalmente, a microbiologia aplicada ao setor florestal se limitava à fitopatologia, ou seja, ao estudo de doenças causadas por micro-organismos. Contudo, existe um enorme potencial biotecnológico que pode e deve ser explorado.

O Brasil é líder no uso de bioinsumos, com destaque para os inoculantes à base de bactérias fixadoras de nitrogênio, amplamente utilizados em leguminosas nodulantes como soja e feijão. Mais recentemente, o uso de inoculantes se tornou mais frequente em culturas não leguminosas, como cana-de-açúcar, milho e café.

EFEITOS QUE MICROORGANISMOS PODEM PROMOVER NAS PLANTAS:
1. Redução de impactos após estresse
2. Precocidade de desenvolvimento
3. Proteção contra nematóides
4. Disponibilização de N,P,K
5. Proteção contra fitopatógenos
6. Promoção do enraízamento
7. Resistência a Seca

Em plantas não nodulantes, o manejo dos inoculantes é mais desafiador, pois a associação simbiótica entre micro-organismos e plantas tende a ser menos estável. O sucesso da inoculação depende de diversos fatores, como a compatibilidade entre a linhagem microbiana e a genética da planta, já que há uma relação (quase) específica entre microrganismos e seus hospedeiros. Além disso, condições ambientais, como o pH e a qualidade da matéria orgânica do solo, afetam significativamente o equilíbrio microbiano. Controlar esses fatores representa um dos principais desafios ao uso e eficácia de bioinsumos.

Ao contrário de muitas culturas agrícolas, que são geneticamente diversas, o setor florestal utiliza predominantemente clones. Durante a produção de mudas, cada clone é replicado em grandes quantidades, em ambientes controlados, com substratos, temperatura e umidade padronizados. 

Esse cenário é ideal para o uso de bioinsumos, pois permite o controle de variáveis importantes. Durante essa fase, é possível inocular bactérias e fungos que estabelecerão associações simbióticas com as plantas, influenciando positivamente sua adaptação ao meio.

Quando falo de adaptação, refiro-me a melhorias como o aumento da taxa de enraizamento, o desenvolvimento precoce das mudas e uma maior resistência a patógenos. Em campo, há também o potencial de otimizar a nutrição das plantas sem aumentar a fertilização e melhorar a resistência das mudas aos estresses ambientais, como a seca.

Para transformar esse potencial em realidade, é necessário investir em pesquisas voltadas aos desafios do setor. Isso envolve o desenvolvimento de inoculantes eficientes, sua implementação na cadeia produtiva e a avaliação de diferentes formas de manejo. O desenvolvimento de inoculantes é um processo longo, que demanda trabalho, conhecimento e tempo, incluindo o estudo das comunidades microbianas associadas a diferentes regiões de cultivo e variedades de plantas. É essencial selecionar e testar linhagens de micro-organismos benéficos que não só realizem atividades biológicas de interesse, mas também se associem às plantas de forma duradoura. Vale lembrar que nenhum micro-organismo conseguirá desempenhar todas as funções desejadas isoladamente. 

No desenvolvimento de bons inoculantes é onde acredito que o setor florestal se encontra atualmente. A implementação na cadeia produtiva parece ser o passo menos complexo. Grandes empresas têm capacidade para estabelecer centros de multiplicação de inóculos com controle de qualidade e baixo custo ou terceirizar essa produção. As inoculações podem ser automatizadas com pequenas modificações nas linhas de produção de mudas.
 
Um ponto de grande atenção será o aprimoramento das práticas de manejo dos bioinsumos dentro do contexto de produção florestal. Aqui envolvem questões ainda não mapeadas. Precisamos determinar os momentos ideais para a inoculação – no plantio das estacas, durante a maturação das mudas ou antes do envio ao campo –, além de entender a dose necessária e a compatibilidade dos micro-organismos com outros insumos. Esses detalhes exigirão anos de testes, já que diferentes genéticas de planta e micro-organismo podem reagir de forma única.

Há quinze anos iniciei pesquisas sobre a microbiologia de plantios florestais, com abordagens clássicas e moleculares, mapeando a microbiota associada ao eucalipto, desenvolvemos um consórcio de bactérias promotoras de crescimento que apresentou resultados promissores em casa de vegetação e em escala comercial de produção de mudas. Com esse desenvolvimento inicial, aprendemos mais sobre as necessidades do setor. Hoje, minha equipe trabalha em parceria com empresas florestais no desenvolvimento de inoculantes adaptados às condições regionais. Tenho particular interesse nos micro-organismos endofíticos, que vivem dentro dos tecidos vegetais, especialmente nas raízes.

A premissa é que os micro-organismos que habitam o interior das raízes têm uma relação mais íntima com a planta e estão mais protegidos de variações ambientais externas. Um micro-organismo benéfico capaz de colonizar a planta pode, assim, sobreviver mesmo em condições de solo adversas. Com o uso de tecnologia de sequenciamento genético, mapeamos as comunidades bacterianas associadas ao solo e às raízes de eucaliptos em 15 cidades de São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Os dados mostram que cada empresa tem árvores com microbiota específica, provavelmente devido ao histórico de seleção genética das plantas. 
 
Isso reforça a importância do desenvolvimento de inoculantes personalizados. Além disso, o mapeamento se tornou uma referência importante para a seleção dos melhores candidatos a inoculantes, pois mostra quais bactérias são mais abundantes e que conseguem colonizar o maior número de plantas em cada região. 

Atualmente, nossa coleção contém cerca de 1.500 isolados bacterianos, que estão sendo submetidos a testes bioquímicos e moleculares para caracterizar aqueles com maior potencial biotecnológico e alta capacidade de adaptação. Desses pequenos organismos virão grandes resultados. A nossa perspectiva é que em breve essa possa se tornar uma relevante contribuição para o setor florestal.

Concluo apontando que o momento é propício para o setor florestal. O avanço nas tecnologias de monitoramento e nas ferramentas de engenharia genética pode aumentar significativamente o potencial produtivo, desde que haja uma abordagem integrada que inclua o componente microbiológico na seleção das melhores genéticas e nas práticas de manejo do solo. Assim, é possível alcançar maior sustentabilidade e resiliência diante das mudanças climáticas, sem comprometer a rentabilidade do setor.