Ao longo de muitos anos de atuação, um dos trabalhos mais gratificantes que vivenciei foram os Diagnósticos Rurais Participativos, os chamados DRP’s. Foram horas de conversas, oficinas e aprendizados não formais, extremamente ricos, cheios de cultura, sensibilidade e troca de saberes.
Nessas ocasiões, pude compreender melhor como viviam as comunidades vizinhas aos empreendimentos florestais, o que pensavam e como nos percebiam, muitas vezes com desconfiança.Essa vivência aguça o olhar do manejador florestal para um ponto essencial: como impactar o mínimo possível e, sobretudo, como gerar valor compartilhado?
Nesse contexto, há um sentimento fundamental a ser conquistado: a confiança. As comunidades são atores estratégicos e precisam participar do planejamento desde a concepção dos projetos, especialmente quando falamos na expansão de áreas plantadas.
O Brasil apresenta grande potencial para essa expansão. De acordo com o Atlas das Pastagens da UFG, as pastagens cobrem cerca de 177 milhões de hectares, dos quais mais de 20 milhões apresentam nível severo de degradação. Estados como Mato Grosso (5,1 milhões ha), Goiás (4,7 milhões ha), Mato Grosso do Sul (4,3 milhões ha), Minas Gerais (4,0 milhões ha) e Pará (2,1 milhões ha) oferecem condições para a implantação de novas culturas, entre elas os plantios florestais.
As plantações florestais trazem benefícios sociais, ambientais e econômicos. Além de gerar empregos, renda e oportunidades locais sobretudo quando envolve pequenos produtores, contribui para serviços ecossistêmicos como retenção de carbono, conservação do solo e da água e controle da erosão.
Também permite recuperar áreas degradadas e diversificar meios de vida, fortalecendo o engajamento comunitário e promovendo saúde, bem-estar e coesão social por meio da ampliação da cobertura florestal. Com padrões de governança como os Princípios e Critérios do FSC, que exigem diálogo estruturado e respeito a direitos, e com investimentos orientados por diagnósticos participativos, o setor florestal amplia sua legitimidade e se consolida como motor de desenvolvimento sustentável e inclusão social.
Diante dessa realidade, a expansão das áreas plantadas deve ser conduzida com planejamento criterioso. É fundamental mapear quem é afetado e seus direitos, identificando comunidades vizinhas à Unidade de Manejo Florestal (UMF) e reconhecendo seus usos, necessidades e obrigações.
Esse mapeamento social sustenta o reconhecimento e a proteção de direitos, garantindo que o controle comunitário sobre recursos e territórios seja respeitado. No caso de povos tradicionais e indígenas, a aplicação do Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC) é condição essencial para assegurar legitimidade e transparência.
Outro pilar é gerar oportunidades reais de desenvolvimento: criar empregos, investir em capacitação e fortalecer cadeias de fornecedores locais. Assim, o empreendimento dinamiza a economia regional e amplia os benefícios percebidos pelas comunidades.
É igualmente essencial avaliar, evitar e mitigar impactos. O plano de manejo deve integrar de forma equilibrada o planejamento social e ambiental, com engajamento dos stakeholders e medidas proporcionais à intensidade e aos riscos da operação.
Um mecanismo de queixas e reparação efetivo também é indispensável. Deve ser público, acessível e culturalmente adequado, com prazos de resposta definidos, registros transparentes e possibilidade de paralisação de operações em casos graves. A compensação justa reforça a confiança e demonstra compromisso com a justiça social.
A proteção de sítios culturais e do conhecimento tradicional deve estar no centro da gestão, garantindo que locais de relevância espiritual e cultural sejam preservados e que o uso de saberes tradicionais ocorra apenas mediante acordos formais e compensações adequadas.
Por fim, a transparência e a participação contínua são alicerces da boa governança. A publicação de resumos públicos de planos de manejo, consultas regulares e o envolvimento da comunidade no monitoramento dos impactos asseguram não apenas conformidade técnica, mas também a construção de relações de longo prazo pautadas pela confiança.
Em síntese, quando esses elementos são incorporados desde o planejamento, a expansão florestal deixa de ser unilateral e se transforma em uma parceria estratégica com as comunidades locais, convertendo potenciais resistências em alianças sólidas.
Precisamos não apenas da licença social para operar. O verdadeiro desafio é tornar nossos empreendimentos florestais queridos e desejados pelas comunidades.