A Amazônia é o maior e mais diversificado estuário do mundo. É rico em recursos pesqueiros e abriga cerca de 700 bilhões de árvores. A Amazônia também tem um papel fundamental na regulação do clima do mundo. Ela é a “provedora” de chuvas para o Centro-Sul do Brasil, gerando umidade que é então transportada para o Sudeste através dos chamados “rios voadores”.
Alguns cientistas acreditam que a recente seca severa em São Paulo e em outras grandes cidades pode ter sido resultado do desmatamento na Amazônia. Porém, toda essa riqueza tem sido ameaçada por desmatamento e degradação. Quase 20% da Amazônia brasileira foram desmatados nos últimos quarenta anos. Pelo menos outros 20% sofrem degradação – termo que é amplamente definido como uma floresta que perde parcialmente a capacidade de produzir madeira, conservar a biodiversidade e armazenar carbono –, por causa da exploração de madeireiras e de queimadas.
Como acontece com qualquer ecossistema, a Amazônia tem um limite natural que, depois de cruzado, será impossível reverter. Alguns cientistas temem que, se o desmatamento subir para 40% de seu território, a Amazônia começará um processo irreversível de transformação em cerrados. As implicações para o aquecimento global, os padrões climáticos e a biodiversidade seriam catastróficas.
Houve uma época, não muito tempo atrás, em que parecíamos caminhar precisamente nessa direção.
Só em 2004, cerca de 27 mil km2 de floresta foram desflorestados – uma área equivalente ao estado de Alagoas. Naquele ano, por causa dessa destruição desenfreada, o País ficou entre os cinco maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa, algo especialmente vexatório porque, embora o desmatamento da Amazônia fosse responsável por mais da metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, a região gerou apenas 8% do PIB do País. Mais grave ainda, a região tinha alguns dos piores indicadores do Brasil em saúde, educação e segurança pública.
Em outras palavras, estávamos perdendo um dos nossos maiores tesouros da humanidade em troca de nada. O Brasil, que abriga cerca de 65% da floresta amazônica, sempre teve uma responsabilidade especial para defendê-la. Em 2004, o governo brasileiro anunciou um ambicioso plano para conter o desmatamento. Dados os fracassos de políticas anteriores, ninguém previa que esse iria funcionar. Mas, surpreendentemente, funcionou dessa vez. Em 2014, a área da Amazônia brasileira desmatada a cada ano caiu para cerca de 5 mil km2, um declínio de mais de 75% em relação a 2004.
O plano tinha vários mecanismos que, em conjunto, provaram-se muito eficazes. Ele incluía iniciativas para monitorar a floresta quase em tempo real, usando imagens de satélite para deter agressores antes que eles derrubassem a floresta. E implementou punições eficazes para os violadores, levando-os à prisão e confiscando bens relacionados aos crimes ambientais.
Também criou uma vasta rede de Unidades de Conservação. A redução do desmatamento da Amazônia resultante é considerada a maior conquista da humanidade até agora em termos de redução das emissões de gases de efeito estufa – impedindo que mais de 4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente fossem lançadas na atmosfera.
Isso é, de fato, um feito a ser comemorado. Mas não é suficiente. Mesmo que o desmatamento tenha caído mais de 75%, o ritmo de perda de árvores na Amazônia ainda é considerado, junto com a Indonésia, o maior do mundo. Então, em vez de se conformar com o status quo, é hora de perseguir uma meta mais ousada e necessária: desmatamento zero na Amazônia. Alguns consideram essa meta radical, ou mesmo utópica. A verdade, porém, é que uma meta de desmatamento zero não é apenas possível, mas desejável.
Ela seria favorável para o ambiente, obviamente, mas isso não é apenas um dos motivos para fazê-lo. O desmatamento zero também traria enormes benefícios para a economia da Amazônia e para o progresso social da região. Aqui, três razões que explicam isso. Primeiro, o Brasil cortou, ao longo dos últimos 40 anos, uma área florestal maior que os estados de Minas Gerais e Paraná somados. No entanto quase 2/3 dessa área desmatada são subutilizados, e mais de 10 milhões de hectares estão simplesmente abandonados (uma área superior ao território de Pernambuco).
Na verdade, a terra que já foi devastada é mais que o necessário para sustentar o agronegócio, agricultura familiar, hidrelétricas, projetos de mineração e cidades para as próximas décadas. Seria inteiramente possível fazer crescer a economia e fornecer oportunidade de renda e prosperidade para os seus cerca de 24 milhões de habitantes, sem desmatar novas áreas. Alcançar essa meta depende principalmente de desenvolvimento e implementação de tecnologias e técnicas, muitas das quais já existem, para fazer melhor uso da terra já desflorestada.
Existem sinais promissores de que isso é possível. No Pará, os pecuaristas tornaram-se cinco vezes mais produtivos que os seus pares, produzindo 500 kg de carne por hectare por ano, em comparação com uma média de apenas 100 kg no resto da Amazônia, graças à melhoria da pastagem e à adoção de práticas para melhorar o bem-estar dos animais. Os produtores de soja do Mato Grosso estão aumentando a produção sem promover mais desmatamento.
Além disso, novas técnicas estão permitindo que a madeira e outros produtos florestais não madeireiros, como o açaí, sejam colhidos sem que seja necessário cortar a floresta. Em 1970, quando o ritmo de desmatamento na Amazônia começou a realmente acelerar, a região gerava pouco menos de 8% do PIB do Brasil. Hoje, 45 anos mais tarde, depois de todo o desmatamento ocorrido, a região amazônica ainda produz os mesmos 8% do PIB brasileiro.
Dito de outra forma, o tipo de desenvolvimento ocorrido não fez nada para melhorar a situação econômica dos habitantes da Amazônia em comparação com o resto do Brasil. As pessoas fizeram enormes sacrifícios em sua qualidade de vida, vendo seu habitat, antes uma floresta intocada, ser substituído por cidades caóticas e afetadas por fumaça de queimadas, mas os benefícios de tal crescimento foram colhidos apenas por um pequeno número de indivíduos e empresas. A Amazônia ainda tem alguns dos piores indicadores sociais do Brasil. É hora de buscar um modelo mais inteligente de crescimento econômico que não dependa de destruir a floresta.
Segundo, nossa compreensão do valor econômico intrínseco da floresta foi ampliada. Ela tem um enorme valor estratégico no presente e terá ainda mais no futuro. Cientistas estimam que a região amazônica tem quase 25% das reservas de carbono acima do solo das florestas do mundo.
Se esse carbono for liberado para a atmosfera, poderia tornar o aquecimento global ainda mais catastrófico, com consequências econômicas e sociais devastadoras para a humanidade. Por último, há uma enorme pressão vinda dos mercados para eliminar produtos que venham de áreas desmatadas. É importante notar uma iniciativa do Consumer Goods Forum, uma aliança entre algumas das maiores empresas globais, que adotou a meta de desmatamento zero até 2020. Ou seja, a partir dessa data, elas deixarão de comprar qualquer tipo de carne, soja, óleo de palma, madeira ou papel que venham de áreas recém-desmatadas. Essa pressão do mercado tem ajudado a mostrar ao produtores que fazem uso intensivo da terra nas áreas rurais da Amazônia que é necessário acabar com o desmatamento para ser competitivo e ter sucesso em seus negócios.
O ingrediente final para tornar o desmatamento zero viável é incentivar o governo brasileiro, e outros com território na Amazônia, a assumir compromissos ousados em vez de se satisfazerem com a situação atual. Há algumas janelas de oportunidade nesse fronte. A conferência global sobre o clima, em Paris, no fim de 2015, é a principal. Outro caminho seria apoiar as iniciativas em nível estadual. Por exemplo, o estado do Pará, que é maior que a França e a Espanha juntas, já anunciou uma meta de desmatamento líquido zero para 2020. Isso mostra que a liderança política e a visão sobre essa questão já estão presentes; só é preciso simplesmente que elas se espalhem para o nível nacional e internacional.
A Amazônia sempre foi um lugar para ousadia. Isso foi verdade no passado – quando extrativistas e naturalistas desbravaram seus caminhos – e continua sendo hoje para os líderes que estejam dispostos a salvar o patrimônio natural da Amazônia para as gerações futuras. O que precisamos são ideias audaciosas e pessoas profundamente comprometidas para ajudar a implementá-las. Vamos dar o próximo passo – e reduzir o desmatamento a zero.