As regiões de transição entre os biomas mata atlântica e cerrado, como o centro-sul de Mato Grosso do Sul, apresentam como característica climática a ocorrência de veranicos durante o período chuvoso (primavera e verão). Tal fenômeno é imprevisível quanto à época de ocorrência e quanto à duração. Nos anos em que se verificam tais eventos, e estes coincidem com estádios críticos da cultura da soja, os prejuízos decorrentes são expressivos.
Não obstante as adversidades climáticas, nos últimos 30 anos, a área cultivada com soja em MS dobrou, e a produtividade média passou de cerca de 2.000 kg/ha para mais de 3.000 kg/ha, mas com muitas oscilações decorrentes do clima. Uma das formas utilizadas para amenizar o efeito dos veranicos foi o uso do Sistema Plantio Direto (SPD) para o cultivo da soja, no qual o solo apresenta maior capacidade de infiltrar e armazenar a água das chuvas e são reduzidas as perdas por evaporação.
No entanto, para o correto funcionamento do SPD, é preciso que seus três fundamentos sejam atendidos, quais sejam: ausência do revolvimento do solo, cobertura permanente da superfície do solo e rotação de culturas. Nas condições atuais da região, onde há o predomínio da sucessão soja-milho safrinha, os fundamentos do SPD são apenas parcialmente atendidos, pois, com tais cultivos, não há cobertura do solo por palha capaz de garantir a cobertura permanente da superfície e, obviamente, não há rotação de culturas.
Tal forma de produção, além de não amenizar os efeitos dos veranicos, resultam em outros graves problemas, como a degradação do solo pela perda de matéria orgânica e o aumento dos problemas fitossanitários, os quais resultam em aumento do uso de insumos e, consequentemente, do custo de produção. A pesquisa agrícola identificou esse problema e, como alternativa, indica a utilização de cultivos com maior produção de massa vegetal para proporcionar a cobertura do solo necessária, como o uso do consórcio do milho safrinha com plantas forrageiras, como a braquiária.
Essa prática tem tido aumento crescente na sua utilização, uma vez que os efeitos positivos da palhada se tornam visíveis, com a manutenção da umidade do solo e melhor desenvolvimento vegetativo da soja cultivada em sequência. Mas ainda há dificuldade em cumprir o terceiro fundamento, o da rotação de culturas, pois a região carece de opções rentáveis de culturas para ocupar as áreas no período de primavera/verão, em substituição à soja.
A utilização dos sistemas integrados de produção, como a integração lavoura-pecuária (iLP) com o uso da soja e das pastagens para produção pecuária, pode ser a forma indicada para, além de produzir a palhada em quantidade adequada, proporcionar os efeitos da rotação de culturas, especialmente na redução da ocorrência e nos danos causados por pragas, doenças e plantas daninhas. Tal como a cadeia produtiva da soja, a cadeia produtiva da pecuária de corte se faz presente em toda a região, o que é fator importante para que os sistemas possam ser implantados.
Muitos exemplos de sucesso são verificados com o uso da iLP, tanto por agricultores que introduziram a atividade pecuária em sua propriedade, como por pecuaristas, que, agora, também são produtores de soja. O uso da iLP não se limita apenas à recuperação de pastagens degradadas. As vantagens são inúmeras, contemplam desde o aspecto econômico pela diversificação da produção e redução dos custos de produção, passando pela melhoria da qualidade do solo pelo aumento da matéria orgânica, até a redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa.
O fato é que o produtor que adota a iLP não retorna à atividade isolada. Recente levantamento realizado em Mato Grosso do Sul, por pesquisadores da Embrapa Agropecuária Oeste, indicou que a adoção da iLP ocorre, predominantemente, em estabelecimentos rurais que produzem soja e que são motivados pela busca de aumentar a segurança econômica e financeira. Estimou-se que, na safra 2013/14, cerca de 15% das áreas cultivadas com soja são cultivadas no sistema iLP. Não restam dúvidas de que os sistemas de produção mais intensivos e diversificados apresentam vantagens comparativas aos sistemas simplificados.
A questão, agora, é definir como intensificar ainda mais os sistemas produtivos. Uma das opções que vêm sendo estudadas é a inclusão do componente florestal no sistema iLP, uma vez que já são amplamente conhecidos os efeitos das árvores na pecuária, especialmente na produção de leite, pelo maior conforto animal e qualidade da forrageira. O desafio é conhecer os efeitos da presença de árvores em sistemas com lavouras, quantificar tais efeitos, para, então, definir o layout apropriado para cada situação.
Muitas são as perguntas a serem respondidas e as variáveis envolvidas num sistema complexo de produção, em que a soja e outras lavouras interferem e sofrem influência das árvores, da pastagem e dos animais, além do efeito tempo, que afeta a intensidade dessas relações. Em 2008, foi implantada uma unidade de referência tecnológica (URT) para avaliação desses sistemas em Ponta Porã - MS, na qual foram inseridas linhas simples de eucaliptos, com espaçamento entre os renques de 25 e de 12,5 m, para intensificar o sistema iLP (soja/milho + braquiária).
No dimensionamento do espaçamento entre os renques, deve-se considerar o tamanho das máquinas e dos implementos agrícolas que serão utilizados e ter clareza no destino que se pretenda dar às árvores, pois isso implica diretamente no valor de comercialização e na dinâmica temporal dos cortes e funcionamento do sistema. Nessa URT, observaram-se efeitos diversos quanto às lavouras: com as árvores atingindo 5 anos de crescimento, a produtividade da soja foi cerca de 10% inferior no sistema iLPF, com o espaçamento de 25 m entre as linhas e de 45% no espaçamento de 12,5 m.
Nesse caso, as perdas foram crescentes ao longo do tempo, não se limitaram ao espaço ocupado pelas árvores, mas ao efeito direto do sombreamento. No entanto o efeito para a pastagem, no espaçamento menor, foi positivo nos anos com ocorrência de geadas, mantendo a forrageira verde e com qualidade superior. Essa aparente perda na produtividade da soja, em uma primeira análise, estaria inviabilizando o sistema iLPF.
Contudo devemos entender melhor o que ocorre em sistema tão complexo e, principalmente, considerar os resultados econômicos do sistema como um todo, pois as eventuais perdas em um dos componentes podem ser superadas pelo rendimento adicional verificado nos demais componentes. Nesse caso, observou-se que o solo, no sistema iLPF, manteve-se mais úmido ao longo do
tempo, em comparação ao sistema iLP (sem árvores), provavelmente devido ao efeito quebra-vento dos eucaliptos, reduzindo as perdas de água por evaporação.
O efeito das árvores no microclima é marcante, alterando as amplitudes e os valores extremos de umidade relativa e de temperatura do ar. Na pecuária, os maiores ganhos na produtividade, devido ao conforto ambiental, e na qualidade da forragem devem ser computados e somados aos ganhos na produção madeireira. O diâmetro das árvores (DAP) constituintes do sistema de integração Lavoura-Pecuária-Floresta é superior ao verificado nas áreas de floresta simples, possibilitando prever o corte das árvores e a receita financeira.
Enfim, é preciso ter claro que se trata de um conjunto de atividades simultâneas, onde a possível ocorrência de sinergia entre os componentes deve ser considerada. Tais efeitos sinérgicos, considerando as implicações do aquecimento global, permitem prever que, talvez, uma das alternativas viáveis para a agricultura nos próximos anos sejam os sistemas integrados
de produção, com a presença de árvores.