A história da humanidade tem sido marcada pelo paradoxo entre a importância que as florestas representam para o homem e a pressão para utilização das áreas ocupadas por elas, o que gera, em muitas circunstâncias, o desmatamento. As florestas ocupam, hoje, em torno de 30% da superfície do planeta (ou 4,13 bilhões de hectares), sendo 93% desse total representados por florestas naturais, que abrigam globalmente 80% de toda a biodiversidade do planeta.
As altas taxas de desmatamento e degradação ambiental, embora decrescentes no mundo, ainda prevalecem nos trópicos. Só o Brasil perdeu, nos últimos 15 anos, uma média anual de 0,5% de sua superfície de florestas, o que equivale a quase 2,5 milhões de hectares por ano. Apesar de ocuparem menos de 1/3 dessa superfície e de já terem sido reduzidas à metade em todo o mundo, as florestas tropicais abrigam mais de 50% de todas as espécies já catalogadas e estocam, em média, 100-150 toneladas de carbono por hectare, fornecendo, assim, importantes serviços ambientais à humanidade.
Como resultado do desenvolvimento humano, o declínio da biodiversidade tem ocorrido a uma taxa 100 vezes mais rápida do que as taxas naturais de registros fósseis. É consenso de que a perda da biodiversidade reduz a eficiência com que as comunidades capturam recursos biologicamente essenciais, produzem biomassa, decompõem matéria orgânica e reciclam os nutrientes, o que, como consequência, diminui drasticamente a capacidade de os ecossistemas fornecerem serviços à sociedade.
Os serviços ecossistêmicos são todo o conjunto de benefícios que os ecossistemas provêm à humanidade, sendo classificados entre aqueles de suporte (produção primária, formação de solo, ciclagem de nutrientes); de regulação (clima, ciclo hidrológico, doenças, polinização); de provisão (madeira e produtos não madeireiros, alimentos, água); e culturais (valores estéticos, espirituais, recreação). Dentre esses, a capacidade de captura de carbono atmosférico, e, como consequência, a mitigação das mudanças climáticas têm sido consideradas serviços essenciais à própria sobrevivência do homem no planeta Terra.
A restauração de ecossistemas florestais vem se consolidando como uma prioridade global do século XXI, à medida que a sociedade vem buscando, nas diversas formas de restauração ecológica e reflorestamento, vencer os grandes desafios mundiais, dentre eles o das mudanças climáticas.
Atualmente, governos de todas as partes do globo, bem como empresas e tomadores de decisão, têm realizado esforços para promover a adesão a iniciativas globais de restauração florestal, tais como o “Bonn Challenge”, lançado em 2011 com o compromisso de restaurar 150 milhões de hectares até 2020; a Declaração de Nova York (2014), que propõe a restauração de outros 200 milhões de hectares, e a Iniciativa 20 x 20, lançada em 2014 por países latino-americanos, visando restaurar 20 milhões de hectares até 2020.
A GFLP – Global Partnership on Landscape and Forest Restoration, indica a existência de mais de um bilhão de hectares de áreas passíveis de serem restauradas em todo o mundo, somando uma superfície maior que a da China. No Brasil, o Planaveg – Plano Nacional de Restauração da Vegetação Nativa, em fase de consulta pública, se propõe a promover a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa, visando ao cumprimento da Lei 12.651 de 2012.
Restauração de florestas e mudanças climáticas: O fato de as plantas verdes absorverem carbono atmosférico durante a fotossíntese, e, desse modo, coloborarem para a mitigação do efeito estufa e das mudanças climáticas já havia sido reconhecido desde a virada do século XIX para o século XX. Entretanto, somente a partir do início do século XXI, começou a haver consenso, entre a comunidade científica mundial, de que o aumento observado nas temperaturas globais era, de forma inequívoca, decorrente da ação do homem, principalmente pelo aumento da queima de combustíveis fósseis e da emissão de gases estufa.
As florestas tropicais distribuem-se nas zonas de maior produtividade primária do planeta e, como consequência, acumulam uma maior quantidade de biomassa, tanto acima como abaixo do solo. Por exemplo, a Floresta Amazônica estoca, aproximadamente, de 290 a 400 toneladas de matéria seca por hectare (acima e baixo do solo), dos quais cerca de 50% são carbono, enquanto a mata atlântica acumula de 130 a 165 t/ha; a caatinga, 74, e o cerrado, de 51 a 96 t/ha.
Além de sua importância como estoque de carbono na fitomassa, as florestas ainda retiram, globalmente, cerca de 2,5 toneladas de CO2 atmosférico em média por hectare por ano, o que, na Amazônia, pode variar de 0,8 a 7 t/ha/ano, de acordo com os estudos do LBA.
Já uma floresta em restauração possui um menor estoque de fitomassa, o que dependerá da sua idade, composição de espécies, tipo de solo e grau de degradação anterior. Além disso, em uma floresta tropical nativa, a maior parte da biomassa e carbono está estocada no estrato arbóreo, principalmente nas árvores maiores, ao passo que, em florestas em restauração ainda jovens, o componente arbustivo/herbáceo terá uma importância relativa maior, devido à ausência dessas árvores grandes.
Em nossas pesquisas, florestas em restauração com 12-14 anos plantadas em Botucatu, SP, acumularam de 60 a 110 t/ha, dependendo do solo e da composição de espécies, e retiraram, anualmente, cerca de 2,9 a 4,4 tC/ha. Estudo tem indicado que áreas abandonadas para a regeneração natural da vegetação nativa (restauração passiva) continuam a acumular biomassa até os 80 anos após o abandono, o que torna essas áreas também bastante efetivas para a mitigação de mudanças climáticas, sem a necessidade de qualquer tipo de plantio.
A busca por medidas mitigadoras das mudanças climáticas tem levado a uma tendência de aumento de escala dos projetos de restauração. Entretanto, idealmente, isso não deve ser feito à custa de perda de qualidade, nem da desvalorização do papel das áreas restauradas para a conservação/recuperação da biodiversidade.
Os esforços de restauração de florestas tropicais têm resultados em um efeito positivo de 15-84% e 36-77%, respectivamente, nos indicadores de biodiversidade (riqueza e diversidade de diferentes grupos de fauna e flora) e de estrutura (altura, área basal, cobertura de solo), em comparação a ecossistemas degradados, mas esses indicadores são ainda bem menores do que os de florestas nativas de referência.
Nossas pesquisas têm indicado que há uma relação assintótica positiva entre biodiversidade (medida pela riqueza e diversidade de espécies) e produção e acúmulo de biomassa em ecossistemas em restauração, pelo menos durante os primeiros 25 anos após o plantio. Isso significa que podemos contar com um número relativamente pequeno de espécies que garantirão uma produtividade ótima, se o nosso foco for nos serviços ecossistêmicos. Entretanto não devemos relevar o papel regulador da biodiversidade na promoção de maior estabilidade e resiliência ao ecossistema em restauração, principalmente em face de um mundo em que as mudanças ambientais têm ocorrido de forma tão rápida.
A otimização de produtividade primária (com consequente aumento da captura de carbono atmosférico), associada à restauração da biodiversidade, pode ser efetivada quando se levam em conta as características funcionais das espécies. Os conceitos de complementaridade (quando a maior diversidade de características e de grupos funcionais permitem uma maior complementaridade no uso de recursos e melhor repartição de nichos) e de seletividade (quando uma ou poucas espécies com determinadas características funcionais conseguem acesso privilegiado aos recursos e dominam ou direcionam a produção primária da comunidade) podem ser explorados, na prática, através da combinação adequada de espécies.
Os desenhos dos sistemas de restauração devem levar em conta ainda a combinação de espécies heliófilas e de alta produtividade, que irão sequestrar carbono a uma alta taxa, mas por menos tempo (pela menor longevidade), com espécies tolerantes à sombra, e menores taxas de crescimento, que terão menores taxas de absorção de carbono, mas durante um tempo muito maior.
Desafios da restauração florestal para um mundo em mudanças: Ao mesmo tempo que buscamos restaurar florestas para mitigar as mudanças climáticas, é necessário considerar que essas mudanças já são uma realidade e que muitas das alterações ambientais provocadas pelo homem têm sido tão drásticas que não é mais possível se pensar em restauração ecológica com olhos no passado. As condições históricas dos ecossistemas são, em muitos casos, alvos inatingíveis. Devemos, então, olhar para o futuro, numa tentiva de reconstrução de ecossistemas resilientes o bastante para resistirem a mudanças ambientais imprevisíveis.
Temos que aceitar que novas combinações estáveis de espécies possam emergir, a partir de processos naturais ou da ação do homem, e que possam resultar em comunidades estáveis e resilientes, cumprindo, senão todas, a maioria das suas funções ambientais. Nesse caso, o foco deverá recair nos serviços e nas funcionalidades dos ecossistemas em múltiplas escalas espaciais e temporais, e não simplesmente na restauração da estrutura e biodiversidade.
Tendo em vista ainda a grande escala em que se faz necessária a restauração de florestas tropicais, um último desafio que se coloca é o aumento da área restaurada, para que os benefícios sejam compartilhados por uma parcela maior da sociedade, mas sem perdas significativas de qualidade e com boa efetividade do ponto de vista de custo/benefício. Além disso, por meio de um planejamento adequado do uso do solo, devemos ser capazes de evitar o deslocamento de áreas produtivas para a restauração, ao ponto da necessidade de abertura de novas fronteiras agrícolas e/ou para a pecuária.