Me chame no WhatsApp Agora!

Jorge Luiz Colodette

Professor Titular da Universidade Federal de Viçosa

Op-CP-02

O elo meio-perdido: inovação tecnológica

Lendo as várias matérias publicadas na última edição de Opiniões, que tratou do Apagão Florestal, fiquei convencido de que o Brasil tem muito a comemorar no que tange à inovação tecnológica relativa à produção de florestas, tipificada pela quintuplicação de nossa produtividade florestal, em quatro décadas. O mesmo não se pode dizer em relação ao setor industrial.

É inegável que o sucesso de qualquer empreendimento industrial sustentável depende de inovação tecnológica e rapidez no aperfeiçoamento e implantação de tecnologias existentes. Enquanto o aperfeiçoamento de tecnologias tem sido uma das grandes forças do setor industrial de celulose e papel brasileiro, sua débil capacidade de inovação tecnológica o fragiliza.

Uma simples visita aos sites dos escritórios de patentes da América do Norte, Europa e Japão realça esta fragilidade. O número de patentes depositadas e concedidas em favor de empresas brasileiras do setor é muito baixo, embora tenha melhorado nos últimos anos. Nosso fraco desempenho é também constatado no site do próprio INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).

É claro que o problema da baixa inovação não se restringe ao nosso setor, sendo um problema nacional. Para termos indústrias competitivas, com posicionamento mundial em todos os aspectos, temos que agir rápido também na área de inovação tecnológica. A polpa celulósica, como produto, não terá longevidade como uma commodity. Precisamos inovar para escapar da ameaça de outros segmentos industriais.

Estamos sob agressiva competição das indústrias de plástico, de vidro, de alumínio, da mídia eletrônica, etc. Nosso pessoal técnico é, de fato, muito criativo, e tem demonstrado grande talento no aperfeiçoamento e adaptação de tecnologias desenvolvidas fora do país às nossas matérias-primas, pois isto tem ocorrido com grande rapidez e eficiência.

Como exemplo, podemos citar fábricas de celulose instaladas recentemente no Brasil, que atingiram capacidade nominal de produção em apenas três meses de operação. Profissionais responsáveis por tal proeza merecem crédito, sem dúvida, porém, isto não é suficiente. Para ser um competidor mundial, o Brasil precisa ter uma participação maior na criação, na construção e no entendimento dos processos que se passam dentro das adoráveis máquinas que, em três meses, atingem recorde de produção.

Em outras palavras, temos excelentes pilotos, mas ainda não sabemos muito bem como projetar e fabricar as máquinas. Inovação tecnológica exige alguns componentes que ainda faltam ao setor de celulose e papel nacional. Os três alicerces básicos à inovação incluem forte pesquisa básica, comprometimento do setor industrial com a inovação e, não menos importante, alto contingente de pessoal criativo. Precisamos de massa crítica!

Em relação à pesquisa básica, o nosso setor está penalizado pelo reduzido número de acadêmicos dedicados ao setor. Hoje temos, basicamente, cinco professores na Universidade Federal de Viçosa (UFV), mais alguns poucos em outras universidades, que se dedicam ao setor, em tempo integral. Fala-se da Finlândia, com 8% do PIB florestal mundial, mas esse país destaca-se pela forte inovação tecnológica e conta com inúmeras instituições de pesquisas dedicadas à causa da indústria florestal.

Um dos institutos de pesquisas Finlandeses que suportam a indústria de celulose e papel, o KCL, tem, no seu quadro, aproximadamente 250 funcionários, enquanto que, no Brasil, o maior, talvez, seja a própria UFV, que conta com 30-35 profissionais, sendo a maioria de apoio. Por outro lado, falta treinamento. No Brasil, temos apenas 7-8% dos jovens, entre 18-24 anos, freqüentando a Universidade (pública e privada), enquanto que nos EUA esse número é cerca de 70%.

Notadamente, teremos muita dificuldade de obtermos talentos, se estamos garimpando num universo tão pequeno de nossa população. A fraca educação do país é o nosso maior inimigo. Naturalmente, formamos uns poucos e bons profissionais, a partir dessa base mínima de pessoal, e esses profissionais comandam a nossa indústria. Porém, o nosso treinamento universitário é ineficaz, no que tange à instigação do talento criativo e inovativo dos nossos profissionais, que são treinados para executar.

Pensava-se que talento inovativo era coisa de berço, mas hoje se sabe que ele pode ser desenvolvido, através de treinamento. No Brasil, um pequeno e muito crescente número dos profissionais graduados nas universidades, ascendem à pós-graduação. Tais profissionais são, teoricamente, aqueles treinados para inovar. Em razão do número reduzido deles no mercado, muitos terminam por trabalhar em Universidades, principalmente privadas, que carecem de professores com mestrado e doutorado.

Precisamos produzir mais mestres e doutores, para que estes cheguem massivamente ao setor produtivo. A universidade Federal de Viçosa está fazendo a sua parte em relação ao setor de celulose e papel. Mais de 90% dos 60 mestres e doutores que formamos, desde 1979, estão hoje militando na indústria de celulose e papel brasileira. Por outro lado, o nosso programa de especialização em tecnologia de celulose e papel ¨in company¨, em parceria com a ABTCP, já formou 225 profissionais e outros 180 estão em curso.

Embora a especialização não seja a forma ideal de treinamento para inovação, é o melhor que temos para atender um maior número de profissionais e acelerar o processo no Brasil. Nem tudo está perdido! Temos grande oportunidade de crescer na área de inovação tecnológica, pois os ventos estão soprando em nossa direção. O centro nervoso da indústria de celulose, nesta década, tem sido a América do Sul.

Esse processo de migração, da indústria dos países tradicionalmente produtores para cá, tem motivado institutos de pesquisas internacionais, com muita tradição em inovação, a fazerem parceria com as instituições de pesquisas nacionais. Os institutos de pesquisas em celulose e papel canadense e sueco celebraram, recentemente, parcerias com universidades brasileiras.

Não podemos esquecer da inovação tecnológica realizada nos centros de tecnologia das empresas produtoras de celulose e papel e de suas fornecedoras. Esse segmento é, sem dúvida, o mais importante e com maior chance de sucesso na inovação tecnológica, pois conhece as necessidades do mercado, fator muito importante no processo inovativo.

O desempenho das empresas brasileiras tem sido fraco, mas está melhorando muito. O ponto chave do sucesso da inovação tecnológica industrial é a percepção, pela alta administração do empreendimento, de que tecnologias próprias agregam valor ao negócio e geram comprometimento desses executivos com o processo de inovação, no longo prazo.

Havia um ditado popular, não mais válido na atualidade, de que pesquisa industrial no Brasil tinha início e fim, não tinha meio. Instalavam-se centros de pesquisas e tecnologia e, alguns anos depois, pela óbvia falta de resultados mensuráveis, esses centros eram descontinuados. Temos que ter em mente que inovação tecnológica é um processo lento, que depende muito de persistência e treinamento das pessoas envolvidas, algo que se consegue no longo prazo; a máxima de que “o resultado depende 10% de inspiração e 90% de transpiração”, ainda vale.

Um segundo aspecto, vital ao sucesso da inovação tecnológica industrial, é a formação de equipes profissionais com o perfil adequado. É vital que pessoas que trabalham em inovação, inclusive diretores e gerentes, tenham tido, pelo menos, algum treinamento, a nível de pós-graduação. Inovadores precisam ser treinados para isto.

Igualmente importante é a construção de equipes multidisciplinares. Algumas empresas no Brasil, felizmente poucas, ainda consideram que o setor industrial de celulose e papel é terreno para engenheiros químicos, mecânicos e elétricos. É evidente que não se consegue formar uma equipe multidisciplinar, com uma gama tão restrita de profissionais.

Um terceiro aspecto, também de grande importância para a inovação tecnológica industrial, são as parcerias com o setor acadêmico. Essas parcerias conectam a pesquisa básica, com a pesquisa aplicada, com resultados sempre muito positivos. A Suécia e a Finlândia são exemplos de países que praticam intensamente essas parcerias, com resultados incontestáveis.

É inegável que muitas das tecnologias que orgulhosamente utilizamos em nossas indústrias de celulose e papel atualmente, foram germinadas em institutos e universidades escandinavos, tais como KTH, STFI, KCL, etc. A indústria brasileira está crescendo muito nesse particular e a Universidade Federal de Viçosa tem sido muito pró-ativa e bem sucedida na efetivação dessas parcerias com as indústrias de celulose e papel brasileira, latino-americana e norte-americana.

Gostaria de usar esse espaço para lançar uma campanha com o título: ¨adote um professor¨. Há cerca de doze anos, eu fui adotado por uma empresa do setor industrial de celulose e papel brasileiro. Os resultados desta parceria foram fantásticos para ambas as partes, resultando em inúmeras patentes que foram depositadas e concedidas nos EUA, na Europa e no Brasil.

Foi o exemplo clássico da pesquisa acadêmica dando resultado prático, em razão do alinhamento com as necessidades do mercado. Portanto, se você empresário conhece um professor, que tenha a expertise no seu segmento industrial, use-o: ele tem o conhecimento teórico, o tempo para se aprofundar, mas precisa do seu apoio. É importante ressaltar que o Brasil está avançando na área de inovação. O bom desempenho da nossa indústria, associado ao crescimento da nossa massa crítica inovadora, das nossas publicações, das nossas patentes, tem nos colocado em evidência, mundialmente.

Somente nos dois últimos anos, fui convidado para fazer parte de bancas de tese no Canadá, Finlândia e na Suécia (de onde estou escrevendo essa matéria para a revista Opiniões), e para dar palestras no Chile, na Espanha, Nova Zelândia, na Alemanha e na China. Sinal de que o Brasil começou a permear o cenário mundial de celulose e papel, também na pesquisa científica.

Sendo um pesquisador, deixo uma mensagem aos nossos leitores, no que tange ao nosso grandioso eucalipto, pois ele nos dá a grande oportunidade de realizarmos os saltos tecnológicos de que tanto precisamos. Trata-se de uma espécie ainda pouco conhecida, no que diz respeito à qualidade da sua madeira, para a fabricação de produtos florestais.

A nossa liderança no uso do eucalipto, aliada ao desconhecimento da sua madeira, dá-nos a oportunidade de criarmos nossas próprias tecnologias, diferenciando-nos nos mercados. No Brasil desenvolve-se uma grande variedade de espécies puras, de híbridos e de clones de eucalipto, que formam uma matriz madeireira fantástica, ainda muito pouco conhecida, no que tange à sua química, sua anatomia e seu comportamento no processamento industrial.

Por exemplo, o conhecimento que os países escandinavos possuem das suas poucas madeiras é absolutamente fantástico. Costumo dizer que eles sabem a localização de cada carbono nas madeiras de abeto escandinavo (Picea abies), bétula branca (Betula payrifera) e pinheiro escocês (Pinus sylvestris). Não podemos esquecer que o custo e a qualidade da madeira são, isoladamente, os principais fatores que afetam o sucesso do empreendimento de celulose e papel.