O Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA), lançado pelo Ministério do Meio Ambiente, busca melhorar a qualidade ambiental para gerar um progresso na qualidade de vida dos brasileiros. Nesse programa, o monitoramento ambiental é definido como sendo o “conhecimento e acompanhamento sistemático da situação dos recursos ambientais dos meios físico e biótico, visando à recuperação, melhoria ou manutenção da qualidade ambiental”. O programa define ainda que a qualidade ambiental depende do controle das alterações das variáveis ambientais devido a fatores antrópicos e naturais.
Nesse contexto, recursos hídricos requerem um monitoramento constante, tanto em relação à quantidade quanto à qualidade. A redução em qualquer uma delas traz a diminuição na qualidade de vida, seja pela menor produção de produtos agroflorestais, seja pela perda ao acesso à água limpa para consumo humano. No nível federal, o monitoramento é executado por diversos atores, como a Agência Nacional de Águas e a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e a Agência Nacional de Mineração, a qual é responsável pela fiscalização das atividades de mineração.
O monitoramento é realizado tradicionalmente in situ, através de uma rede de estações de medição fluviométricas, pluviométricas, de qualidade de água e outros. Para um país de tamanho continental como o Brasil, essa rede não consegue prover um acompanhamento abrangente. Devido a esse problema, a solução de complementar o monitoramento utilizando imagens de satélite de sensoriamento remoto é proposta no presente artigo. Deve-se observar que discutiremos apenas o monitoramento da superfície, excluindo o monitoramento de recursos hídricos subterrâneos, devido à incapacidade de penetração dos meios utilizados no sensoriamento remoto por satélite.
Os aspectos a serem considerados para o uso de imagens de sensoriamento remoto são o recobrimento da área por satélites e as técnicas de extração de informação. Pode-se considerar que existe uma cobertura por satélites de observação da Terra que permite uma revisita (resolução temporal) diária de qualquer área do território brasileiro. Entretanto deve-se levar em conta os aspectos de custo e de resolução espacial.
A Carta Internacional Desastres e Grandes Desastres, uma colaboração entre agências espaciais da qual o INPE faz parte, lista 34 satélites com resolução espacial variando de 0,5 metro a 1.000 metros. Os satélites de resolução espacial menores do que 5 metros e a maior parte dos que utilizam radar são comerciais. Para um sistema de monitoramento contínuo em larga escala, a solução deve excluir o uso contínuo de satélites comerciais, o que implicaria em custo inviável.
Os satélites que provêm imagens de distribuição ampla e gratuita sobre o território brasileiro sistematicamente são o Landsat-8, os Sentinel 1A/1B/2A/2B, Resourcesat-2 e CBERS-4. A resolução espacial das imagens obtidas por esses satélites está na faixa entre 5 e 64 metros, com uma resolução temporal entre 3 e 52 dias. Com eles, é possível obter imagens de resolução espacial de 64 metros a cada 3 dias (do sensor WFI do CBERS-4) e com 10 metros a cada 10 dias (do par de satélites Sentinel 2A e 2B).
Adicionalmente, os satélites Sentinel 1A e 1B possuem revisita de 12 dias, com resolução espacial de 10 metros. Entretanto a disponibilidade de imagens não pode ser garantida devido à programação da aquisição pelo sensor radar ser mais complexa. Porém essas imagens podem complementar as observações dos outros satélites.
Com exceção das imagens dos Sentinel-1A e 1B, todas as outras têm sensores que adquirem a energia eletromagnética nas bandas da luz visível ou próximas a elas. Em comum, as bandas da luz visível Verde (G - 525 a 600 nm) e Vermelho (R - 625 a 700 nm) e do Infravermelho Próximo (Near-IR - 775 a 900 nm) são adquiridas por esses sensores. As técnicas de extração de informação para monitoramento de recursos hídricos devem utilizar somente os dados comuns aos diferentes satélites, indicando que devem extrair informações somente das bandas G, R e Near-IR.
Como indicado no início deste artigo, as informações a serem extraídas das imagens são somente sobre a superfície da lâmina de água e são sobre a área da lâmina e a cor da água. A área da lâmina de água pode ser utilizada para definir a disponibilidade hídrica, a qual tem como casos extremos a inundação e a seca. Em relação à cor, ela é uma indicadora da qualidade da água, sendo alterada em função da existência de sedimentos, vegetação ou algum poluente.
A extração de área da superfície de lâmina de água pode ser efetuada por diferentes técnicas de processamento de imagens. Este autor desenvolveu uma metodologia que considera que a componente matiz de uma imagem colorida criada com as três bandas permite separar áreas nas imagens sobre lâminas de água das sobre outro tipo de cobertura.
Essa técnica foi empregada em vários trabalhos, incluindo a criação de um mapa base de lâminas de água para todo o Brasil, com resolução espacial de 5 metros, disponível no endereço www.dpi.inpe.br/waterbodies.A definição do volume de água disponível em um reservatório a partir da área com superfície de água depende da existência da relação entre o volume e a área.
Essa relação é representada por uma curva que é requerida nos processos de homologação do reservatório. A crise hídrica no Sistema Cantareira, o qual abastece a Grande São Paulo, em 2014/2015, permitiu testar a confiabilidade dos dados sobre volume de água extraídos da imagem do satélite Landsat-8. O erro percentual médio foi de 2%, com um erro máximo de 5%.
Deve-se ressaltar que a técnica pode ser empregada com diferentes satélites, sensores e resoluções espaciais, tendo como limite do erro a relação entre a área do reservatório e o tamanho do pixel da imagem. A mesma técnica pode ser aplicada para qualquer reservatório, desde que exista, ou seja possível inferir, a curva área por volume. Uma alternativa sugerida é considerar que reservatórios em uma região com características geomorfológicas similares têm curvas similares.
Desse modo, podem-se aproveitar informações de reservatórios homologados para estimar volumes de água em reservatórios sem informação sobre a sua implantação. Essa metodologia deve permitir que os pequenos reservatórios de regiões de difícil acesso sejam monitorados.
As diferenças na cor expressam as diferentes proporções de energia eletromagnética refletidas por cada objeto na imagem. No caso da água, essas proporções são indicativas de sua qualidade, que pode estar comprometida por sedimentos, vegetação ou outro poluente. Dessa maneira, as técnicas de extração de informação buscam definir se as diferenças nas proporções indicam alterações dentro de parâmetros seguros ou se estão além deles.
Para o caso de segurança em barragens, muito conhecido atualmente devido aos acidentes em Mariana e Brumadinho, a cor pode ser utilizada para monitorar alterações no barramento e em seu entorno. Por exemplo, um barramento com infiltração de água terá a cor alterada devido à presença de umidade ou pelo crescimento de vegetação. Quando a operação segura de uma barragem não permite a existência de lâmina de água à montante do barramento, a informação extraída deve ser sobre a sua presença e, caso ocorra, se a água está a uma distância segura em relação ao barramento.
Concluindo, é possível complementar o monitoramento de recursos hídricos existente com o uso de imagens de satélite de Observação da Terra com um custo muito baixo. Para isso, é necessário criar um sistema de demonstração para integrar e testar as técnicas de processamento de imagens existentes e desenvolver novos métodos para extração e integração de informação.