A profissão de engenheiro florestal teve o seu primeiro curso estabelecido no Brasil na Universidade Federal de Viçosa, em 1960, devido à crescente demanda pelo manejo de recursos florestais. A cada ano, novos cursos são implementados, e, entre 2000 e 2019, o número passou de 21 para 76, e a quantidade de engenheiros florestais formados anualmente explodiu: de cerca de 300 para 1.500 profissionais. Esse crescimento foi similar ao crescimento de graduados em todas as áreas nas últimas duas décadas, que passou de 325 mil para 1,25 milhão de profissionais, um aumento de 385%.
Apesar da larga abrangência de atuação do profissional florestal e da sua importância socioambiental e econômica para o País, esse rápido crescimento, ao mesmo tempo em que preenche uma lacuna, gera maiores salários trazidos pelo aumento no grau de escolarização, mas pode resultar no aumento de profissionais não atuando na área de formação ou em empregos que demandam uma menor qualificação.
Nos últimos 20 anos, a quantidade de formados em biologia cresceu 371%. A agronomia formava cerca de 3 mil e hoje são mais de 12 mil anualmente. A engenharia ambiental formou apenas 17 profissionais em 2000, enquanto, hoje, graduam-se 6 mil profissionais por ano. Cenário similar ocorre com o curso de gestão ambiental, que não existia em 2000, e, atualmente, formam 6 mil gestores ambientais. Todas as profissões buscam desenhar o seu projeto pedagógico de acordo com as demandas da sociedade, e é altamente enriquecedora a inserção da diversidade de profissões ocupando o mesmo ambiente de trabalho florestal.
Outro fator que pode pesar na inserção do jovem profissional no mercado de trabalho é a atualização dos currículos acadêmicos da engenharia florestal. O mundo passou por inúmeras mudanças desde a criação do primeiro curso de engenharia florestal no Brasil, mas o currículo – de maneira geral – não acompanhou essa transformação. A população triplicou, passando de 72 para 210 milhões.
O percentual de pessoas morando no meio rural passou de 55% para 15%. A demanda por produtos florestais é crescente, basta ver o exemplo da produção mundial de papel tissue (papel higiênico, papel toalha), que foi de 3 milhões para 35 milhões de toneladas por ano. O açaí, como um dos principais produtos florestais não madeireiros, passou de uma produção “caseira” concentrada no Norte do País para mais de 1,3 milhão de toneladas ao ano.
Não se cogitava, há seis décadas, a existência de um mercado de carbono, e, atualmente, empresas, ONGs e profissionais se especializam na quantificação e na gestão desse mercado. Os atuais sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ou sistemas agroflorestais) já ocupam cerca de 3 milhões de hectares, segundo a Rede iLPF. Por fim, a restauração sempre foi tema desde a criação do curso, mas a chamada Década da Restauração, a ser lançada pela Organização das Nações Unidas em junho de 2021, impulsionará a temática junto à sociedade.
Destacamos que o currículo acadêmico que nos trouxe até aqui foi excepcional e pensado por grandes mestres. Ele serviu para tornar-nos líderes mundiais em muitas áreas das ciências florestais. Somos respeitados em qualquer canto no “mundo florestal”. Porém precisamos repensar a formação do profissional florestal dentro das universidades, e uma das formas de modernizar a formação é por meio da revisão do currículo dos cursos.
As mudanças nas últimas décadas não foram refletidas nos currículos. Para isso, basta observar a matriz curricular do primeiro curso em 1960. O primeiro semestre possuía as disciplinas básicas, como matemática, química, física, botânica e desenho, além da introdução à engenharia florestal. No meio do curso, havia disciplinas como dendrometria, dendrologia, anatomia e tecnologia da madeira. Já o último semestre, com inventário, política e legislação, ordenamento florestal, economia, fitopatologia e proteção de áreas naturais.
Notam-se hoje mais de 80% de semelhança com a primeira grade curricular. Certamente, houve atualização nas ementas e conteúdos, porém a estrutura e os métodos de ensino permanecem quase inalterados, o que tende a manter os estudantes com uma atuação passiva em seu próprio processo de aprendizagem. Há necessidade de modernização e alinhamento dos métodos e das abordagens pedagógicas, estimulando o pensamento crítico e a aprendizagem autônoma, pois acesso ao conteúdo e materiais não são mais problema.
Fizemos um levantamento de vagas oferecidas para engenheiros florestais no País entre 2018-2020. Avaliamos mais de 200 vagas oferecidas a profissionais recém-formados por empresas, consultorias e ONGs nos últimos 3 anos. Observa-se que TODAS as habilidades exigidas pelas organizações nos processos seletivos não são obtidas em sala de aula. Baseados nessa realidade, desejamos lançar algumas ideias para discussão de reformulação do curso.
1) Aumentar a vivência prática fora da sala de aula, para além dos muros da universidade, para que os futuros profissionais possam vivenciar a profissão in loco. Com o processo de urbanização, é crescente a falta de conexão do jovem com o meio rural, e apenas a vivência poderá aproximar o estudante da “realidade florestal”. Além do aumento do tempo e do incentivo à realização de estágios, uma das maneiras de fomentar a prática é introduzir na matriz curricular os chamados “cursos de verão”, como ocorre na América do Norte e na Europa, nos quais os estudantes passam entre 1 e 3 meses em campo praticando atividades florestais diversas, fomentando a interdisciplinaridade e o desenvolvimento do pensamento crítico.
2) A pandemia acelerou a importância de trabalhos em rede. A colaboração virtual possibilitou ao estudante “vivenciar” outra rotina, mesmo que há milhares de km de distância. Por que não termos mais disciplinas “interbiomas”, conectando graduandos de todas as regiões do País ou até mesmo do mundo?
3) Focar em análise de dados, gestão de banco de dados e linguagens de programação, como SQL, R e Phyton, em substituição à tradicional informática, uma vez que 48% das vagas exigiam Excel avançado (ou linguagem de programação) e 39% demandavam conhecimento em análise de dados. Técnicas de sensoriamento remoto e SIG são cada vez mais requisitadas (incríveis 23% das vagas) e devem ter um espaço maior nas matrizes curriculares.
4) Fomentar o uso da língua inglesa, como, por exemplo, através de disciplinas realizadas de maneira virtual para diversos países, em que há a interação de estudantes de várias partes do mundo para debaterem grandes problemáticas atuais. O inglês deve ser, de fato, incorporado às bibliografias obrigatórias para motivar os estudantes a buscarem mais pelo idioma e por informações em outros materiais de qualidade, principalmente em periódicos científicos de alto impacto. No nosso levantamento, 43% das vagas exigiam inglês avançado.
5) Reduzir disciplinas básicas como física, química, matemática e biologia celular, incorporando parte de seus conteúdos em disciplinas florestais. As disciplinas básicas são importantes e essenciais, mas poderiam ser tratadas fora de uma matriz oficial, muito mais como um reforço do ensino médio e do conhecimento mais aprofundado, fomentando inclusive a aprendizagem autônoma. Além disso, os dois primeiros anos devem servir para motivar os estudantes a encontrarem alguma área de interesse e vislumbrar as infinitas possibilidades de atuação profissional, principalmente pelo fato de este ser o momento em que há a maior desistência do curso (80% da evasão ocorre nos dois primeiros anos, dados UFRPE).
6) Assuntos como sistemas agroflorestais, empreendedorismo, produtos florestais não madeireiros, bioeconomia, energia florestal, mercado de carbono, manejo da paisagem devem fazer parte dos conteúdos devido à atualidade dos temas, bem como para atrair os futuros universitários. A incorporação de atividades extraclasse voltadas ao aprimoramento de habilidades interpessoais e técnicas de gestão também necessitam de atenção especial.
O CREA tem se movimentado para realizar a discussão do currículo, bem como individualmente os cursos precisam aprimorar o seu projeto pedagógico. Na UFRPE, estamos fazendo um esforço coletivo a fim de aumentar as horas práticas dos estudantes e de revisar o currículo buscando a sua modernização. Por iniciativa de um grupo de alunos do primeiro período, foi criado o Grupo de Práticas Florestais, que possui o objetivo de dar aos alunos os seus próprios projetos, em lugar de seguirem um pós-graduando em seu projeto de pesquisa.
Também estamos criando a disciplina chamada “Global Forestry”, com o intuito de abranger a terceira sugestão comentada. O esforço conjunto dos estudantes e docentes da instituição permitiu elevar a taxa de atuação na área florestal de 33% para 74%, quando comparamos o biênio 2019-2020 com o período entre 2008 e 2017, chegando a um nível similar ao obtido pela escola de referência desse levantamento, a Esalq-USP, onde, no mesmo período, cerca de 80% dos formados atuavam na área.
Sabemos que os currículos devem seguir algumas diretrizes das engenharias e da engenharia florestal regidas pelo Ministério da Educação. Porém, como próximo passo, lançamos aqui o desafio de a academia reunir a todos os setores envolvidos (estudantes, CREA, empresas privadas, consultorias, startups, ONGs, setor público) para fomentar a intensificação da participação dos estudantes em estágios extracurriculares, a criação de programas que ajudem os recém-formados a ingressarem no mercado de trabalho, como é o caso do PPGF/IPEF, além da realização de uma ampla discussão e consolidação de um currículo mais aderente ao momento atual da sociedade, flexível o suficiente para acompanhar as mudanças, mas sem perder os lastros no passado glorioso que nos trouxeram até aqui.