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Cláudia Maria Lico Habib

Promotora Pública do Gaema - Ribeirão Preto

Op-CP-39

Aquífero Guarani

O Aquífero Guarani é um dos maiores mananciais de água doce subterrânea do planeta, com uma área aproximada de 1,2 milhão de km2 e um volume de 50 mil km3. É transfronteiriço, 850 mil km2 encontram-se no Brasil, – representando 71% – atingindo os estados de MT, MS, GO, SP, MG, PR, SC e RS, além da Argentina (225 mil km2), Paraguai (75 mil km2) e Uruguai (45 mil km2).

A formação do Sistema Aquífero Guarani (SAG) deu-se há cerca de 130 a 200 milhões de anos. Nessa época, um imenso deserto cobria grande parte da atual América do Sul, com ocorrência de gigantescas dunas de areia que, após concrescimento dos grânulos de areia e metamorfismo do material devido ao calor, à pressão e à cimentação parcial, deram origem aos arenitos das formações Botucatu e Piramboia, que têm como característica a grande quantidade de vazios intercomunicantes, que determinam a alta porosidade dessas rochas, condição excelente para o armazenamento de água.

Durante a separação dos continentes, a crosta terrestre passou por um intenso vulcanismo fissural, que resultou no recobrimento total ou parcial dos arenitos, tornando-os parcialmente confinados e protegidos a profundidades de alguns poucos metros até 2.000 metros. O preenchimento dos espaços vazios existentes entre os grãos de arenito pelas águas que penetraram lentamente no antigo deserto, ao longo de milhões de anos, deu origem ao Sistema Aquífero Guarani.

Dada a magnitude do manancial, existe a crença largamente disseminada, mas absolutamente falsa, de que as águas por ele armazenadas são inesgotáveis. Infelizmente, tal fato não é verdadeiro, e um rebaixamento acentuado do nível freático do manancial, de aproximadamente 70 metros, foi constatado nas últimas décadas. Atualmente, o rebaixamento ocorre a uma  velocidade aproximada de 1 m/ano.

Diante dessa realidade, que exige muita cautela e a adoção imediata de medidas cautelares, o Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Gaema, vem ajuizando ações públicas e instaurando inquéritos civis para apuração de quatro questões naquilo que diz respeito ao uso e ocupação do solo: garantia da permeabilidade, especialmente nas áreas de afloramento; saneamento dos passivos ambientais; controle da exploração dos poços de captação de águas subterrâneas, e ocupação desordenada.


Garantia da permeabilidade e Ocupação desordenada: Os aquíferos são recarregados, em regra, pela infiltração das águas da chuva. Assim, é fundamental que os pontos de recarga tenham áreas suficientes destinadas à permeabilidade, bem como cobertura vegetal. Em se tratando de áreas de recarga que se situam em regiões urbanas, a situação exige maior cautela. Torna-se necessário que os empreendimentos que ali se instalarem destinem áreas significativas para a mantença de permeabilidade.  A ocupação desordenada do solo nas áreas de recarga está provocando o comprometimento da qualidade e da disponibilidade hídrica dos aquíferos.

As legislações municipais devem, obrigatoriamente, ter dispositivos que protejam, de forma eficaz, o uso e a ocupação do solo nas áreas de recarga. Infelizmente, os municípios nem sempre dão a devida atenção a isso, o que manifesta ofensa aos princípios constitucionais da supremacia do interesse público sobre o particular, bem como ao desenvolvimento sustentável – que deve atender às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades.

Controle de exploração excessiva: O rebaixamento existente nas águas armazenadas pelo Aquífero Guarani tem como uma das causas a superexplotação ou superexploração. A exploração dessas águas é maior que a recarga, em função dos usos industriais, abastecimento público e rural.

Além da exaustão do aquífero, a superexplotação pode provocar a contaminação do solo e a subsidência de solos – o afundamento do solo causado pela perda de suporte subjacente, provocando uma compactação diferenciada do terreno que leva ao colapso das construções civis.

Nesse passo, o monitoramento dos poços de captação que possuem outorgas expedidas pelo DAEE é de suma importância. No que diz respeito aos poços clandestinos, eles representam o máximo da irresponsabilidade humana, o que é inadmissível – em qualquer tempo e, especialmente, em tempo de crise hídrica –, pois causam sérios riscos de contaminação, especialmente em se tratando das áreas de recarga, além de comprometer o sistema de abastecimento.

O Comitê da Bacia do Pardo editou a deliberação CBH-Pardo 04/06, regulando a perfuração de poços de captação no município de Ribeirão Preto, em razão da existência do “cone” profundo de rebaixamento. Em locais específicos, admite-se a perfuração apenas para abastecimento público. Nos demais, admite-se a perfuração, desde que haja distanciamento mínimo de 1.000 m entre os poços.

Saneamento de passivos e prevenção de contaminação: As áreas existentes sobre o Aquífero não podem ser objeto de vazadouros de lixo a céu aberto, depósito de lixos superficiais ou vazamentos de esgoto. As áreas rurais necessitam de controle no que diz respeito ao tipo de cultura e aos usos de insumos e agrotóxicos. A exploração do solo para atividades agrícolas também pode contribuir para impermeabilização das áreas de recarga e contaminação das águas.

Ressalte-se que parte significativa das propriedades agrícolas que se localizam nas áreas de recarga do manancial não possuem remanescentes florestais preservados e são desprovidas de Áreas de Preservação Permanente, fatores que agravam sensivelmente a degradação ambiental. Isso porque os maciços arbóreos contribuem para o aumento da taxa de infiltração das águas.

Infelizmente, existem diversos exemplos no mundo de esgotamento de aquíferos por superexplotação para uso em irrigação. Os empreendimentos imobiliários causam significativo impacto, já que o parcelamento do solo para fins residencias, comerciais e industriais implica a impermeabilização de porcentagens significativas do solo e comprometimento da infiltração das águas pluviais. Os princípios da precaução e da prevenção devem reger as atividades industriais e rurais nesses locais, de modo que, havendo dúvida quanto à danosidade da atividade, ela não deverá ser realizada.

Conclusão: Nada obstante a magnitude do Aquífero Guarani, suas águas são finitas e, em decorrência da ação danosa do homem, estão sofrendo severos danos ambientais. Calcula-se que a extração anual dos aquíferos é de 160 bilhões m3 no mundo. Em quase todos os continentes, muitos dos principais aquíferos estão sendo exauridos com uma rapidez maior do que sua taxa natural de recarga.

A mais severa exaustão de água subterrânea ocorre na Índia, na China, nos Estados Unidos, no Norte da África e no Oriente Médio, causando um déficit hídrico mundial de cerca de 200 bilhões de m3 por ano. O esgotamento das águas subterrâneas já provocou o afundamento dos solos situados sobre os aquíferos na cidade do México e na Califórnia, Estados Unidos.

E, mesmo com esse cenário, as águas subterrâneas são apontadas como a salvação da crise hídrica. Isso é muito preocupante, pois simplesmente não é verdadeiro. Já sabemos, inquestionavelmente, aonde iremos chegar se tratarmos as águas subterrâneas da mesma forma com que cuidamos das superficiais. O uso racional das águas subterrâneas e o efetivo controle da sua captação são pontos chaves na condução dessas questões. Em 2009, na 3ª Conferência Mundial sobre o clima, Ban Ki-monn, o secretário-geral da ONU, nos alertou que “O tempo de hesitar acabou. Precisamos que o mundo inteiro entenda, de uma vez por todas, que a hora de agir é agora e que devemos trabalhar juntos para enfrentar esse desafio monumental. Esse é o desafio moral de nossa geração”.