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Ana Clara Caxito de Araújo

Pesquisadora do Centro de Inovação e Tecnologia do Senai da Federação das Indústrias de Minas Gerais

OpCP65

Aplicação prática da densidade da madeira
O atual e cada vez mais grave cenário em que a humanidade se encontra, de pressão e riscos de esgotamento dos recursos naturais, tem nos forçado a desenvolver soluções para o uso racional e otimizado desses recursos, visando à sustentabilidade ambiental, social e econômica. Entre todos os recursos que uma floresta produz, bens e serviços, a madeira tem posição de destaque na economia nacional, sendo fundamental o amplo conhecimento desse recurso para o desenvolvimento de soluções satisfatórias aos desafios a serem enfrentados.
 
Quando o assunto é a qualidade da madeira, sem dúvida, a propriedade mais importante é a densidade. A densidade básica (Db) é mensurada por meio da relação entre a massa seca e o volume verde de um corpo de prova e impacta o comportamento tecnológico da madeira, como resistência mecânica, retratibilidade, secagem e trabalhabilidade; os custos operacionais e a qualidade do produto final. 
 
Variáveis quantitativas, como a determinação da biomassa, a fim de quantificar o estoque de carbono, o volume e a massa transportada de madeira, também passam, inicialmente, pela quantificação da densidade básica, que é uma característica facilmente mensurável, porém complexa, de difícil predição e modelagem de seu padrão de variação, devido à heterogeneidade e anisotropia da madeira. 
 
A densidade básica (Db) é uma propriedade da madeira de cada espécie arbórea, que, por ser um material biológico, apresenta uma grande variação entre as espécies de árvores e até mesmo dentro do fuste de uma mesma árvore. A exemplo dessa variedade, cito alguns extremos que podem ser representados pela madeira de Ochroma pyramidale  (pau-de-balsa) e de Caesalpinia leiostachya (pau-ferro), em que a densidade básica é de cerca de 200 kg/m3 e 1.400 kg/m3, respectivamente.

Esses materiais possuem comportamento tecnológico totalmente distinto e requerem definições de procedimentos operacionais também diferenciados, como os métodos e as ferramentas de corte para desdobro, usinagem, laminação e cavaqueamento; os programas de secagem; os programas de carbonização e a quantidade de reagentes para cozimento e branqueamento da celulose. 
 
Essa diferença afeta o custo de produção, o tempo do processamento industrial da madeira e o rendimento e qualidade do produto final nas diferentes cadeias de negócio. A definição da espécie apropriada para o uso pretendido, considerando a densidade da madeira, parece ser uma tarefa relativamente simples.

A seleção de uma espécie de alta densidade para laminação, por exemplo, pode inviabilizar a atividade por requerer elevada energia de corte e desgaste frequente de ferramentas; já o uso de uma madeira muito leve para produção de carvão vegetal pode proporcionar baixo rendimento da carbonização e baixa densidade energética do biorredutor.

Assim, os diferentes segmentos industriais que utilizam a madeira como matéria-prima trabalham com faixas de densidade mais apropriadas para o processo produtivo, a fim de direcionar tomadas de decisões. Além da variabilidade da Db da madeira entre as espécies lenhosas, esta também se expressa dentro do fuste de uma mesma árvore.

Características ambientais induzem padrões de densidade da madeira, como é o caso da formação dos anéis de crescimento, onde características climáticas mais favoráveis ao desenvolvimento cambial proporcionam a formação de uma madeira menos densa: o lenho inicial; ao passo que, durante as estações do outono e inverno, tem-se uma fase de baixa atividade cambial e crescimento lento, quando se forma uma madeira mais densa: o lenho tardio. 
 
Além dessa peculiaridade na formação dessa matéria-prima, cita-se ainda a variação de densidade, devido à idade fisiológica e cronológica das células, de forma que, ao longo dos anos, a árvore passa a produzir uma madeira mais densa, chegando à fase de produção de madeira denominada “adulta”. Assim, sabemos que a madeira de uma posição mais externa no tronco possui maior densidade que aquela da região medular. 
 
Uma variação decrescente também ocorre no sentido vertical, considerando a altura do fuste, de forma que posições mais próximas ao ápice apresentam menor densidade. Diante de tamanha variabilidade dentro de uma mesma árvore e da influência da densidade no comportamento tecnológico da madeira, temos uma dimensão dos desafios da indústria para lidar com essa matéria-prima, seja na condução do povoamento florestal ou no processamento industrial. 
 
As técnicas de manejo que favorecem o crescimento arbóreo tendem a acarretar decréscimo na densidade básica da madeira. A fertilização nos estágios iniciais de crescimento, visando à produtividade potencial, ao espaçamento de plantio mais amplo e aos desbastes intensos, geralmente reduz a densidade da madeira e também influe na sua heterogeneidade dentro do fuste; por outro lado, se essas intervenções no povoamento florestal ocorrerem de forma a elevar a proporção de madeira adulta ou de lenho tardio no fuste, o esperado é que haja o incremento da Db média da madeira.  
 
Nesse sentido, a determinação da densidade básica e a densidade aparente da madeira tem sido inserida na rotina de empresas, a fim de utilizar esse material de forma mais inteligente e sustentável, e as pesquisas estão bem desenvolvidas, no sentido de conhecer os padrões de variação dessa propriedade. Diferentes técnicas para estimar a Db, das mais simples às mais rebuscadas, como o Pilodyn, espectroscopia no infravermelho próximo (NIRS), densitometria de raios X e resistógrafo, têm se mostrado eficientes, porém, até o momento, têm sido aplicadas apenas no contexto de pesquisa ou testes em pequena escala. 
 
Contudo se faz necessário o avanço da aplicabilidade dos conhecimentos sobre a densidade da madeira em dois sentidos:
 
1) na consolidação do uso em larga escala de métodos de determinação da Db, que sejam rápidos, confiáveis e de baixo custo para subsidiar a seleção de espécies com densidades mais estáveis ao longo do tronco, e a determinação da Db da madeira em linhas de produção, visando à formação de lotes com densidade mais homogênea, proporcionando a possibilidade de adequar o processo operacional ao lote a ser trabalhado; e, 
 
2) quanto à predição da Db frente ao manejo do povoamento florestal, considerando que qualquer ação nesse povoamento que impacte a dinâmica do crescimento arbóreo, certamente, trará consequências para a densidade da madeira, sendo necessário atuar no conhecimento e controle da magnitude desse impacto.
 
Diante da diversidade de espécies lenhosas, da anisotropia da madeira e dos impactos na indústria, ainda nos questionamos sobre como obter a matéria-prima com qualidade ideal para o produto desejado e como utilizar o conhecimento atual a respeito da densidade, no que tange à sua variação em resposta ao manejo e às técnicas de medição disponíveis, para tomar decisões assertivas, otimizar processos e fazer planejamentos de curto, médio e longo prazo.

Assim como em outros campos de conhecimento, a ferramenta fundamental para esclarecer esses questionamentos e gerar cada vez mais tecnologias que impulsionem a indústria e dê competitividade aos produtos derivados da madeira é a pesquisa e o desenvolvimento, de forma integrada entre a indústria e os centros de pesquisa.