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Julio Cezar Franchini

Pesquisador da Embrapa Soja

Op-CP-40

Soja em solos arenosos e clima quente
Na última década, muitas áreas, antes ocupadas com pastagens perenes, especialmente com espécies de braquiária, foram convertidas em cultivos de soja. O solo dessas áreas apresenta baixos teores de argila (inferiores a 20%), o que confere baixa capacidade de retenção de água e alta suscetibilidade à erosão. Associados ao baixo teor de argila, também ocorrem baixos teores de matéria orgânica e nutrientes, o que gera a necessidade de se acumular matéria orgânica no solo para melhorar a estrutura do solo e aumentar a capacidade de troca de cátions (CTC) e a retenção de água.

Isso impõe um grande desafio ao manejo do sistema de produção nessas áreas, para permitir o cultivo de espécies graníferas com rentabilidade satisfatória. Esse contexto é observado na região noroeste do Paraná, também conhecida como Arenito Caiuá. 
A inserção de culturas graníferas em áreas de pastagens perenes representa uma alternativa para compor sistemas integrados, refletindo-se em vários benefícios agronômicos e ambientais, principalmente pela sinergia do cultivo de espécies gramíneas (pastagens) com espécies leguminosas, no caso, a soja. Portanto a inserção da soja, de forma integrada, com pastagens em regiões com solos arenosos pode ser uma grande oportunidade para otimizar o uso dessas áreas. 
 
A região noroeste do PR abrange 107 municípios e 16% da área do estado (3,2 milhões de ha). O clima é subtropical, com as menores precipitações pluviais ocorrendo nos meses de junho a agosto, o que pode reduzir ou comprometer a produção vegetal nesse período. A cadeia produtiva agropecuária mais importante no noroeste do PR é a pecuária de corte, com cerca de 1,9 milhão de cabeças. Em geral, não são realizadas adubações de correção e manutenção necessárias para que haja produção, qualidade e persistência forrageira adequadas. 
 
Dessa forma, a produtividade animal, nessa região, é, em geral, muito baixa. Na década de 1990, a lotação de bovinos em 45 municípios da região estava abaixo de 1,20 UA ha-1, enquanto, em outros 62 municípios do estado, a média de lotação era de 1,73 UA ha-1. Na última década, essa situação não evoluiu em propriedades que mantiveram a pecuária dissociada da agricultura. Em termos de produtividade animal, é comum as fazendas de pecuária de corte que não conseguem obter mais do que 150 kg de ganho de peso vivo por hectare por ano, praticamente inviabilizando a atividade.
 
Neste artigo, analisaremos o caso da Fazenda Santa Felicidade, cujo proprietário é o médico veterinário, especialista em iLP, Antonio Cesar Pacheco Formighieri. A fazenda está localizada em Maria Helena, no Paraná, com 151 ha ocupados com a cultura da soja no verão e pastagem anual de inverno, 161 ha com pastagem perene e 13 ha com eucalipto. Até o ano de 2001, a atividade principal da propriedade era a criação de bovinos para a produção de carne e de leite.

As pastagens estavam em estado de degradação, e a única forma de viabilizar a recuperação da área foi a introdução da soja, a qual ocorreu via preparo convencional do solo para incorporar o calcário e corrigir as irregularidades no microrrelevo do terreno. Nessa fase de implantação, com revolvimento do solo, foram identificados três problemas graves: 

 
a. alta erosão hídrica; comum em solo arenoso;
b. alta incidência de plantas daninhas na cultura da soja não transgênica, já que, na época, o cultivo de soja RR não era regulamentado no Brasil;

c. baixo estande da soja, pois o solo revolvido apresentava baixa capacidade de retenção de água e alta temperatura.
 
A partir de 2005, novas tecnologias foram incorporadas ao sistema de produção, facilitando o manejo, reduzindo custos e proporcionando aumento de produtividade. Na última década, os principais fatores que alavancaram a iLP na fazenda Santa Felicidade são listados a seguir: 

a. uso de cultivares de soja tolerantes ao glifosato (soja RR). Essa tecnologia mudou radicalmente a iLP na fazenda, pois facilitou o manejo de plantas espontâneas de braquiária, que emergiam durante o ciclo de desenvolvimento da soja; 
b. aprimoramento da condução do Sistema Plantio Direto (SPD). Atualmente, todas as culturas e pastagens são implantadas em SPD, com aplicação superficial de corretivos e ajuste das irregularidades do terreno somente nos pontos necessários. 
c. uso de cultivares de soja com tipo de crescimento indeterminado com ciclo de desenvolvimento de, aproximadamente, 120 a 130 dias, adaptadas às condições edafoclimáticas da região. O aumento do período de florescimento, observado em cultivares com tipo de crescimento indeterminado, reduz os riscos de estresse por déficit hídrico e/ou calor excessivo; 
d. utilização da Urochloa ruziziensis entre duas safras de soja para a produção de forragem de alta qualidade, nos meses de maior escassez de alimento – maio a setembro. Além disso, a U. ruziziensis funciona como planta de cobertura do solo, proporcionando palha e crescimento de raízes, fundamentais para o incremento da qualidade e a conservação do solo e da água. Observou-se aumento significativo (10 a 15%) na produtividade da soja cultivada em sucessão à pastagem de U. ruziziensis, comparativamente à sucessão de pousio ou milho safrinha;
e. a atuação da Cocamar, principal cooperativa da região, como agente de difusão de tecnologias associadas a iLP.

Nos últimos 10 anos, a média de produtividade de soja na Fazenda Santa Felicidade foi de 2.530 kg ha-1. Nesse período, a pior safra foi a de 2005/06 (1.726 kg ha-1) e a melhor 2010/11 (3.532 kg ha-1). O principal fator determinante da produtividade é a ocorrência de déficit hídrico associado com altas temperaturas nas fases de florescimento e enchimento dos grãos. A análise da produtividade nos últimos 10 anos revela que, nas piores safras, a cultura da soja praticamente não remunerou o produtor, mas, na média, a cultura gerou rentabilidade satisfatória. Adicionalmente, a produtividade obtida em 2010/11 indica que, se as tecnologias para o cultivo da soja forem adotadas e não ocorrerem déficits hídricos expressivos, a produtividade pode ser superior a 3.500 kg ha-1.

Além disso, o papel mais importante da soja é na melhoria das condições químicas do solo geradas pelo seu cultivo, permitindo alta produção forrageira em sucessão à cultura. Nesse contexto, há sinergia entre o cultivo de pastagens e de soja. A pastagem melhora a estrutura do solo e aumenta os estoques de carbono orgânico. Paralelamente a isso, a soja proporciona melhoria nos atributos químicos do solo, favorecendo a pastagem cultivada em sucessão.
 
Foram mensuradas produtividades de até 6 t ha-1 de matéria seca de U.ruziziensis entre os meses de maio e setembro, expressando o grande potencial de produção de forragem nos meses em que, tradicionalmente, há baixa disponibilidade de forragem na região. Nesse período, foram produzidos 100 litros de leite ha-1 dia-1 (5 vacas com produção média de 20 litros), utilizando-se ração para complementar a dieta. Para o gado de corte, obteve-se 0,65 kg dia-1 de ganho de peso para cada animal, utilizando-se lotação média de 4 UA ha-1, o que confere ganho de aproximadamente 2,6 arrobas ha mês-1, sem complementação de ração ou silagem.

Mesmo após a utilização da U.ruziziensis como forragem de entressafra, a mesma conferiu adequado aporte de palha para o cultivo de soja em plantio direto na sucessão. 
Através de análises químicas de solo anuais nas profundidades de 0 a 20 cm e de 20 a 40 cm, constataram-se aumentos nos teores de nutrientes e no estoque de carbono orgânico do solo nas duas camadas amostradas. Isso é particularmente importante, uma vez que o sistema preconiza a formação de perfil de solo com alta fertilidade, a fim de promover elevado crescimento de raízes em profundidade para tolerar eventuais veranicos.
 
Considerando-se que a pastagem bem conduzida pode aportar em torno de 10 toneladas de palha ha-1 entre os meses de maio e setembro (considerando raízes e parte aérea), no caso da região Noroeste do PR, devido às altas temperaturas, essa quantidade de palha é de grande importância para a conservação de água e regulação da temperatura na superfície do solo durante o ciclo de desenvolvimento da soja.
 
Com relação à temperatura, medidas diretas feitas na propriedade indicaram valores médios de 35º C no solo sob palhada de braquiária e de 65º C em solos expostos, sem proteção. Esse efeito tem grande importância para reduzir a morte de plântulas por escaldadura, bastante comum na fase de implantação da lavoura de soja. Outro resultado pouco considerado, mas que apresenta alta relevância, é a valorização da propriedade rural. A iLP possibilitou a mudança de patamar produtivo da Fazenda, saindo de uma condição de alto nível de degradação para alto nível de produção e conservação dos recursos naturais. 
 
Com base nas experiências acumuladas durante 15 anos de condução do sistema iLP no Noroeste do Paraná, consideram-se como desafios relevantes:
 
1. Mudança de mentalidade e capacitação de pecuaristas da região para implantação e condução de culturas graníferas, sobretudo soja, integradas ao cultivo de pastagem, visando a alta produtividade e rentabilidade do sistema de produção.
2. Consolidar o modelo de iLP que vem demonstrando resultados positivos ao sistema, baseado no cultivo de 50% da área cultivada da propriedade com pastagem perene e os outros 50% com soja no verão e pastagem anual entre as duas safras de soja. 
3. Ajuste nas tecnologias de cultivo da soja, objetivando aumento da estabilidade de produção em safras com déficit hídrico, associado a altas temperaturas. 
4. Aprimoramento contínuo de tecnologias de manejo de pastagens e dos animais para aumentar a produção forrageira, o nível de utilização da forragem e a conversão da pastagem em carne e/ou leite.
5. Desenvolvimento de ferramentas para gestão de propriedades rurais que utilizam iLP, identificando gargalos no sistema de produção que limitam a rentabilidade da propriedade.
6. Quantificação e divulgação dos benefícios ambientais da iLP.
 
A região Noroeste do Paraná é caracterizada por solos arenosos, clima quente e pastagens com alto nível de degradação. A Integração Lavoura-Pecuária, considerando especialmente a produção de carne, leite e soja é uma das estratégias mais indicadas para mudar essa condição, possibilitando aumento na produção de riquezas associadas à melhoria de indicadores ambientais.