Me chame no WhatsApp Agora!

Antonio Aparecido Carpanezzi

Pesquisador da Embrapa Florestas

Op-CP-07

Restauração das florestas de Pinheiro-Brasileiro

A Floresta Ombrófila Mista, FOM, ou Floresta com Araucária, enquadrada no bioma Mata Atlântica, caracteriza-se pela presença abundante do pinheiro-brasileiro, Araucaria angustifolia. Essa floresta subtropical tinha, por hectare, um grande volume de madeira comercial e mais homogênea, superior às florestas amazônicas, mais encorpadas e diversificadas.

Em termos fitogeográficos, a FOM ocupa os planaltos frios da Região Sul e estende-se, pelo alto da Serra do Mar e suas invaginações, até o sul de Minas Gerais e ainda mais ao norte. O rio Pinheiros, na cidade de São Paulo, deve seu nome às arvores. Pela devastação, elas se foram dali, como São Paulo deixou de ser a terra da garoa.

Hoje, toda a superfície original da FOM, uns 190.000 km² ou 19 milhões de hectares, está fortemente alterada, e permanecem pressões para explorar madeira do pouco que resta, e destinar a terra a outros usos. Os esforços formais de conservação da natureza, via parques e afins, só vieram fortes bem tarde, em 2006.

Muitos de seus recursos genéticos mais prontamente úteis já foram extintos ou irremediavelmente danificados, como na transição para as florestas estacionais do norte e oeste do Paraná. As questões ambientais, lançadas no Ocidente pela Conferência de Estocolmo, em 1972, têm popularizado diversas facetas: biodiversidade, desenvolvimento sustentável, água e, bem recentemente, aquecimento global.

Muito bem, cuidar do ambiente é preciso, a sociedade parece aceitar. Ela está preparada? Vamos falar do “ambiente verde”, rural, longe das fábricas e das cidades. Para começar, nenhum planejador sabe quanta superfície seu Estado ou sua pequena região de trabalho precisam restaurar, nem seus desdobramentos operacionais, como áreas a plantar dos modos x e y ou áreas que devam ser recuperadas por outros métodos w e z.

Na FOM, incluindo os campos de seu interior, pode-se estimar, ao menos, um milhão de hectares a serem trabalhados efetivamente, entre Áreas de Preservação Permanente, APPs e Reserva Legal, RL, alvos prioritários para tecer a restauração de qualquer região. Neste valor, já estão descontadas as possibilidades de compensação de terrenos para RL, também vultuosas em superfície.

A visão técnica e o espírito das leis concebem a recuperação ambiental, como a reaproximação, o quanto possível, das condições originais do ecossistema local; portanto, recuperação ambiental boa é recuperação de ecossistema. O que realmente caracteriza ações de recuperação de ecossistemas degradados, RED, no sentido estrito, pertinente as APPs e a RL, é a reabilitação dos seres vivos, em toda sua diversidade possível.

Para isso, falham ações “ecológicas” no sentido popular, como plantações florestais homogêneas em terrenos alterados, eucaliptais para seqüestrar carbono, ou plantações mistas de espécies nativas para recreação. A restauração de uma grande área é feita por centenas ou milhares de restaurações pontuais. São, portanto, centenas ou milhares de empreendimentos, com certa variação entre si, cada um exigindo atenção, quanto ao planejamento e às fases da execução.

No caso de ecossistemas florestais, a extensão rural pública brasileira tem praticado a RED, por dois modos principais: a proteção física da área (comumente por cerca de arame) e a distribuição de mudas de árvores, para fazer plantio em toda a área. Outras possibilidades, baseadas em plantios parciais das áreas a recuperar ou em processos mais naturais, como o uso de poleiros para atração de aves dispersoras de sementes ou o favorecimento seletivo da regeneração natural, podem reduzir muito o esforço de campo, mas ainda não são empregadas.

Mesmo as cercas, que pesam muito no orçamento da RED, são passíveis de grandes inovações. Um milhão de hectares é uma superfície formidável, e precisa ser concluída até 2018, quando vence o prazo atual estipulado para reconstituir integralmente a RL, que constitui a parte maior. É possível fazê-lo? Mesmo sem contar questões políticas, corporativistas ou sociais, a tarefa é demasiada grande para 2018, embora a FOM reúna condições entre as melhores do país para executar bem a RED.

A região é desenvolvida, tecnicamente capaz, experiente em silvicultura e com ambiente externo favorável, como a pressão por certificação. De outro lado, igualmente positivo, a estrutura das florestas da FOM, relativamente simples e conhecida, é vantajosa, permitindo usar umas poucas espécies nativas de silvicultura boa (pinheiro, bracatinga, fumo-bravo, erva-mate, angico-branco, angico-vermelho, aroeira, certas canelas) para assegurar bom desempenho ao conjunto maior e garantir a sucessão.

Recentemente, foram estabelecidas prescrições claras para que plantios de RED tenham sucesso, listando espécies apropriadas e detalhando como combiná-las. Lacunas técnicas e avanços, como o desenvolvimento da silvicultura de espécies relevantes (exemplo: vassourão-branco) e métodos inovadores para limpezas e atração de dispersores, podem ser investigados em paralelo.

Comparativamente a um roçado de feijão ou amendoim, cada plantio de mudas de RED precisa planejamento bem maior e, durante uns dois anos, de cuidados equivalentes, senão irá fracassar. Como em qualquer cultivo, não há como fugir da abordagem técnica e do trabalho miúdo dos tratos culturais. Considerar x mudas distribuídas, como x árvores bem sucedidas no campo, é um artifício apenas.

Fora de certos projetos bem estruturados técnica e financeiramente, que constituem os primos-ricos da RED, como nos entornos de lagos de hidrelétricas, a taxa de insucesso dos plantios é alta. Em suma, se não houver pessoal em quantidade suficiente e capacitado, instrumentado e motivado, o sucesso da RED é muito aquém do possível, e anula o emprego de tecnologias novas: não há interlocutores a quem repassá-las.