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Samuel de Assis Silva

Professor de Mecanização Agrícola da Universidade Federal do Espírito Santo

OpCP76

A inteligência artificial nos processos florestais
Alguns processos da produção florestal têm passado, nos últimos anos, por transformações, impulsionadas, em sua maioria, por soluções digitais que trazem consigo tecnologias inovadoras e disruptivas. 
 
Desde o mapeamento de atributos de solo e planta, passando pela eletrônica embarcada em máquinas precisas, até o uso crescente das tecnologias da informação, as ferramentas de Silvicultura Digital estão cada vez mais presentes nas diversas etapas do ciclo de produção florestal.
 
Em um contexto de especificidade de soluções (assumido, inclusive, como a chave para o sucesso da Silvicultura Digital), outras ferramentas podem ser consideradas como alternativas para a tecnificação do setor. Em última análise, a quase totalidade destas alternativas perpassam por algum modelo de Inteligência Artificial (IA), cujo objetivo é ampliar a capacidade de coleta e processamento de dados, mas, principalmente, a de automação de processos e, consequentemente, redução da subjetividade das decisões.

Apesar de recente nas Ciências Agrárias e de ser considerada, juntamente com a internet das coisas (IoT) e o Big Data, uma das tecnologias revolucionárias do século XXI, a IA não é, em sua essência, nova. Sua origem remonta aos primeiros anos da década de 1940 e coincide, não por acaso, com o surgimento das primeiras máquinas capazes de fazer cálculos matemáticos complexos. 

Caminhando pari-passu com a evolução dos processadores eletrônicos e tendo como marco evolutivo a popularização dos computadores, ela se expandiu como ferramenta que simula o raciocínio humano, ultrapassando-o, atualmente, nas tarefas de aprendizado massivo de padrões e fenômenos complexos, regidos por um número incontável de variáveis. 

Na silvicultura, a IA está inserida, em maior escala, nos sistemas autônomos de máquinas precisas, no monitoramento florestal, no processamento de imagens digitais e na modelagem preditiva. Sensores remotos e imagens capturadas a partir de plataformas aéreas e/ou orbitais são utilizados em associação com algoritmos de aprendizado de máquina (machine learning), visando o monitoramento do uso e cobertura do solo, sinalizando, com elevada precisão, mudanças na cobertura vegetal de distintas áreas.

Esses mesmos sistemas têm sido utilizados para a identificação de áreas com variação no vigor vegetativo das plantas e, em alguns cenários, a classificação de plantas sob infestação de pragas e doenças. 

Por outro lado, sistemas autônomos baseados em IA e equipados com algoritmos de controle inteligentes auxiliam nas operações de colheita, plantio e manutenção florestal. Em termos de modelagem preditiva, utilizando dados históricos, associados ou não com informações coletadas em tempo real, os modelos de IA permitem a descrição (e previsão) do crescimento das árvores, da dinâmica da vegetação e até do risco de emergência com problemas fitossanitários.

Não obstante ao supramencionado, a IA está presente também nas plataformas digitais que propõem a saída de um modelo puramente descritivo, em que as decisões são apoiadas por fases puramente analíticas e com grande intervenção humana, para modelos prescritivos que buscam, por um lado, apoiar as decisões em dados e informações e, por outro, propor a automação total destas, avançando diretamente para a intervenção–ação.

Em todas as aplicações, o papel da IA é expandir a compreensão sobre diferentes fenômenos inerentes aos processos florestais. Essa ampliação se dá a partir de modelos de aprendizagem de máquina, seja ela simples e/ou profunda, com algoritmos que tanto podem prever padrões quanto classificar fenômenos em um ambiente ora discreto, ora contínuo.

Independentemente do modelo, a teoria por detrás da Inteligência Artificial está alicerçada sobre quatro pilares principais: 
a) raciocínio: aplicar regras lógicas sobre conjunto de dados disponíveis e chegar à conclusão; 
b) aprendizagem: usar os erros e acertos das decisões para alimentar novas avaliações; 
c) reconhecimento de padrões: analisar, sensorial e comportamentalmente, um determinado fenômeno, visando reconhecê-lo em outros universos amostrais; e 
d) inferência: aplicar o mesmo raciocínio em situações semelhantes.

Na implementação de modelos baseados em IA, a construção dos padrões é uma das etapas mais importantes, não apenas por ser a inicial. A importância advém do fato de que todas as demais e, consequentemente, o sucesso do sistema dependem da qualidade dos dados utilizados para treinar os algoritmos. Uma vez coletados e preparados os dados, passa-se à etapa de treinamento do algoritmo, a qual deverá ser robusta a ponto de assegurar a mínima imprecisão nos resultados. Nesta etapa do aprendizado, o cientista de dados deve estar atento e propor hiperparâmetros que contribuam para tornar o modelo mais preparado para resolver um determinado problema da vida real. 

É comum (e justificável) uma preocupação exclusiva com a escolha do modelo e com os dados de entrada e de saída, entretanto, a escolha dos hiperparâmetros são tão importantes como o próprio algoritmo selecionado, uma vez que a sua utilização permite ao modelo generalizar as previsões, evitando que o aprendizado se restrinja aos dados mostrados (overfitting e underfitting).

Em trabalho recente, desenvolvemos um sistema que processa uma quantidade massiva de dados climáticos multifonte para a predição, utilizando IA, da incidência de lagarta desfolhadora (Thyrinteina arnobia) na cultura do eucalipto e o seu consequente zoneamento de risco. 

Nessa pesquisa, a associação entre os dados multifonte, a resposta espectral das plantas e os modelos de IA permitiu delinear áreas e períodos de maior risco de ocorrência da praga em diferentes condições de aptidão da cultura do eucalipto, apontando também os locais com maior potencial de recuperação do vigor vegetativo após os danos das lagartas.

Essas informações são cruciais para a tomada de decisões informadas sobre o manejo florestal, como o planejamento de intervenções preventivas ou a alocação eficiente de recursos. Nesse sentido, é essencial que a compreensão do todo do sistema de produção conduza as decisões de uso das tecnologias, mas não impeça que esta contemple a especificidade e não o generalismo. 

A IA na silvicultura é uma realidade consolidada, entretanto, a sua efetividade será tanto maior quanto menores forem os problemas básicos e ordinários da produção florestal. A tecnologia pode contribuir com os sistemas de produção, mas, no médio prazo, não eliminará a necessidade de ajustes finos aplicados via modelos convencionais em etapas que ainda soam como gargalos à produção florestal.

Se a atuação dos profissionais envolvidos na produção florestal sempre foi importante para o sucesso dos empreendimentos, agora espera-se ainda mais proatividade e atualização tecnológica. As tecnologias já disponíveis e aquelas em desenvolvimento compreendem complexidades de uso e interpretação que vão além dos conhecimentos básicos adquiridos em formações acadêmicas e/ou na prática ordinária da profissão.