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Gustavo Ribas Curcio

Pesquisador de Solos e Floresta da Embrapa Florestas

Op-CP-18

A importância das APPs e seu aprimoramento

A legislação ambiental brasileira está vivendo um momento muito importante com as discussões que envolvem o Código Florestal Brasileiro - CFB, e, sem dúvida, sairá mais fortalecida desse debate. A integração da competência técnica de cientistas e legisladores comprometidos, rigorosamente, no desenvolvimento de uma legislação mais coerente é a garantia máxima para a obtenção de normativas que visem estabelecer maior harmonia entre os sistemas de preservação e os de produção.

Indubitavelmente, o CFB é um dos pilares para a preservação e conservação dos recursos naturais, todavia, nele existem algumas distorções conceituais importantes, sobretudo no que se refere à identificação de tensores ecológicos e à garantia de funcionalidades ambientais. Nesse sentido, gostaria de contribuir com algumas reflexões sobre APPs, focando duas perspectivas distintas: a APP associada à conservação de recursos hídricos e a APP de topo de morro.

A primeira, a despeito de se constituir em forte agente da manutenção da qualidade ambiental, é incongruente na identificação de parâmetro flexibilizador, pois considera a largura do rio como elemento chave para determinar a largura da APP, quando deveria contemplar as características dos ambientes de encosta. Da maneira como está estruturado, pressupõe a largura do rio como tensor ecológico, quando, na realidade, as tensões são resultantes dos atributos geomorfológicos (relevos) e pedológicos (solos) frente à ação climática.

Sob o ponto de vista geomorfológico, entendo que a declividade, atributo de fácil mensuração técnica, é elemento importante no controle da velocidade da enxurrada, portanto este deveria ser um atributo a ser considerado no Código. Rampas mais íngremes determinam enxurradas mais fortes, consequentemente requerem faixas mais largas de APPs para evitar a depredação hidrológica.

Sob o ponto de vista pedológico, a textura, a qual traduz a composição das frações areia, silte e argila do solo, de fácil reconhecimento técnico, exerce forte influência na permeabilidade e na capacidade filtro do solo, além de ser bem conhecida sua interação com a erosão.
Assim, solos constituídos por textura arenosa possuem elevada permeabilidade com pequena capacidade filtro e alta suscetibilidade à erosão, requerendo, portanto, maiores larguras de APPs do que solos argilosos.

Outro atributo a ser considerado é a espessura dos solos. Diferentemente de solos profundos, os rasos são volumes muito suscetíveis à erosão, além de possuírem menor capacidade filtro, determinando, assim, maiores larguras de APPs, fato também desconsiderado atualmente no CFB. Sobre APPs de topo de morro, há sérias restrições na fundamentação desse termo, pois não possui conceituação homogênea em literatura científica.

Se não há consenso sobre o que é morro, como podemos dizer o que é o topo deste? É muita subjetividade em razão dos diferentes fatores e/ou processos considerados, gerando dúvida ao usuário, criando problemas na sua aplicação. Atualmente, sequer é citada no “topo do morro” a espessura e a textura dos solos, concomitante ao declive, impedindo que seja concebida, concretamente, a fragilidade e/ou potencialidade de uso deste.

Ademais, não se pode deixar de mencionar que a perfeita avaliação técnica da potencialidade e/ou fragilidade desses locais deveria considerar também a forma e a dimensão geográfica, tanto do morro como de seu “topo”, tornando mais imprópria ainda a classificação de “topo” como APP. No Brasil, existem muitos exemplos de “topos de morros” amplos, com solos profundos, argilosos, presentes em relevos de baixa declividade, traduzindo alto potencial de uso.

Contrariamente, nas suas encostas, existem solos rasos, com menores teores de argila e, naturalmente, em maiores declividades, determinando a necessidade de se estabelecer cuidados especiais nos sistemas de produção, ou mesmo destiná-los à preservação, evitando a materialização de mais impacto ambiental. Portanto, seria mais lógico discutir vulnerabilidades nas encostas do que nos “topos” dos morros, pois, em grande parte das vezes, essas áreas são mais vulneráveis e constituem pontos cruciais na recarga dos aquíferos livres ou confinados.

Pelo exposto, considero que as larguras das APPs associadas à conservação de recursos hídricos devam ser determinadas por fatores geomorfológicos e pedológicos, enquanto a APP de topo de morro seja extinta. Todavia creio ser oportuna, por parte da sociedade, a rediscussão das normativas dos morros, principalmente focando as fragilidades, sobretudo das encostas, considerando as características de relevo e solos.