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José Leonardo de Moraes Gonçalves e Ana Paula Pulito

Chefe do Departamento de Ciências Florestais da Esalq/Usp e Coordenadora Técnica do IPEF, respectivamente

Op-CP-23

Diretrizes e desafios da silvicultura brasileira

Ainda há grande defasagem científica e tecnológica entre a prática da silvicultura atual e a potencial, em termos de planejamento e implementação do conhecimento disponível. Com essa percepção e dentro do contexto de uma economia globalizada, do mercado cada vez mais exigente quanto à qualidade dos produtos e do aumento da consciência socioambiental, a silvicultura brasileira caminha com novas diretrizes e almeja desafios pujantes.

Tem-se consolidado uma nova mentalidade, fundamentada na adoção premente de uma gestão silvicultural integrada, aspirando ao desenvolvimento sustentável dos espaços rurais. Busca-se maior eficiência no uso dos recursos naturais (edáficos, hídricos e biológicos), como também dos serviços e insumos. Promove-se uma silvicultura mais prospectiva e preventiva quanto à convivência das árvores com fatores de risco abiótico e biótico.

E a unidade de planejamento florestal não é mais só a propriedade rural, mas a bacia hidrográfica, englobando as comunidades envolvidas. Dentro desse cenário, organizou-se o II Encontro Brasileiro de Silvicultura. Foram escolhidos palestrantes aptos a apresentar e debater os novos paradigmas e avanços em diferentes áreas.

Deparamo-nos com várias questões: Estamos preparados científica e tecnologicamente para os novos desafios? Quais desafios devem ser priorizados? Quais são as dificuldades? O que deve ser feito para aperfeiçoar e agilizar o processo de desenvolvimento? Como transferir para a prática os conhecimentos atuais e os que serão gerados? Aparentemente, um dos maiores desafios, nesta e nas próximas décadas, será a adaptação da silvicultura às mudanças climáticas.

Há, ainda, grande incerteza sobre os cenários futuros em escala regional. Assim, por segurança, é preferível invocar o Principio da Precaução. O relatório de 2001 do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) afirmou que a ocorrência de secas vai aumentar globalmente nos próximos 50 anos, com mudanças expressivas nos regimes de chuvas.

Todos os modelos climáticos estimam uma faixa de aumento de temperaturas de 0,4ºC a 1,8ºC até 2020 e 1,0ºC a 7,5ºC até 2080, para a América do Sul. Os maiores valores de aquecimento acontecerão na porção tropical da América do Sul. As temperaturas mínimas são as que apresentam maior tendência de elevação.

Na prática, tem-se observado que o maior problema não é a variação da média dos eventos meteorológicos, mas a frequência e a concentração com que ocorrem os eventos extremos (por exemplo, chuva, seca, geada, vento forte). Nos últimos anos, em várias regiões, os períodos de estiagem foram mais longos e acentuados, agravando o estresse hídrico e os riscos de ocorrência de pragas e doenças.

Ainda é precária a intensidade de coleta de dados na rede de monitoramento meteorológico existente no País. É preciso instalar mais estações meteorológicas automáticas. O ideal seria ter uma estação para cada 100 mil hectares, com distribuição de acordo com as isoietas de precipitação pluviométrica.

Deve-se trabalhar para que os dados produzidos sejam armazenados e interpretados num banco climático central, que, de forma coordenada e com visão em escala local e nacional, dê origem a boletins frequentes da previsão e dos possíveis efeitos meteorológicos no processo de produção florestal.

Mapas mostrando as zonas climáticas atuais e simuladas do futuro devem ser disponibilizadas, de preferência, acompanhados de informações sobre as perspectivas de crescimento florestal e dinâmica de ocorrência de pragas, doenças e ventos.

Com o agravamento dos riscos de estresses abiótico e biótico, nunca a necessidade de biodiversidade foi tão requerida para aumentar a segurança ambiental e fitossanitária das plantações florestais como agora. Aumentar a tolerância e a estabilidade genotípica às intempéries climáticas, às pragas e às doenças é um grande desafio. Há várias dificuldades a serem enfrentadas:

1. As rotações de cultivo são relativamente longas, de modo que o povoamento florestal passa por vários ciclos de oscilação climática sazonal e anual, em regiões com ampla variação fisiográfica e edáfica. Quanto mais estreita for a base genética, maior a dificuldade de encontrar um genótipo capaz de se adaptar a diversas variações temporais e ambientais. Essa é a maior dificuldade das plantações clonais;
2. A tolerância genotípica aos estresses abióticos e bióticos, geralmente, tem caráter quantitativo (poligênico), portanto, possui baixa herdabilidade;
3. Os genótipos tolerantes ao frio apresentam baixa taxa de enraizamento, dificultando sua propagação vegetativa.

Para fazer frente a esses desafios tão prementes, é preciso fomentar conjuntamente o melhoramento clássico de espécies puras e a produção de clones interespecíficos por hibridação. A aplicação de recursos avançados relacionados à genética quantitativa e a genômica são fundamentais.

E, para melhorar a compreensão da adaptação da planta ao ambiente, é preciso avaliar, além das variáveis fenotípicas convencionais, as variáveis ecofisiológicas e genômicas. A adequação ambiental por meio da conservação e restauração dos ecossistemas naturais deve ser uma prioridade. Na paisagem, a vegetação nativa, os povoamentos seminais e clonais em diferentes estágios de maturação precisam ser mesclados, criando mosaicos de uso do solo.

O momento para testar novas alternativas de produção especial de genótipos, como as monoprogênies, é muito propício. Além de possuírem alto padrão de homogeneidade fenotípica, esses genótipos são propagados por via seminal e possuem excelente qualidade de  sistema radicular, apto a explorar camadas profundas do solo e, assim, expressar maior capacidade de tolerância à seca.

Em vários casos, tem-se observado que as plantações com genótipos monoprogênicos foram mais tolerantes aos estresses hídrico e térmico, ao ataque de pragas e doenças e aos ventos fortes do que as plantações clonais.

A alocação dos genótipos na paisagem deve ser baseada em mapas de zoneamento sítio-específico, segundo suas necessidades fisiológicas e nutricionais, o que, além de otimizar a interação da planta com o ambiente, possibilita maior eficiência no planejamento e na precisão de aplicação das práticas de cultivo silvicultural. Nessa fase, é primordial o uso de recursos avançados de geotecnologia e a silvicultura de precisão.

Baseado nesse cenário, depreende-se que, para a realização de uma silvicultura preventiva e responsável, o programa de melhoramento não deve privilegiar apenas a produtividade e a qualidade da matéria-prima em detrimento da tolerância dos genótipos aos estresses abiótico e biótico.

Assim, deve ser tolerada certa perda desses atributos, mas preservando-se as seguranças ambiental e fitossanitária das plantações, pois delas dependem o abastecimento do mercado comum e da indústria. Por exemplo, na indústria de celulose e papel, deve haver um limite crítico para a diminuição do teor de lignina na madeira, pois esse componente, sintetizado pelo metabolismo secundário da planta, é essencial para a sua tolerância aos fatores de estresse.  

Na última década, tem-se constatado o agravamento da proliferação de pragas, doenças e plantas daninhas tolerantes ou resistentes aos agroquímicos. O quadro fica mais grave devido à pratica insuficiente e pouco disseminada dos Sistemas de Manejo Integrado (SMI) desses agentes e devido à baixa disponibilidade de produtos registrados para as culturas florestais, seja por razões comerciais ou por restrições legais ou dos órgãos de certificação florestal.

No SMI, há uma combinação de práticas culturais associadas à ação ecológica natural de controle da dinâmica populacional da espécie nociva à planta, o que, além de diminuir o consumo de agroquímicos, mantém a população da espécie em nível abaixo daquele capaz de causar dano econômico.

O SMI é fundamental para os empreendimentos florestais, pois, além dos benefícios intrínsecos, a maioria deles possui programas de qualidade total, que buscam melhorar sua eficiência e competitividade e têm ou almejam a certificação florestal para atestar sua qualidade técnica, ecológica e social.

Como estratégia de P&D&I, é preciso fomentar e disseminar mais a pesquisa cooperativa, por meio do fortalecimento das parcerias Universidade-Instituto-Produtor Florestal, um dos fatores de êxito da silvicultura atual. A diversidade de vivências e de informações conseguidas em fóruns de pesquisa cooperativa não está disponível de forma organizada em nenhuma biblioteca.

Há abundante experimentação e resultados de casos obtidos nas diferentes condições ambientais e tecnológicas do País. A aprendizagem ocorre de forma compartilhada e baseada na complementaridade de visões específicas e sistêmicas, de profissionais com as mais diversas qualificações.

Geralmente, predomina o espírito de trabalho em grupo. Essa é uma das maiores riquezas do País, que não deve ser subutilizada. Em pouco tempo, os partícipes podem formar opinião ou mesmo tomar decisões consistentes e criativas sobre linhas de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico diretamente relacionadas às suas necessidades. Acresce-se a isso a agilidade de transferência de informações e de decisões da teoria para a prática (desburocratização), pois todo o processo de produção do conhecimento acontece associado ao contexto realista de sua aplicação.