Professora de Ciências Florestais e da Madeira e Pós-doutoranda em Ciências Florestais, da UFES, respectivamente
OpCP65
O Brasil apresenta, aproximadamente, 7 milhões de hectares de florestas de eucalipto, com predominância nos estados de Minas Gerais e São Paulo. O eucalipto é, tradicionalmente, plantado nessas regiões por apresentarem clima favorável ao crescimento e vantagens logísticas na distribuição da madeira. O setor florestal brasileiro encontra-se em fase de expansão, o que tem levado o cultivo de eucalipto para as regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil.
Esses novos locais de plantio caracterizam-se por climas mais secos (altas temperaturas e menor precipitação), e a dinâmica do crescimento da floresta e suas consequências nas propriedades da madeira ainda não são bem conhecidas. Além disso, as mudanças dos padrões do clima é uma das principais preocupações atuais, pois podem promover alterações tanto no crescimento das árvores quanto na qualidade da madeira.
Motivados por esse cenário, juntamente com o Programa de Tolerância de Eucalyptus Clonais aos Estresses Hídricos, Térmicos e Bióticos (TECHS) coordenado pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Florestais - IPEF, iniciamos pesquisas sobre a madeira do AEC144 (Eucalyptus urophylla) ao longo do gradiente climático brasileiro.
O AEC144 é o clone comercial de eucalipto extensamente plantado no Brasil. Eucalyptus urophylla é uma das espécies do gênero tolerante à seca,
o que também contribui para melhorar a capacidade de formação de dossel, tolerância à ferrugem (Austropuccinia psidii), enraizamento e densidade da madeira quando associada a híbridos.
Por isso tem sido objeto de estudos para utilização nos novos locais de plantio. A densidade da madeira tem sido considerada o atributo mais importante de qualidade da madeira por estar relacionada a processos e a rendimentos industriais. Variações na densidade são indicadoras de diferentes usos da madeira, como celulose, carvão, produção de energia, painéis e madeira maciça.
Em árvores de quatro anos, a madeira do clone AEC144 apresentou valores de densidade 9% maior em sítios mais úmidos quando comparados aos sítios subúmidos e aos sítios secos. Os valores de densidade da madeira, em árvores com seis anos sob restrição hídrica, não se alteraram com a exclusão de 33% das chuvas.
Em ambos os trabalhos, a temperatura teve influência significativa nas estimativas de densidade da madeira e na espessura de parede de vaso. O xilema do AEC144 foi capaz de adaptar-se à condição de exclusão de chuva de 33% sem apresentar danos significativos no crescimento da árvore, apresentando situações de trade off entre segurança e eficiência hidráulica regulado pelo diâmetro e frequência dos vasos condutores de água.
Comparando o impacto da idade da árvore, a densidade da madeira do clone aos três anos corresponde a mais de 80% da densidade final aos 6 anos, conforme figura abaixo.
Para o crescimento em diâmetro no DAP, esse valor já representava 60% a 70% do diâmetro final que seria obtido pela árvore, enquanto o volume da população de árvores aos três anos atingiu, em média, apenas 40% do volume obtido ao final da rotação. As variações na produtividade local ou as condições climáticas não alteraram essas proporções. Isso acontece porque os incrementos em densidade nos últimos 3 anos promoveram pouca influência na densidade final da madeira, e, enquanto os anéis de crescimento produzidos no DAP a partir do 3º ano são mais estreitos, a árvore continua crescendo em altura e diâmetro nas demais posições.
A temperatura foi indicada como a principal variável climática que influencia a densidade da madeira do AEC144. Considerando temperaturas entre 17 °C e 28 °C, a relação entre a densidade do clone com a temperatura mostrou que o aumento de 1 °C na temperatura reduziu a densidade da madeira em 0,014 g.cm3.
Para compreender o cenário atual da densidade da madeira do clone no Brasil, os valores de densidade obtidos nos sítios avaliados foram especializados utilizando uma equação de predição de densidade baseada em temperatura, conforme demonstrado na imagem da página seguinte, no período atual (1960-1991) e nas projeções futuras (2011-2040), baseadas nos modelos climáticos globais HadGEM2 e MIROC5 para os cenários Representative Concentration Pathways (RCP) 4.5 e 8.5.
No período atual, a densidade da madeira do AEC144 variou de 0,53 a 0,81 g.cm3, sendo que os menores valores de densidade foram observados nas regiões mais quentes e secas (Norte e Nordeste do País), e as regiões mais frias e úmidas (Sul do País) apresentaram densidades mais elevadas. As regiões Sudeste e Centro-Oeste do País, que detêm, atualmente, as maiores proporções de área plantada de eucalipto, apresentaram densidade da madeira principalmente entre 0,55 e 0,65 g.cm3.
No que diz respeito às projeções de densidade nos cenários de anomalias climáticas RCP 4.5 (médias emissões) e RCP 8.5 (altas emissões), foi observada uma redução dos valores de densidade da madeira em ambos os cenários. Também foi possível observar um avanço na classe de densidade de 0,55 – 0,60 g.cm3 na região Centro-Oeste, prevendo uma diminuição da madeira do AEC144 nessas regiões, o que condiz com a redução de áreas com características próximas ao seu clima de origem (Cfa, Cfb, Cwa e Cwb) pela metade, no cenário mais otimista.
Em ambos os cenários, houve uma tendência de manutenção das densidades nas regiões Sudeste e Sul, sendo essas regiões já tradicionais no cultivo da espécie, o que sugere a manutenção dessas áreas para plantio para esse clone. Sítios de cultivo de AEC144 na região Sul do Brasil também apresentam potencial para maior produtividade em produção volumétrica, o que, associado com a maior densidade da madeira, indicam essas regiões como maiores produtoras em biomassa da madeira desse clone.
Considerando a redução da produção de madeira de eucalipto de 10% a 15% para um aumento de 1 °C na temperatura média, as mudanças climáticas modificarão o planejamento de grandes empreendimentos florestais que passarão a ter de considerar formas de suprir essa demanda de madeira, devido à redução da produção, da densidade e, consequentemente, da biomassa.
As diferenças na densidade e no crescimento da madeira do AEC144 nos diferentes climas representam o quanto o melhoramento genético de clones para condições específicas continua sendo uma das principais estratégias para manter a produção e a qualidade da madeira em situações de expansão florestal e mudanças climáticas, principalmente para uma espécie de tamanha importância comercial. Estudos de outros clones em locais contrastantes são essenciais para determinar as margens de amplitude fenotípica obtidas pelo programa de melhoramento.
A caracterização completa da madeira do AEC144 no gradiente climático brasileiro encontra-se disponível em https://cienciasflorestais.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGCFL/detalhes-da-tese?id=14993.