Vou comentar, neste artigo, o papel dos produtos florestais não madeireiros (PFNM), que, após o assassinato de Chico Mendes, em 1988, passaram a ser considerados a grande opção para salvar a Amazônia.
O extrativismo vegetal consegue se manter quando o mercado é reduzido ou quando inexistem alternativas econômicas para as populações rurais. Mas, à medida que o mercado for ampliando, a oferta extrativa não consegue atender à demanda e, gradativamente, ocorre o colapso dessa atividade. A primeira maçã que Adão e Eva provaram no Paraíso foi uma maçã extrativa, bastante diferente da que conhecemos nos dias atuais.
A humanidade, nesses últimos dez mil anos, domesticou mais de três mil plantas e centenas de animais que constituem a base da agricultura mundial, que consegue alimentar mais de 7,4 bilhões de habitantes, o que não seria possível com o extrativismo.
Nada contra o extrativismo, mas a insistência nesse modelo tende a prejudicar os produtores na busca de alternativas econômicas e os consumidores na obtenção de um produto de melhor qualidade a um preço mais reduzido. Esse culto tem sido a causa e a razão do atraso secular da Amazônia, na crença da sua inesgotabilidade e apoiado no desenvolvimento baseado na extração dos recursos disponíveis da natureza. Essa tem sido a razão da domesticação ocorrer fora da área de domínio do extrativismo.
Quanto Henry Alexander Wickham contrabandeou as 70 mil sementes de seringueiras que foram plantadas no Sudeste asiático, em 1876, a nossa alegria durou enquanto os ingleses estavam multiplicando as seringueiras, até que ocorreu o colapso da economia gumífera em 1912. Desde 1951, o Brasil vem importando borracha do Sudeste asiático, cuja quantia chega de 70% a 75% do nosso consumo, implicando evasão de divisas que chega a US$ 1,2 bilhão.
Municípios como Mirassolândia, Monte Aprazível, Nhandeara, Olímpia, Tanabi, Barretos, Bálsamo e Getulina, no estado de São Paulo, produzem mais borracha do que toda a região Norte. A Bahia produz 73% do guaraná e 64% do cacau produzido no País, e Bahia e São Paulo produzem mais da metade do palmito de pupunha do Brasil.
Há um grande equívoco ao associar uma sustentabilidade direta para os PFNM, como se fossem sustentáveis por definição. Nem sempre a taxa sustentável de extração biológica garante a sustentabilidade econômica e vice-versa. Do ponto de vista econômico, não há diferença entre PFNM e madeireiros, pois todos seguem as mesmas regras econômicas e biológicas. Ao contrário do propalado, a economia extrativa é bastante frágil, sujeita ao efeito da domesticação, aparecimentos de substitutos sintéticos e de novas alternativas econômicas, expansão da fronteira agrícola, entre outros.
A descoberta da anilina, em 1856, retirou do mercado os corantes naturais, entre os quais o do pau-brasil, já no caminho do seu esgotamento. A invenção do DDT afetou o mercado de inseticidas naturais e concedeu o Prêmio Nobel de Medicina (1948) ao químico suíço Paul Hermann Muller (1899-1965) pela sua contribuição no controle das endemias. Em época recente, a descoberta do Viagra, Cialis e Levitra deve ter afetado o uso de maripuama, catuaba, guaraná e de outras plantas ou de chifres de rinocerontes utilizadas pela medicina popular para corrigir a disfunção erétil, por exemplo.
A renda proporcionada pela extração dos PFNM é baixa, talvez, com a exceção do manejo do açaizeiro, que prescinde do socialismo florestal através das Reservas Extrativistas (Resex). Para a maioria, trata-se de uma renda marginal, cuja sobrevivência depende de subsídios ou de transferências governamentais.
Para muitas Resex, existe muito mais um problema agrícola do que um problema ambiental. Para manter o extrativismo, é importante que se evitem as pesquisas sobre a domesticação e não se criem novas alternativas de renda ou emprego. É muito defendida por ONGs e organismos internacionais a opção de venda de créditos de carbono para manter a floresta em pé e promovendo a extração de PFNM, para os quilombolas, comunidades tradicionais, ribeirinhos, indígenas e pequenos produtores que seriam os seus beneficiários.
Na minha opinião, o mercado de carbono vai ser vítima do seu próprio sucesso. À medida que a oferta de serviços ambientais for aumentando (fábricas menos poluentes, agricultura com menor impacto ambiental, transportes mais eficientes, etc.), o preço do carbono vai cair no médio e no longo prazo. Já que estamos reduzindo os desmatamentos na Amazônia, não haveria motivo para os países desenvolvidos alocarem recursos para o País. É uma falsa premissa acreditar que a salvação da Amazônia vá depender dos países desenvolvidos. Precisamos encontrar as nossas soluções e não criar um novo tipo de assistencialismo ambiental.
Qual seria, então, a solução para a Amazônia? Existem, na região, dezenas de produtos extrativos em que a oferta já atingiu o limite da sua capacidade. Precisamos sair do discurso abstrato da biodiversidade (plantas imaginárias que vão curar câncer, AIDS, etc.) para uma opção concreta, aproveitando a biodiversidade do presente e do passado, onde realmente estão as grandes possibilidades (seringueira, cacau, pau-rosa, castanha-do-pará, bacuri, cupuaçu, etc.) e fazer plantios promovendo uma nova agricultura tropical na Amazônia. Há centenas de plantas medicinais, aromáticas, inseticidas, frutíferas, entre outras, para as quais precisamos estabelecer metas concretas, visando ao seu plantio e à sua verticalização.
A Amazônia Legal constitui um espaço em que cabe toda a Europa. São nove estados, cada um com uma história política, econômica, social e ambiental distinta, que exige um tratamento diferenciado. Para que serve um mapa do estado do Maranhão cortando ao meio pelo meridiano da Amazônia Legal para fins de planejamento?
Em vez da opção da volta da floresta, a salvação da floresta seria utilizar uma parte dos 76 milhões de hectares (18%) que já foram desmatados (2015), que chamo de Segunda Natureza. Essa área é superior à soma dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A Primeira Natureza são as áreas que estão intactas, que representam 82% da Amazônia Legal. O desafio seria como transformar uma parte da Segunda Natureza destruída em uma Terceira Natureza, com atividades produtivas mais adequadas.
Dessa forma, vejo grandes restrições com a utilização de PFNM para tentar salvar a floresta. É importante dar sentido econômico para reduzir custos de recuperação de Áreas de Preservação Permanente – APP e de Reserva Legal – RL, conforme preconiza o novo Código Florestal (Lei 12.651, 25/05/2012) ou da Nova Lei da Biodiversidade (Lei 13.123, 20/05/2015 regulamentada pelo Decreto 8.772, 11/05/2016). Essas duas leis exigem aperfeiçoamentos decorrentes de ações incongruentes, por não considerar essa dinâmica extrativa e de reduzir os riscos para os empresários.
Como na Amazônia só é possível utilizar 20% da área da propriedade e fora da região o inverso, isso indica que, onde se tinha um boi, precisamos colocar quatro. A solução seria o desenvolvimento de uma agricultura tropical em consonância com as condições climáticas ou da exigência de terra e água, apoiada nos recursos da flora e da fauna (pirarucu, etc.), em vez da coleta de PFNM. Dessa forma, uma política agrícola é muito mais importante para a Amazônia para resolver seus próprios problemas ambientais.