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Franco Freitas Quevedo

Gerente de Pesquisa em Manejo Florestal da CMPC

OpCP80

A recuperação de vegetação nativa como solução para catástrofes climáticas
As fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul, iniciadas no final de abril de 2024, marcaram um dos episódios mais devastadores da história recente do Estado. As enchentes que se seguiram resultaram não apenas em perdas humanas, mas também em uma crise ambiental de grandes proporções. Foi algo devastador. As florestas nativas e suas formações foram particularmente atingidas. E combinado com um histórico severo de desmatamento, resultou em impactos profundos nas áreas de remanescentes florestais.
 
As consequências das inundações, contudo, vão além da perda física da vegetação. A fragmentação florestal se intensificou reduzindo a conectividade das áreas remanescentes. Isso compromete os fluxos naturais de dispersão de pólen e sementes, fundamentais para a manutenção da diversidade genética das espécies vegetais. Com menor conectividade, animais e insetos também são comprometidos pela eliminação de pontes importantes que estes corredores de conexão faziam entre uma área e outra.

De forma geral, fauna e flora se veem comprometidos, reduzindo a variabilidade genética das populações e comprometendo a resiliência das espécies quando expostas a condições ambientais adversas. Diante disso, é fundamental pensar em estratégias de conservação genética da flora, que sejam robustas, especialmente nas áreas diretamente afetadas pelas enchentes. 

Assim, o que começou como uma pesquisa de mestrado da UFV - Universidade Federal de Viçosa, focada em soluções inovadoras para a conservação genética de espécies vegetais ameaçadas, transformou-se em um projeto de grande impacto ambiental, social e científico. Desenvolvida no ambiente acadêmico da UFV, a técnica de resgate de DNA vegetal aliada à indução de florescimento precoce demonstrou, ainda em seus primeiros testes, um potencial transformador para a recuperação de áreas degradadas e para a preservação da base genética de espécies nativas.

Diante dos resultados promissores, e o caso de sucesso na Vale, vislumbramos a possibilidade de aplicar essa tecnologia em um contexto real e urgente: a recuperação das áreas afetadas pelas enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul. 

E a UFV, sempre próxima da sociedade e com anos de parceria público-privada, viu novamente a responsabilidade de colocar sua tecnologia a serviço da sociedade. O mesmo conhecimento gerado na universidade, que vem sendo utilizado para apoiar na restauração de ecossistemas de forma prática, agora passa a ser aplicado em um novo cenário de urgência ecológica, marcado pela perda massiva de cobertura vegetal, fragmentação florestal e riscos à biodiversidade no Rio Grande do Sul.

Neste cenário, a CMPC e o Governo do Estado do RS anunciaram, em abril deste ano, o Projeto Reflora. Com objetivo principal de atuar na conservação e recuperação genética de 30 espécies vegetais nativas afetadas pelas enchentes, com prioridade para aquelas que já se encontram ameaçadas, segundo listas oficiais de conservação. 

A estratégia inclui o resgate de indivíduos isolados, em risco de morte ou senescência, permitindo sua manutenção temporária em ambientes protegidos e controlados, até que possam ser reintroduzidos no campo em condições favoráveis. Um dos diferenciais dessa abordagem está no uso da indução de florescimento precoce, que possibilita que os indivíduos resgatados e propagados iniciem seu ciclo reprodutivo imediatamente após a implantação nas áreas de restauração. 
 
Com isso, espera-se que ocorram cruzamentos entre indivíduos geneticamente distintos, uma vez que os resgastes buscam materiais genéticos não aparentados presentes em diferentes populações e fragmentos florestais, favorecendo o aumento da variabilidade genética intraespecífica, um fator essencial para a resiliência ecológica das populações a longo prazo.

Além disso, ao antecipar a produção de sementes ainda no momento do plantio, o projeto vislumbra uma redução significativa no tempo normalmente exigido por mudas seminais para alcançar a maturidade reprodutiva, a qual é variável entre espécies, mas muito comum que sejam entre os 5 e 10 anos. Essa antecipação permite que as mudas produzidas no projeto sejam fontes imediatas de sementes e promovam a aceleração da regeneração natural das áreas afetadas, promovendo uma restauração ambiental mais eficaz, conectada ao contexto genético e ecológico das populações originais.

E a CMPC, uma empresa que foi tão importante nos episódios das chuvas no RS movida pelo senso de responsabilidade social e ambiental, colocou seu corpo científico para atuar em parceria com a UFV, com o Governo do Estado do RS e com as universidades locais como UFSM, UFRGS, Unisc e PUCRS. Os esforços realizados proporcionam que tenhamos um projeto inovador, correto cientificamente e pleno de sucesso. 

Logo, mais do que um avanço técnico, o projeto simboliza a capacidade da ciência pública de oferecer respostas concretas a crises ambientais. Ao compartilhar com o Rio Grande do Sul uma tecnologia concebida em meio acadêmico, a UFV reforça o papel das universidades como agentes ativos na reconstrução de paisagens naturais e na conservação de recursos genéticos fundamentais para o futuro dos biomas brasileiros.