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José Otávio Brito

Professor Titular da Esalq-USP e Especialista em madeira para energia e carvão vegetal

Op-CP-12

Os principais desafios da prática de produção de carvão vegetal no Brasil

O volume mundial de madeira, anualmente consumida, tem se situado na mesma ordem de grandeza que o de grãos alimentícios e é superior ao de plásticos e de cimento, sendo que a metade desse valor é destinada para finalidades energéticas. No Brasil, temos uma situação muito parecida, com o uso energético, superando o somatório de todas as demais aplicações da madeira, sobretudo considerando-se o seu uso como carvão vegetal.

Maior produtor mundial, o Brasil tem gerado, anualmente, em torno de 10 milhões de toneladas de carvão vegetal, representando o consumo de, pelo menos, 60 milhões de metros cúbicos de madeira. Se, no passado, essa madeira era proveniente de florestas sem nenhuma proposta de renovabilidade, hoje, a maior parte dela é oriunda de florestas plantadas sustentáveis.

Pelo menos 75 % do carvão vegetal produzido em nosso país é destinado para a indústria siderúrgica e metalúrgica, concentrada, sobretudo, em MG, PA e MA, onde é usado na produção de ferro-gusa, aço e ferro-ligas, sendo tal aplicação considerada como irreversível junto ao setor. Para tanto, contribuem fortes elementos estratégicos, sobretudo associados à total possibilidade das empresas usuárias alcançarem suas auto-suficiências e independências em relação a esse termorredutor.

Além disso, há elementos de ordem econômica e de qualidade dos produtos industrialmente obtidos, além dos ganhos ambientais que podem ser alcançados, comparativamente, por exemplo, ao uso do coque mineral. Nesse último aspecto, os Mecanismos e Desenvolvimento Limpo, direta e indiretamente atrelados às regras do Protocolo de Kyoto, são estímulos adicionais à intensificação do uso do carvão vegetal na siderurgia nacional.

Se o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de carvão vegetal, a expressividade dos números envolvidos refletem-se na grandeza dos desafios existentes nas atividades. A primeira e talvez a mais importante questão atualmente ligada ao carvão vegetal refere-se à oferta de matéria-prima, para sua produção. Ainda que em declínio, é sabido que uma boa parcela da madeira usada na obtenção do produto ainda é originária de florestas não-renovadas e em regime não-sustentado.

Independentemente de qual seja o argumento, a produção siderúrgica brasileira não pode continuar sendo atrelada ao carvão obtido dessa maneira. É por conta desse fato, que as principais indústrias do setor têm se empenhado no estabelecimento de programas de plantios florestais, visando, em breve futuro, ter nessa produção, a única fonte de madeira para a obtenção de carvão vegetal.

O segundo grande desafio ligado ao carvão vegetal diz respeito à tecnologia empregada na sua produção. O nosso carvão vegetal ainda é obtido, na sua maior proporção, da mesma forma como era séculos atrás. A tecnologia é antiga, o controle operacional dos fornos de carbonização é pequeno, e muito pouco se pratica em termos de controle qualitativo e quantitativo da produção.

Além disso, por conta da emissão de gases durante a carbonização, são descartados milhões de toneladas de co-produtos, que poderiam ser economicamente aproveitados, trazendo, conjuntamente, enormes benefícios ambientais. Preocupadas com a emissão gasosa de seus processos, já há alguns anos, as mais importantes empresas do setor vêm conduzindo ações para a implantação de sistemas de recuperação dos gases da carbonização, na forma de produtos químicos e/ou energéticos.

Algumas delas já fazem, rotineiramente, a recuperação do alcatrão para uso combustível, do mesmo modo que a utilização do licor pirolenhoso, como insumo para a agricultura, também tem se mostrado presente. É evidente que a adoção de soluções de mais amplo espectro, junto ao setor de carvão vegetal no Brasil, implica em alterações na sistemática hoje utilizada.

São alterações que exigem, em primeiro lugar, a adoção de modernas tecnologias e modernos conceitos agroindustriais, fugindo, assim, da definição que ainda se dá à atividade produtiva, como sendo algo marginal e secundário da atividade rural. Além disso, exigem a disponibilização de recursos financeiros, sobretudo destinados aos milhares de micro e pequenos produtores.

Sabemos que, hoje, a sociedade não mais admite, qualquer que seja a situação, a não agregação de esforços relacionados à necessidade da minimização dos impactos ambientais nos processos industriais. Dentro desse contexto, a atividade de produção de carvão vegetal apresenta-se totalmente disponível para ações. Se existe a necessidade de investimentos, os ganhos ambientais e o potencial de agregação de novos valores econômicos à atividade poderão ser muito significativos.

Desse modo, ao lado da convicção de que o nosso país continuará a manter sua forte atividade de produção e consumo de carvão vegetal, fica a certeza de que são irreversíveis as demandas por transformações de conceitos e práticas a elas vinculadas. As respostas tecnológicas para a maioria dos questionamentos estão disponíveis, havendo apenas necessidade de uma estratégia política para o setor e do incentivo e da disposição para colocá-los em prática.