Mestre em Restauração e conservação de ecossistemas e Coordenadora de pós-graduação da Univiçosa
Coautora: Daniela Higgin Amaral, Mestre em Ciência Florestal pela UFV e Doutorado em Energia pela USP
O setor florestal é um ambiente cada vez menos estereotipado como masculino, onde as tecnologias de produção, manejo e planejamento permitem que nossos processos e operações sejam cada vez mais limpos e precisos. A revolução tecnológica no setor trouxe drones, sistemas integrados, torres de monitoramento automatizadas, veículos rastreados e a necessidade de um profissional cada vez mais arrojado e especializado para executar suas funções. Contudo o setor florestal continua a ser um reduto masculino.
A cultura da hegemonia masculina no setor se materializa, principalmente, na sub-representação feminina nos espaços estratégicos e de decisão política. Mesmo não havendo dados oficiais, é possível observar que não só as empresas do setor como as entidades responsáveis por traçar suas diretrizes não possuem mulheres em seus cargos estratégicos, ou as mantém com uma participação concentrada em áreas administrativas e em funções juniores. Os cargos de liderança do setor florestal continuam, historicamente, concentrados nas mãos dos homens.
Tais informações não estão sistematizadas, contudo uma pesquisa rápida em sites de empresas públicas, privadas e instituições de ensino revela os menores índices da participação feminina. Nesse sentido, em 2016, o Forest Stewardship Council – FSC, reconhecendo as evidências do domínio masculino observadas na formulação de políticas do manejo florestal formal, abriu uma discussão importante acerca da necessidade de promover padrões de igualdade de sexo no manejo florestal.
A bem da verdade, o setor florestal acompanha a tendência do mercado de trabalho mundial, em que apenas 22% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, 32% das empresas não contam com administradores do sexo feminino. Além disso, o Brasil apresenta um fenômeno particular em que, quanto mais alto o cargo, menor a proporção de ocupação por mulheres. Esse fenômeno é chamado de “teto de vidro” e é descrito de forma simbólica como uma barreira transparente e sutil, no entanto forte por não ser nítida e capaz de dificultar severamente a ascensão de mulheres aos cargos de liderança e à tomada de decisão.
As características do setor estão conectadas a estereótipos de sexo que, historicamente, codificam diferenças como naturalmente femininas ou masculinas, atribuindo habilidades e tarefas distintas para homens e mulheres. Tais diferenças influenciam processos de seleção, avaliação e promoção dentro das organizações, alimentando, assim, a hegemonia masculina no setor florestal.
Atualmente, o setor apresenta um cenário de maior diversidade em que as mulheres alcançaram espaços tradicionalmente ocupados por homens. No entanto a diversidade no setor não é nem de longe sinônimo de equidade na ocupação dos espaços, sobretudo no que corresponde às decisões que o conduzem. Existem mulheres em todos os níveis da cadeia florestal, do campo à indústria, mas qual é o impacto da participação dessas mulheres na construção de um paradigma de equidade de sexos para o setor?
O cenário de diversidade que permite o acesso da mulher ao mercado de trabalho não cria um ambiente favorável para sua permanência, uma vez que não é capaz de garantir as mesmas oportunidades designadas aos homens dentro das corporações. Mas como o acesso ao mercado não favorece a permanência?
O cenário de diversidade não é democrático e não comporta a hierarquia de sexo que produz identidades, vantagens e desvantagens que conduzem a trajetória das mulheres no mercado de trabalho e não é suficiente para evitar a banalização das questões e as preocupações que envolvem a inequidade de oportunidades entre homens e mulheres em decisões e negociações de políticas fundamentais nos setores florestais formal e informal.
O contexto em que a mulher se insere no setor pode ser explicado pelo seu cotidiano em uma sociedade que diferencia a sua trajetória, suas possibilidades e sua posição quando, por meio do princípio organizador da separação entre homens e mulheres, as responsabiliza e as onera em tarefas das quais os homens são liberados. Todos os aspectos nos mostram que a mulher está estigmatizada conforme uma hierarquia social e por um lugar criado nessa estrutura que conduz e limita sua trajetória no mercado de trabalho e que se replica no setor florestal.
A criação do estereótipo feminino se faz de acordo com as expectativas relacionadas à esfera reprodutiva, que carrega em si modelos limitantes dificilmente superados, segregando a participação da mulher de forma equitativa nos contextos político, social e econômico. Em recente pesquisa desenvolvida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em que foram analisados dados de 75 países que abrangem mais de 80% da população global, os dados obtidos mostram que, no campo político, apesar de haver paridade no índice de mulheres e homens votantes, apenas 24% das cadeiras parlamentares no mundo são ocupadas por mulheres, e há apenas dez chefes de governo mulheres dentre os 193 países-membros das Nações Unidas.
Ainda de acordo com o estudo, cerca de nove em cada dez homens e mulheres em todo o mundo têm algum tipo de preconceito contra as mulheres; cerca de 50% dos entrevistados, incluindo ambos os sexos, afirmam acreditar que os homens são melhores líderes políticos, enquanto mais de 40% afirmam que eles são melhores executivos de negócios e devem ter acesso a mais empregos quando estes são escassos. Além disso, as mulheres recebem salários menores do que os homens, mesmo desenvolvendo funções semelhantes, e têm menor probabilidade de ocupar cargos seniores.
O desequilíbrio entre as oportunidades para engenheiros e engenheiras florestais se materializa em um contexto bastante conservador, no qual as mulheres ainda são impactadas pelas preocupações acerca das perspectivas de carreira devido à falta de flexibilidade em suas jornadas de trabalho quando se deparam com responsabilidades como a maternidade. A questão da maternidade para a engenheira florestal é bastante controversa, na qual a mulher se depara com o estigma da maternidade compulsória ou com a perpetuação da desigualdade dos cuidados infantis, que são evidenciados com a licença maternidade em extremo desequilíbrio com a licença paternidade. Em ambos os casos, a mulher sofre com o estigma do trabalho doméstico não remunerado, sendo entendida como um elo fraco em uma corrente que, mais cedo ou mais tarde, deve partir.
Não se pode negar que existe um espaço dedicado às discussões de sexo no setor florestal, todavia a participação das mulheres no processo se mantém periférica. Mesmo que a discussão esteja democratizada, a importância ao tema assim como as decisões acerca do que será discutido continuam a ser dominadas pelos homens. Reflexo de um setor, historicamente, construído e legitimado por homens e para homens. Mas como a criação de espaços de discussão não torna a participação da mulher central nesse processo?
A discussão protagonizada por mulheres está restrita aos espaços criados para tal, e, quando chegam aos demais espaços, têm sua essência esvaziada e a sua repercussão enfraquecida pela ausência de pares capazes de conservar a inteireza da questão. Uma discussão expressiva acerca da mulher no setor florestal deve acolher temas como a maternidade, o assédio, o teto de vidro e a divisão sexual do trabalho, fatores que dificultam a sua inserção e permanência no mercado.
O protagonismo feminino nas discussões e nas decisões que devem conduzir a política e todas as diretrizes de combate à inequidade de oportunidades entre homens e mulheres, assim como a ocupação de cargos onde se concentram as decisões do setor florestal, é o alicerce para que possamos construir um novo paradigma e romper com a posição de subordinação feminina.