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Francides Gomes da Silva Júnior

Professor de Tecnologia de Celulose e Papel da Esalq-USP

Op-CP-49

O papel do papel
O tema “Tudo o que a floresta produz” nos remete aos conceitos de uso múltiplo da floresta e uso múltiplo da árvore, uma vez que existe diferença entre esses conceitos. Quando se considera a floresta, é necessário incluir, além dos produtos potenciais, os aspectos ligados aos serviços ambientais. Os textos apresentados nessa edição da Revista Opiniões deixam claro o quão versátil e generosa é e tem sido a árvore no que tange a disponibilização de produtos úteis à humanidade ao longo de sua história. 
 
Quando se considera a madeira como matéria-prima para a produção de polpa celulósica, deve-se enfocar efetivamente que a madeira é uma importante fonte de fibras, elemento principal da polpa celulósica destinada à produção de papéis. A polpa celulósica tem como principal aplicação a produção de diversos tipos de papéis que estão presentes no nosso cotidiano sem que percebamos isso. 
 
Mesmo com o avanço inequívoco da tecnologia digital, substituindo de forma intensa a mídia impressa, vemos o aumento do consumo de papel e, consequentemente, da produção de polpa celulósica. Essas observações estão relacionadas a alguns aspectos tais como ao aumento da população mundial e ainda ao fato de o uso do papel não estar vinculado apenas à impressão e escrita, seu uso mais evidente. Devemos destacar que, entre os principais usos do papel atualmente, está a produção de embalagens e de papéis com fins sanitários ou tissue. 
 
Do ponto de vista econômico-social o consumo de papéis de embalagens é um importante indicador que guarda relação direta com a intensidade das atividades econômicas de uma determinada sociedade; já o consumo de papéis sanitários está relacionado à renda per capita de uma população e outros aspectos sociais correlatos, como as políticas de acesso à saúde e saneamento básico.

Tais observações ficam evidentes quando as estatísticas de consumo per capita de papel são analisadas, por exemplo, em alguns países do continente africano, ficando evidente que parte significativa dessa população não tem acesso a papéis higiênicos. Situações como essa certamente também estão presentes em nosso País.
 
A produção de papéis de embalagem e de sanitários com elevada qualidade requerem fibras com características específicas e distintas, recomendando-se respectivamente fibras longas e fibras curtas; essa distinção está diretamente relacionada às espécies florestais destinadas à obtenção de tais fibras.

As coníferas dão origem às polpas de fibra longa – deve-se mencionar que, anatomicamente, as coníferas apresentam traqueídes – e as espécies de folhosas dão origem a polpas de fibra curta; traduzindo para nossa realidade de florestas plantadas temos as de pinus e de eucalipto, que, respectivamente, dão origem a polpas de fibra longa e fibra curta. Essa diferenciação também é observada nas características dessas madeiras que, por sua vez, apresentam intensos reflexos nos processos industriais de produção de polpa celulósica.
 
A tecnologia empregada na produção de polpa celulósica, market pulp, já está bem estabelecida, o que, no entanto, não significa que não existam desenvolvimentos sendo implementados. Nos últimos 15 anos, temos observado o aumento da capacidade de linhas de produção de polpa celulósica, sendo possível considerar como um módulo padrão, as linhas de fibra com capacidade de produção entre 1,5 e 1,8 milhões de toneladas de polpa celulósica por ano.

Esses aumentos de capacidade estão atrelados a desenvolvimentos especificamente na área de engenharia de equipamentos e de controle de processos. Além dos aspectos mencionados relacionados ao aumento da capacidade, observa-se também que as empresas produtoras de polpa celulósica têm enfatizado a potencialidade de obtenção de diferentes produtos a partir de unidades tradicionais de produção de polpa celulósica, sem comprometer quantitativamente e qualitativamente a produção de market pulp. Essa visão é o que efetivamente caracteriza as unidades de produção de polpa celulósica como verdadeiras biorrefinarias. 
 
A utilização de madeira oriunda de florestas plantadas e certificadas na produção de polpa celulósica em grandes unidades de produção leva, por uma questão de escala, a disponibilização potencial de alguns coprodutos florestais, tais como casca oriunda do processo de descascamento e cavacos não classificados. Dessa forma, pode-se considerar que um pátio de madeiras produz cavacos classificados para produção de polpa celulósica, cavacos não classificados e ainda casca e resíduos do processamento de toras. 
 
Considerando-se a eficiência média de descascamento e classificação de cavacos em unidades modernas de produção de polpa celulósica com capacidade de produção de 1,5 milhões de toneladas por ano, obtém-se a geração de, aproximadamente, 70.000 t/ano de cavacos não classificados e 360.000 t/ano de casca e resíduos. Convencionalmente os cavacos não classificados e a casca de resíduos são destinados à queima em caldeiras de biomassa para geração de vapor e potencialmente energia elétrica.

Como alternativa, os cavacos não classificados poderiam ser utilizados para a produção de pellets para comercialização no mercado internacional. Considerando apenas os “produtos” obtidos no pátio de madeiras, suas aplicações na produção de polpa celulósica, pellets e energia, e os respectivos volumes e preços médios de mercado, nota-se que a produção de polpa responde por aproximadamente 96% da receita anual de uma unidade de produção de polpa celulósica.

Os pellets e a energia obtida da casca, por parcelas praticamente iguais, totalizam 4%. Deve-se destacar que nesses cálculos preliminares não se considerou a energia obtida a partir da queima do licor negro em caldeiras de recuperação.  Os pontos abordados anteriormente mostram que a produção de polpa celulósica de mercado, market pulp, é revestida de inúmeros aspectos que envolvem questões sociais e de sustentabilidade ambiental, além do âmbito técnico e econômico. Esse setor de produção é o que mantém em destaque esse importante e desafiador segmento industrial tradicionalmente ligado ao setor florestal.