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Jorge Rafael Barbosa Almeida

Coordenador de Operações Sociais da Fundação Jari

Op-CP-31

Na floresta, diálogo e parceria são fundamentais

Comunidades tradicionais da Amazônia são historicamente marcadas por sinais da violência e do conflito. Em geral, situações patrocinadas pela chamada indústria do desmatamento, às vezes sob o silêncio ou a conivência de poderes instituídos. Fatos lamentáveis que colocam em dúvida a capacidade das nossas instituições de proteger as pessoas e os recursos naturais, envergonhando nossa nação aos olhos do mundo. Há dez anos, moro nesse pedaço de Brasil, no Vale do Jari, entre os estados do Pará e do Amapá.

Nesses anos de trabalho e aprendizado, participo de uma fundação empresarial, a Fundação Jari, que, a cada dia, busca tornar-se um instrumento de inovação social.  Evoluímos do conceito inicial de projetos pontuais para o diálogo com a sociedade: discutir ideias e propostas, pactuar compromissos e agir de forma integrada com as políticas públicas.

São várias iniciativas no entorno do maior plano de manejo de floresta nativa certificado do planeta, com 545 mil hectares: formação de conselheiros e lideranças para defesa e garantia de diretos da criança, adolescente, jovens e mulheres; formação de líderes comunitários como agentes de defesa da floresta; assessoria a organizações sociais para a realização de projetos de incentivo à leitura, cultura, esporte e cidadania, de qualificação profissional de jovens e adultos para as oportunidades do mundo do trabalho, de empreendedorismo, como o que incentiva agricultores que produzem hortaliças e as vendem aos restaurantes e supermercados locais, entre outros projetos.

Poderia falar sobre cada um, compartilhar conquistas, quedas, lições aprendidas. Porém destaco uma que está entre as mais recentes, mas reflete sobre uma história secular no relacionamento entre o homem e a floresta no Vale do Jari. O Projeto Extrativismo Sustentável tem como propósito valorizar a cultura extrativista e criar condições para a sustentabilidade dessa atividade, que é a principal marca da identidade cultural das comunidades tradicionais da região.

Estas que se utilizam da caça de subsistência, da pesca artesanal e do extrativismo vegetal dos produtos da biodiversidade, principalmente da castanha-do-pará, como principal fonte de trabalho e de sobrevivência na floresta (foto da capa dessa edição).

O Desafio: A relação comercial entre extrativistas e compradores de castanha sempre se baseou no sistema de aviamento, que, por tantos anos, predominou e, ainda hoje, predomina como sistema que move a base produtiva da cadeia da castanha e de outros produtos da floresta na Amazônia.


Porém sempre fundado na reprodução da relação de dependência entre extrativistas e compradores (conhecidos popularmente como atravessadores), preservando características exploratórias, do ponto de vista do trabalho humano e da concentração de riquezas ao final da cadeia.

Por outro lado, esses atores locais exercem grande importância na sustentação dessa atividade que funciona, basicamente, às margens das políticas oficiais de desenvolvimento econômico. Diante do grande desafio, era necessário combinarmos diferentes estratégias, tais como articulação de parcerias comerciais com a indústria, assistência técnica para a implantação das boas práticas, acesso a políticas de fomento da produção rural sustentável, formação e informação aos extrativistas para a organização da produção familiar e outras alternativas de produção e de renda, com base no uso racional do solo e da floresta.

Seria muita arrogância nossa achar que poderíamos quebrar, sozinhos, esse sistema. Afinal, já havíamos aprendido essa lição no passado e, diante do desafio de intervir nessa cadeia, tínhamos que olhar mais para os lados, abrir mais os ouvidos e sair em busca de alianças.

O exercício do diálogo deve ser uma etapa permanente e indispensável no escopo da política de responsabilidade social de qualquer empresa que tenha real interesse de contribuir para o desenvolvimento regional sustentável. Com parcerias firmadas, extrativistas tiveram acesso ao crédito rural (Pronaf - Banco do Brasil) por quatro anos seguidos. Recursos na ordem de R$ 314.279,51 para mais de 50 castanheiros, índice zero de inadimplência e garantia da continuidade para a próxima safra.

O acesso às políticas públicas de crédito (Pronaf), subvenção (PGPM Bio) e comercialização (PAA e PNAE) da produção agrícola e extrativista repercutiu em um novo posicionamento do extrativista no contexto da relação comercial com os compradores de castanha, uma vez que os participantes do projeto não tiveram mais que se submeter aos efeitos exploratórios do sistema tradicional de aviamento.

Ao lançar mão de recursos próprios, advindos da relação com essas políticas, o extrativista retornava dos castanhais com uma produção que, então, passou a ser sua de fato e não mais da figura do “patrão”, elevando-se a um patamar mais de “igual para igual”, exercendo o direito de negociar preços mais justos.

Passo importante na aquisição da independência econômica do extrativista, tornando o mercado mais competitivo e forçando a migração das relações comerciais para o campo da legalidade, da ética e da cidadania.

Foram mais de R$ 1.200.000,00 de incremento na economia regional em 4 anos, considerando somente as famílias participantes do projeto (aumento na renda média de R$ 5.600,00 família/ano). Isso sem mensurar as demais comunidades da região, também beneficiadas indiretamente, por causa da elevação dos preços pelo aumento da concorrência e do grau de informação do extrativista sobre o mercado local.

As boas práticas na cadeia de valor da castanha:  
Negociar bons preços e reduzir a cadeia de intermediários entre o extrativista e a indústria dependem da adoção de padrões de qualidade do produto. Com a orientação técnica (Embrapa, Emater e STTR Almeirim) para os cuidados adequados no processo coleta, quebra, lavagem, transporte, secagem e armazenamento da castanha e a implantação de estruturas (paióis, barracões de armazenagem e secadores industriais) nas comunidades – investimentos do governo do Pará (Ideflor), prefeitura de Almeirim e Grupo Orsa –, foi possível influenciar a redução dos índices de umidade e o aumento da produtividade e da renda.

Além das boas práticas na produção da castanha, os extrativistas foram orientados a reaproveitar áreas já alteradas pela prática da lavoura (roça), bem como a utilizar adubação orgânica,  promover a diversificação e a rotação de culturas, o plantio de espécies resistentes e adaptadas às condições climáticas locais e o controle eficaz de pragas e doenças através do uso de defensivos naturais alternativos. São os conhecidos SAFs - Sistemas Agroflorestais.

Eles evitam a derrubada de novas áreas de floresta pela queima de roças, diversificam a produção familiar e aumentam as condições de segurança alimentar e renda. Outra repercussão do trabalho foi a organização de um grupo de mulheres que se apropriou das técnicas de produção, higiene e qualidade para a confecção de biscoito de castanha-do-pará. Elas adquiriram os equipamentos necessários, utilizando recursos financeiros próprios, oriundos da melhoria na renda familiar com a venda da castanha.

O resultado foi a comercialização dos biscoitos de castanha para a merenda escolar (prefeitura de Almeirim) a preços até quinze vezes acima do valor da castanha, quando vendida in natura. Essa atitude valorizou os saberes tradicionais e o trabalho da mulher, diversificou e agregou valor ao produto e fortaleceu a organização e a economia familiar.

Agora, os frutos dessa “colheita” já não são nossos, pertencem às comunidades, pela via da participação social e do empoderamento. Acima de tudo, pertencem à sociedade, pois resultam de um esforço coletivo de pessoas e de instituições que acreditaram e tomaram decisões, cientes de que não há outro caminho para a construção de um modelo de Governança Florestal para a Amazônia, a não ser pela via do diálogo e da cooperação intersetorial, da efetivação de políticas públicas e do exercício da responsabilidade empresarial.