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Júlio Sérgio de Britto

Presidente da Compliance Agribusiness

Op-CP-61

A macrovisão sobre o combate à formiga
O controle de formigas cortadeiras de folhas na agropecuária brasileira, particularmente as espécies dos genêros Atta spp e Acromyrmex spp, correu sérios riscos de perder a melhor alternativa de controle, uso de iscas formicidas à base do ingrediente ativo sulfluramida, após o início das discussões para a inclusão de novas substâncias químicas no Comitê de Revisão de Poluentes Orgânicos Persistentes – POPRC, da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.
 
A Convenção de Estocolmo é um Acordo Multilateral Ambiental juridicamente vinculante, que foi discutido, negociado e acordado por vários países no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que entrou em vigor em 2004 e tem como objetivo final o banimento, em nível internacional, de Poluentes Orgânicos Persistentes – POPs, constantes dos Anexos A e B do texto da Convenção.

Doze substâncias foram incluídas, inicialmente, nos Anexos A e B (aldrin, clordano, DDT, dieldrin, dioxinas, endrin, furanos, hexaclorobenzeno, heptacloro, mirex[dodecacloro], PCBs e toxafeno). Também foram estabelecidos os critérios e as diretrizes para a inclusão de novas substâncias químicas no texto da Convenção.
 
O POPRC começou a discutir, desde a sua primeira reunião, a inclusão, nos Anexos A, B e C da Convenção, das substâncias químicas PFOS, seus sais e PFOSF, tendo aprovado a caracterização dessas substâncias como POPs. Sendo o PFOSF a principal matéria-prima  para a síntese do ingrediente ativo sulfluramida, que é utilizado na fabricação de iscas formicidas para o controle de formigas cortadeiras de folhas, o tema ganhou uma importância significativa de interesse do Brasil, que passou a integrar todas as reuniões do referido Comitê, com a participação de representantes do governo (Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde), da academia e da indústria (ABRAISCA).
 
A participação efetiva e multissetorial de todos os setores envolvidos no problema, seja do poder público, seja da sociedade civil, permitiu que o Brasil apresentasse, de maneira clara, objetiva e devidamente fundamentada, a necessidade de continuidade de uso das iscas formicidas à base de sulfluramida no controle de formigas cortadeiras de folhas, tendo em vista a inexistência de alternativas técnica e economicamente viáveis para a sua substituição naquela oportunidade.

A decisão de incluir as substâncias químicas PFOS, seus sais e PFOSF nos Anexos A e B da Convenção de Estocolmo foi adotada na Quarta Reunião da Conferência entre as Partes-COP, realizada em maio de 2009, após intensos debates entre as partes, que contou com efetiva participação da delegação brasileira na defesa da inclusão do PFOSF no Anexo B, com a finalidade aceitável para a produção de sulfluramida na fabricação de iscas inseticidas para o controle de formigas cortadeiras de folhas das espécies Atta spp e Acromyrmex spp.
 
A inclusão no Anexo B como finalidade aceitável permitia o uso da substância exclusivamente para aquela finalidade até que fossem identificadas alternativas técnicas viáveis para a sua substituição, sem um prazo definido. Essa decisão permitiu que as partes interessadas devessem notificar a Secretaria da Convenção sobre sua necessidade de uso da referida substância, notificação essa que foi feita pelo Brasil, através do Ministério das Relações Exteriores, assim que foi aberto o período para a sua realização.
 
O Brasil continuou a participar de todas as reuniões do POPRC e das COPs, sempre contando com uma participação efetiva dos principais setores envolvidos (MMA, MAPA, Academia e Abraisca), no sentido de continuar a defender a necessidade de manutenção da referida finalidade aceitável no Anexo B da Convenção, uma vez que não havia surgido alternativas ao uso proposto, além de participar de vários grupos de trabalho e demandas sobre elaboração de guias de alternativas e relatórios sobre o uso da referida tecnologia.

A oitava reunião técnica do POPRC, que aconteceu em outubro de 2012, ratificou os guias de alternativas e encaminhou proposta a ser deliberada na COP, no sentido de convidar as partes que ainda utilizavam PFOSF e seus químicos relacionados para o controle de formigas cortadeiras dos gêneros Atta spp e Acromyrmex spp a realizarem estudos de revisão de pares para se obterem informações sobre a viabilidade de utilização de alternativas ao PFOS, seus sais e PFOSF, e seus produtos químicos relacionados, dentro de uma abordagem de manejo integrado de pragas, e apresentar quaisquer resultados para a Secretaria.

Essa proposta foi ratificada pela COP6 no ano seguinte. O Brasil, no intuito de atender a essa demanda da Convenção de Estocolmo, criou um Grupo de Trabalho, sob a coordenação do Ministério da Agricultura, com a participação de diversos especialistas dos principais setores envolvidos com o tema (setor público, academia, produtores e indústria).

Esse estudo consistiu no levantamento da literatura disponível sobre o assunto, tendo sido levantadas mais de 700 referências bibliográficas, entre publicações técnicas e científicas, incluindo artigos científicos, livros teses, monografias, patentes, apresentações em simpósios, congressos, reuniões técnicas, pareceres enviados ao POPRC, experiência prática de especialistas, etc.). 
 
Foram feitas reuniões periódicas, além da criação de um espaço web, para a participação de todos os integrantes. O referido estudo foi publicado na Revista Internacional de Pesquisas e Estudos no Meio Ambiente, BluePen Journals, e encaminhado para o Secretariado da Convenção, passando a ser a principal referência técnica sobre o tema na Convenção de Estocolmo.
 
A última COP, realizada em maio de 2019, discutiu sobre a necessidade de continuidade de uso das diversas finalidades aceitáveis e exceções com prazos definidos para a eliminação dos PFOS, seus sais e PFOSF, tendo, finalmente, deliberado pela eliminação de todas as finalidades aceitáveis no Anexo B da Convenção, exceto a finalidade aceitável para a fabricação de PFOSF para a produção de iscas inseticidas à base de sulfluramida para o controle de formigas cortadeiras de folhas dos gêneros Atta spp e Acromyrmex spp, exclusivamente para uso na agricultura, tendo em vista as fundamentadas alegações apresentadas pela delegação brasileira quanto à inexistência de alternativas adequadas para a sua substituição até aquele momento, permanecendo, então, a possibilidade de continuar utilizando a referida tecnologia, sem prazo definido para sua eliminação, até que surjam alternativas adequadas para a sua substituição.

O Brasil manteve o compromisso junto à Convenção de Estocolmo de desenvolver todos os esforços necessários na busca de novas alternativas que atendam aos critérios técnicos estabelecidos na Convenção: viabilidade técnica, efeitos para a saúde humana e no meio ambiente, custo/benefício, eficácia, disponibilidade e garantias de atender a todas as demandas.

Assim que surgir uma que cumpra com todos esses critérios, o Brasil será o primeiro país a propor um programa de substituição adequado e que não comprometa o setor produtivo brasileiro. Finalmente, convém salientar que a manutenção do uso das iscas formicidas à base de sulfluramida no controle de formigas cortadeiras de folhas na agropecuária brasileira e, principalmente, no setor florestal, que se caracteriza como a melhor alternativa de controle dessa praga (formigas cortadeiras de folhas), representando mais de 95% desse mercado, só foi possível devido ao esforço, dedicação e comprometimento de todos os setores envolvidos nesse assunto, seja do setor público, através do Ministério da Agricultura, seja da sociedade civil, representada principalmente pela Academia, e entidades de pesquisa pública e privada, da indústria e do setor produtivo.