Professores do Departamento de Microbiologia e do Departamento de Fitopatologia, respectivamente, da UFV - Universidade Federa
As doenças de plantas causadas por bactérias (bacterioses) são, atualmente, responsáveis por enormes prejuízos em culturas agrícolas e florestais. No setor florestal, a murcha bacteriana, causada por Ralstonia solanacearum, a seca de ponteiros e a murcha de Erwinia, causadas por Erwinia psidii, e a mancha foliar e desfolha, causada por Xanthomonas axonopodis pv. Eucalyptorum, têm causado grandes perdas na eucaliptocultura, no Brasil. Tais doenças podem ocorrer desde a produção de mudas até o estabelecimento e a condução das plantas no campo.
O controle de bacterioses, em geral, constitui um grande desafio em todo o mundo, em virtude das dificuldades de se obterem antibióticos eficientes contra o patógeno já estabelecido na planta, além do risco de seleção para resistência e sua transferência horizontal para bactérias patogênicas ao homem e aos animais. Para eucalipto, o controle de bacterioses tem sido realizado mediante o plantio de genótipos resistentes. No entanto há clones produtivos, mas altamente suscetíveis.
A descoberta de alternativas de controle pode mitigar as perdas e viabilizar o plantio de tais materiais. Há, na natureza, vírus que infectam bactérias (bacteriófagos) ou simplesmente “fagos” com grande potencial de controle biológico.
Os fagos são os organismos mais abundantes do planeta e desempenham importantes funções para a manutenção do ecossistema. Eles podem ser obtidos de esgoto, fezes, solo ou água, dentre outros. Nos últimos anos, a fagoterapia tem despertado interesse mundial e amplia as perspectivas do manejo ecológico de doenças em plantas. Embora, na área florestal, ainda seja incipiente, a fagoterapia coincide com a crescente demanda por práticas sustentáveis de manejo e com menor impacto negativo ao ambiente.
O primeiro bacteriófago disponível para comercialização foi registrado na Agência de Proteção Ambiental dos EUA, em 2005, e foi designado para o controle da mancha bacteriana da pimenta e da pinta bacteriana do tomateiro, causadas por Xanthomonas campestris pv. vesicatoria e Pseudomonas syringae pv. tomato, respectivamente. Um levantamento recente demonstra o crescimento do número de pedidos de patentes que envolve a utilização de bacteriófagos como agentes de biocontrole na agricultura.
Pelo menos, 97 pedidos de patente já foram registrados em todo o mundo, sendo a maioria deles realizados na Ásia, continente que também originou a maior parte dos artigos científicos publicados sobre o tema nos últimos anos. A América do Sul, incluindo o Brasil, responde por menos de 10% dos pedidos. Mais de 50% dos pedidos de patente visam ao controle de bactérias pertencentes aos gêneros Ralstonia, Xanthomonas, Xylella, Dickeya, Pectobacterium, Pseudomonas e Erwinia.
Vários bacteriófagos que infectam R. solanacearum já foram descritos. Entre eles, alguns possuem amplo espectro de ação, enquanto outros são mais restritos quanto à gama de hospedeiros. Resultados promissores foram obtidos com o vírus φRSL1, capaz de inibir a colonização de R. solanacearum e garantir a proteção contra a murcha bacteriana. Adicionalmente, esse vírus exibe relativa estabilidade no solo, especialmente em altas temperaturas (37-50 °C), e é persistente, sendo recuperado de solo rizosférico meses pós aplicação.
A fagoterapia clássica é baseada no isolamento e na utilização de fagos selecionados contra bactérias-alvo. Na maioria das vezes, são formulados coquetéis com uma mistura de diferentes fagos, o que aumenta o número de isolados bacterianos-alvo e diminui a frequência de seleção de bactérias resistentes. Entretanto diversos problemas têm sido relacionados com a utilização da fagoterapia clássica, como seleção de bactérias resistentes.
Além disso, os fagos terapêuticos não devem codificar genes indesejáveis (por exemplo, toxinas) e não podem apresentar lisogenia para minimizar a ocorrência de transferência de material genético entre células bacterianas. Dessa forma, têm sido propostas novas abordagens para a utilização de fagos como agentes terapêuticos, como a utilização de proteínas bacteriostáticas e bacteriolíticas codificadas por fagos, como endolisinas, holinas e depolimerases.
Assim, a caracterização de bacteriófagos, capazes de infectar bactérias fitopatogênicas, é relevante diante de seu potencial no controle biológico, representando uma alternativa ambientalmente segura, em relação aos produtos químicos convencionalmente adotados. Nos últimos anos, nosso grupo de pesquisa tem concentrado esforços na caracterização de bacteriófagos líticos com potencial para o controle biológico da murcha bacteriana causada por Ralstonia spp., em viveiros florestais. Atualmente, há seis bacteriófagos com grande capacidade lítica, que têm se mostrado estáveis ao longo de vários ciclos de multiplicação.
O potencial de utilização desses vírus para o controle de R. solanacearum foi previamente testado em tomateiro e eucalipto, em condições controladas de cultivo, mostrando resultados promissores para utilização como agentes de controle biológico da murcha bacteriana. Esses vírus possuem genes típicos associados à lise bacteriana, que codificam enzimas como holinas, endolisinas e depolimerases, que atuam sobre a bactéria durante o processo de lise.
Uma proteína lítica de origem viral foi expressa em E. coli e purificada, e seu efeito foi avaliado na integridade do biofilme formado por Ralstonia, E. coli e Staphylococcus aureus. A proteína viral inibe a formação e degrada biofilmes pré-formados de Ralstonia, tornando-a incapaz de causar doença. Portanto a utilização de bacteriófagos possui potencial aplicação biotecnológica na remoção de biofilmes formados por esse patógeno. Outros bacteriófagos estão sendo testados contra E. psidii e X. axonopodis pv. eucalyptorum na cultura do eucalipto.
Patógenos bacterianos são de difícil controle, sendo que, em certos casos, sua presença pode limitar o plantio de determinados clones. Além disso, atualmente, a busca por métodos alternativos de controle de doenças que apresentam um menor impacto ambiental e para a saúde humana e dos aninais se torna extremamente relevante. Nesse contexto, o isolamento e a caracterização de genes bacteriolíticos e bacteriostáticos de fagos com potencial uso terapêutico é uma alternativa promissora para o controle de bacterioses florestais.
ACIMA:
À esquerda partícula do bacteriófago Xanthomonas virus XC2, visualizada no microscópio eletrônico.
À direita partícula do bacteriófago Xanthomonas virus XC2, em contato com a célula bacteriana visualizada no microscópio eletrônic
ABAIXO:
Bacterioses em eucalipto, causadas por:
Ralstonia solanacearum (A – C),
Erwinia psidii (D – F) e
Xanthomonas axonopodis (G -I).
ACIMA:
Lise celular visualizada como uma zona clara (placas de lise) em placa de Petri com uma camada de células bacterianas em crescimento.
ABAIXO:
À esquerda tubo contendo uma cultura de células de Rasltonia e à direita tubo contendo uma cultura de Rasltonia incubada com bacteriófagos onde é possível verificar morte celular bacteriana pela ausência de turbidez.