Coordenadora do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria
Celebramos 61 anos de engenharia florestal no Brasil. Mudanças evidentes e avanços expressivos marcam essa história incrível, partindo de grandes mestres desbravadores, que contaram com apoio e conhecimento vindo da Europa. Essa base foi determinante para a engenharia florestal no Brasil, país com importância mundial no contexto de produção florestal e serviços ambientais.
O surgimento do curso partiu da preocupação relacionada ao uso e mudanças dos ecossistemas florestais, paralelamente à perspicácia de alguns silvicultores da época, que prognosticaram a escassez de madeira em um futuro próximo.
Assim, em 1960, foi criada a Escola Nacional de Floresta, um pouco de Universidade Federal do Paraná – UFPR e Universidade Federal de Viçosa – UFV. Ambas, ainda referência em nossa área, serviram de base à formação dos primeiros cursos de engenharia florestal, estrategicamente distribuídos no Brasil.
Na região central do Rio Grande do Sul, em dezembro de 1970, dez anos após a fundação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, tem-se o início o curso de engenharia florestal com a primeira turma ingressando em janeiro de 1971. Os professores, na época, eram egressos da UFPR, UFV e da Áustria e, posteriormente, foram alguns dos primeiros egressos da UFSM (Professores Paulo Schneider, Solon Longhi, Doádi Brena, Franklin Galvão, Maria Mezzomo, Sonia Bitencourt e Juarez Hoppe).
Qual era a situação dos docentes e egressos na fase inicial? No meu ponto de vista, formado com base em leituras, observações e conversas, existiam muitos desafios:
a) o desmatamento intensivo e a conversão de áreas para uso agropecuário;
b) o crescimento lento das espécies nativas e os poucos estudos sobre as mesmas; e
c) a silvicultura de espécies como Eucalyptus spp., Pinus spp., Acacia mearnsii (no RS), que demandava maior aprimoramento.
Diante dessas circunstâncias, como proceder? Com os incentivos fiscais (Lei 5.106/1966) para florestamento e reflorestamento, era necessário apoio técnico para tais investimentos, em uma área de atuação nova e com pouco conhecimento sobre as espécies plantadas. Assim, surgem muitos engenheiros florestais pesquisadores, pois a assistência técnica dependia de observações e aprendizado.
Sabe-se que muitos desses empreendimentos não tiveram êxito, pois as pesquisas florestais demandam maior tempo para gerar resultados e conclusões, além da dificuldade no compartilhamento das experiências. Entretanto, paralelamente a algumas frustrações, havia maior direcionamento sobre quais espécies apresentavam maior potencial de adaptação nas diferentes regiões, que apresentavam potencial para uso em propriedades rurais, siderurgia e celulose (ênfase ao Eucalyptus e Pinus), além do fato de estar mais evidente a importância do reflorestamento para o suprimento de madeira.
Naquele momento, suponho que existiam muitas incertezas. Em um Brasil diverso, então, qual seria o caminho mais viável? Aproveitar os estudos e as experiências obtidas em países com realidades distintas ou, então, no Brasil, e intensificar os esforços.
Em 1992, quando ingressei no curso de engenharia florestal da UFSM, lembro-me de que fui incentivada pela frase “Engenharia florestal é a profissão do futuro”. O sonho de salvar o mundo já nos primeiros anos corria nas veias, do mesmo modo que na de muitos outros jovens da época. Surge, então, o mundo universitário, capaz de mostrar as diferentes visões, viabilizando o aprofundamento teórico e prático.
Havia o reconhecimento da importância de intensificar as técnicas com pesquisas visando ao avanço, dando cada vez mais suporte à engenharia florestal, que nos seus primórdios enfatizava a silvicultura, o manejo florestal e a tecnologia da madeira, além de uma abordagem inicial sobre a geotecnologia. Paralelamente, parte dos esforços eram dedicados à conservação e à sustentabilidade. Assim, ensino e pesquisa continuavam sendo o foco das universidades, mas ainda faltava maior interdisciplinaridade e interação com empresas e comunidades.
Lembro-me também de que havia certa polarização dos pensamentos produção versus meio ambiente, como se um excluísse o outro. Entre colegas, discutíamos a necessidade de ambos evoluir juntos.
Naquela época, tive muita curiosidade de conhecer outras regiões, foi quando segui para intercâmbios, pois precisava entender um pouco mais da engenharia florestal no contexto das espécies nativas, ainda que, a formação de povoamentos florestais me parecesse mais lógico “plantar para colher”. Nessas oportunidades, foi mais fácil entender que nem sempre o que é divulgado está correto, pois as realidades regionais diferem. A partir disso, entendi que era necessário vivenciar, analisar e, então, gerar uma nova interpretação, que não pode ser estática, mas deve estar apta à mudança quando diante de novas evidências.
Atualmente, percebo os desafios da formação do engenheiro florestal do mesmo modo que na maioria das profissões, bem como a importância de perseverar. Isso fica evidente a partir da análise do setor de base florestal, o qual representa 1,2% do PIB nacional e possibilita a geração empregos diretos e indiretos a cerca de 1,8% da população. Esses resultados, inquestionavelmente, representam esforço conjunto, impulsionados pela capacitação de pessoas, geração de novas tecnologias, aumento da produtividade e da inovação. Assim, a engenharia florestal evoluiu junto com seus profissionais, agregando conhecimento no que se refere à silvicultura e ao manejo, visando disponibilizar matéria-prima para a tecnologia de produtos florestais.
A geotecnologia se torna forte aliada no planejamento e na tomada de decisões, amparada pela gestão ambiental. As grandes empresas não buscam somente novas áreas, mas também melhoram seus materiais genéticos, aperfeiçoam as técnicas, otimizando a produtividade e gerando novos produtos. Paralelamente, intensificam sua responsabilidade social e ambiental.
No contexto da universidade, o que antes ficava no ensino e pesquisa, passou a incluir a extensão universitária. Atividades são planejadas para serem realizadas fora dos limites da instituição, oportunizando a interação com comunidades e empresas e a construção conjunta de novas ideias e ações. Posteriormente, o aprendizado é compartilhado com o grupo de trabalho e, obviamente, com os acadêmicos.
Essa experiência é fundamental, possibilitando aos professores e acadêmicos o entendimento das demandas da sociedade. No retorno da atividade de extensão, orientamos o discente a identificar lacunas na formação e, em seguida, complementá-las, pois, afinal, as universidades que acolhem os cursos de engenharia florestal dispõem de múltiplas oportunidades.
O curso chegou ao seu patamar ideal? Claro que não. Somos engenheiros florestais, assim, precisamos continuar projetando, realizando e inovando de modo contínuo, utilizando os recursos naturais para produção e conservação de florestas, qualificando a geração de serviços ecossistêmicos inerentes às florestas, preservando áreas com função de estabilização geológica e recuperando áreas que não cumprem sua função. Então, pergunto, alguma profissão tem mais competência e habilidade para conduzir florestas do que a nossa? Desconheço!
Entretanto, àqueles interessados em realizar o curso e aos discentes em formação, destaco a necessidade de: a) entendimento preliminar da função do engenheiro florestal, capaz de produzir conservando o meio ambiente; b) determinação e curiosidade para o entendimento amplo e, então, específico da sua área, possibilitando inovações; c) estar disposto a atuar com ética profissional, o que inclui a responsabilidade.