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Erich Schaitza

Chefe-geral da Embrapa Florestas

OpCP67

Pronto: tá aí!
Quando a Revista Opiniões me convidou para escrever um artigo com um título singelo – “Plantar Floresta: pra quê?” –, achei que seria fácil. Passaram-se uns dias e me apavorei: dar razões para que se plantem florestas em um veículo cujos leitores são especialistas em florestas é listar platitudes. Entrei em um parafuso bipolar, que só acabou quando lembrei que o Plano Nacional de Desenvolvimento de Florestas Plantadas se autointitula Plantar Florestas.
 
Minha confusão mental acabou quando fui ao documento do Plantar Florestas e vi que ele próprio diz a que veio e o que é e, de quebra, fala por que plantar florestas: “É um esforço articulado do governo, coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),
 
com o envolvimento de representantes setoriais da área florestal e agrícola. Seu objetivo é definir linhas de ações para todos os atores setoriais, de forma que florestas plantadas gerem emprego e renda; e contribuam com o desenvolvimento humano e a qualidade ambiental do espaço rural brasileiro”. 

Pronto, tá aí: o plantar florestas é importante porque põe todos os atores florestais para que andem para um mesmo lado, para que vejam os mesmos problemas e criem soluções. E, de quebra, está aí a descrição da importância de se plantar florestas: geração de empregos e renda, melhoria da vida das pessoas e da qualidade rural e ambiental.

Parar por aqui atenderia à minha missão, mas, por desconfiar que o editor queria algo mais, resolvi pensar no que se diz da importância de florestas plantadas e resumir o que penso sobre alguns pontos.

• Florestas plantadas removem a pressão sobre florestas naturais e evitam o desmatamento pela diminuição da demanda de produtos florestais. Não concordo com isso. Pode até acontecer em situações específicas, mas, no geral, não. Madeiras serradas e placas de pínus e eucalipto não substituem a madeira tropical; geram produtos diferentes, mais homogêneos, mais leves e são vendidos em mercados diferentes. Não é por plantarmos pínus e eucalipto no sul de São Paulo que vamos salvar florestas com Araucária, matas de peroba ou a Amazônia. Os produtos florestais de florestas plantadas convivem com os provenientes de florestas naturais manejadas de forma sustentável e geram os mesmos benefícios. Manejar florestas evita desmatamento. Plantar florestas não evita desmatamentos.

• Gera emprego e renda, com produtos madeireiros ou não. Essa afirmativa eu assino embaixo. Basta a gente ler o relatório anual da Ibá e ver que das florestas plantadas saem 5.000 produtos diferentes, de chá mate a nanocelulose de pínus e eucaliptos. Telhados, portas, mesas, cadeiras, papel ou produtos com aquele cheirinho de eucalipto que nos lembram sauna e nos dão uma sensação de limpeza. São 3,8 milhões de trabalhadores e uma renda anual de 100 bilhões de reais. 
 
Voltando ao plantar florestas, o plano governamental e sua importância, ele nos fala da oportunidade de aumentarmos a produção de madeira para a construção civil, usarmos mais madeira para gerar energia sustentável e desenvolver novos produtos verdes para o mundo. Aborda também nosso potencial competitivo, mostrando que temos vantagens comparativas para a produção florestal inerente a sermos um enorme patropi, com potencial para crescer ocupando áreas de pastagem e de agricultura de baixo rendimento. 

• Proteger solos, água e biodiversidade. Uma afirmativa que ouvimos muito quando se fala de plantios de restauração, de proteção de matas ciliares e encostas de morros, mas que também deve ser verdadeira nos plantios para geração de renda. 

Trabalhei em um projeto do governo do Paraná, o Paraná Biodiversidade. Nele fazíamos escambo por serviços ambientais. Facilitávamos o acesso a bebedouros de gado em troca de restauração de matas ciliares. Melhorávamos o estábulo de vacas leiteiras, recebendo o plantio de reservas legais em troca. Nessa toada, recuperamos 15 mil quilômetros de matas ciliares e plantamos uma boa área, uns milhares de hectares de reservas legais. Um dia, levamos uma missão do Banco Mundial e o Presidente do GEF para ver nosso trabalho em São José das Palmeiras, numa microbacia onde 100 produtores recuperaram suas nascentes e matas ciliares, um do ladinho do outro. Antes da missão, fomos visitar os agricultores e industriá-los:

“falem da biodiversidade sempre, que ela aumentou e tal”. No dia da missão, vimos as matas e conversamos com os agricultores e eles não cansavam de dizer que a água voltou, que os rios estavam mais regulados, não tinha enchente, não tinha seca. E eu nervoso, pensando: eles não vão falar de biodiversidade, o foco de nosso projeto. Chegou uma hora, não resisti e perguntei da biodiversidade, e responderam: está cheio de bicho também. Mas não estavam nem aí para os bichos. 

Tudo isso para dizer que concordo com a afirmação e a floresta plantada, principalmente as de restauração, tem uma importância enorme para regimes hídricos, conservação de solos e biodiversidade. 

Para fechar, florestas com exóticas também têm uma relação muito grande com fauna e proveem proteção de solos e água. Há estudos de fauna em plantios que mostram uma grande interação e capacidade de suporte até para onças, bichos no topo da cadeia alimentar.   

Poderia falar ainda de várias outras razões para plantar, como promoção de beleza cênica; um plantio é tão mais bonito que um morro careca, sombra e conforto térmico para pessoas e animais, descarbonização de sistemas de produção por substituição de derivados de petróleo e mais um monte de pontos, mas vou fechar o artigo com a mais gasosa das razões:

• Capturar gases de efeito estufa. Outro dia, um artigo no Estadão falava que o principal inimigo da agricultura, hoje, é o desmatamento. Plantar florestas é a antítese do desmatamento. É o “matamento”. Desmatar emite carbono, plantar florestas captura carbono. E isso ocorre mesmo que ela seja cortada, especialmente se for manejada de forma sustentável e com produções reguladas. 

Para termos mil metros de madeira e atendermos a um ano do funcionamento de uma fábrica, precisamos ter no campo árvores suficientes para a produção de mil metros no ano seguinte e no seguinte e no seguinte. 

Se fosse um sistema ordenado em pínus, todo ano cortaríamos 1/20 de nossa área e manteríamos outros 19/20 crescendo no campo. Ao final do 20o ano, voltaríamos a cortar aquela mesma área que cortamos no ano um, e o ciclo de cobertura do solo com florestas se perpetua. 

Os plantadores de árvore têm um potencial enorme para serem os grandes mocinhos da área de carbono. No entanto, precisam entender bem como seus sistemas de produção se relacionam a ciclos de carbono. O mercado de carbono ainda é desregulado, voluntário, afeto a arroubos de pessoas mais agressivas, mas a filosofia de processos sustentáveis e de baixo carbono veio para ficar.

Finalizando, precisamos plantar florestas que atendam a todos esses pontos comentados e a mais tantos outros. Não é interessante ter florestas que só gerem renda. Nem florestas que só protejam. Temos que ter florestas de uso múltiplo e de serviços múltiplos. E daí apresentar os pra quês de boca cheia.