Diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica do Ministério da Ciência e Tecnologia
Op-CP-11
Os cenários de mudanças climáticas, relatados no 4° Relatório do IPCC AR4 (2007), apontam para uma série de alterações climáticas globais, da temperatura do ar à superfície, e nos padrões de precipitação, com potencial impacto no setor produtivo, principalmente na produção agrícola e na geração de energia.
O AR4 apresenta a evolução das médias globais nos próximos 100 anos, assim como mapas que indicam os padrões espaciais das anomalias de precipitação e temperatura esperados, tanto anualmente, como do ponto de vista sazonal. O AR4 difere dos levantamentos anteriores do IPCC, por ser baseado em um número maior de modelos climáticos, produzidos por cerca de uma dúzia de centros de pesquisa. Portanto, o AR4 apresenta os cenários mais prováveis para os próximos 100 anos.
Os cenários do AR4 são baseados em uma variedade de simulações, com diferentes modelos, que foram validados conforme sua capacidade de representar, satisfatoriamente, o clima do passado e do presente. O grande avanço observado entre o AR4 e seu antecessor, o terceiro relatório (publicado em 2001), está na maior segurança proporcionada pelos diversos modelos usados, permitindo conclusões com maior grau de certeza (ou menor incerteza), com relação ao efeito das atividades humanas no clima da Terra.
Ao usar um conjunto de modelos de diferentes origens e com diferentes características, o AR4 procurou usar a diversidade dos modelos como um fator de definição de probabilidade de ocorrência, ou de grau de confiança, principalmente quando enfocadas as diferentes regiões geográficas do globo e as diferentes estações do ano.
De particular interesse é a mudança no regime de precipitação, nem sempre detectável no total anual, mas em mudanças no comprimento da estação chuvosa (como é o caso no Brasil Central, onde o IPCC aponta para uma maior probabilidade de estações secas, mais secas que atualmente). Tanto as alterações previstas na temperatura, como no regime anual e sazonal da chuva, podem ter impactos dramáticos na biodiversidade, nas atividades agrícolas, na sobrevivência de biomas naturais, além do efeito direto na disponibilidade da água e no degelo em altas latitudes, com reflexos no nível do mar, que afeta diretamente as regiões costeiras.
O AR4 deixa bem claro que existem incertezas significativas no que se refere aos cenários regionais. A análise dos efeitos regionais nos cenários futuros, especificamente no caso dos padrões de chuva, tem uma incerteza básica, que é a própria representação da chuva: os modelos atuais de previsão de tempo e de previsão climática sazonal ainda têm problemas nesse sentido, o que aumenta sensivelmente a incerteza dos cenários futuros, na escala de décadas, a centenas de anos.
De forma menos direta, porém, ainda relevante, tem-se incertezas com relação ao acoplamento oceano-atmosfera, biosfera-atmosfera e, por fim, existem as limitações na representação da química atmosférica e dos ciclos biogeoquímicos. Reconhecendo as incertezas regionais dos cenários climáticos globais, várias iniciativas têm levado à produção de cenários climáticos para os próximos 100 anos, bem mais detalhados, através do enfoque, em menores escalas, permitido por modelos regionais.
Mesmo chegando a resoluções da ordem de poucos quilômetros, ainda resta o problema da interação não-linear entre escalas, que existe na natureza. Para reduzir a incerteza, associada à baixa resolução e ao desenvolvimento de nuvens e chuvas, temos duas opções principais:
1. aumentar a resolução e incluir processos mais detalhados da formação de nuvens e sua interação com o material particulado produzido naturalmente ou pela atividade de origem antrópica, e
2. uso de análise estatística para converter as informações dos modelos globais de baixa resolução em informações locais.
A solução “1” é mais cara, computacionalmente. No caso brasileiro, temos fôlego para seguir esta solução, considerada mais geral. O CPTEC/INPE - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em associação com universidades e outras unidades de pesquisa do MCT - Ministério de Ciência e Tecnologia, tem equipe e computadores, que nos colocam entre os 12 centros mundiais com capacidade de produzir cenários climáticos de longo prazo.
Mas, a solução “2” é mais rápida e devemos seguir nesta linha e fornecer cenários mais realísticos para o setor agrícola e energético. A incerteza existente nos cenários regionais não deve ser uma desculpa para a inação. Devemos usar os cenários climáticos futuros e o impacto nos diversos setores produtivos, e desenhar estratégias de adaptação.
Também é importante lembrar que o AR4 reconhece que a variabilidade climática observada até o final do século XX é, basicamente, devida aos ciclos solares e à dinâmica interna do sistema climático, associada às correntes oceânicas profundas. Ciclos climáticos com períodos da ordem de décadas ou séculos, bem documentados em registros climáticos de longo prazo, indicam grande variabilidade climática de origem natural.
O AR4 também reconhece que esses ciclos naturais, principalmente os associados ao sol, podem trazer uma atenuação ao efeito do crescente lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera, nos próximos anos. Portanto, pode ocorrer uma atenuação do aquecimento nos próximos anos, que não deve persistir. Uma eventual diminuição na taxa de aumento da concentração de gases de efeito estufa por causas naturais não deve influenciar a formulação de políticas de mais longo prazo.