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Eduardo José de Mello

Vice-presidente de Melhoramento Genético da FuturaGene

Op-CP-58

A realidade da transgenia no Brasil
Até meados do século passado, parte considerável da comunidade acadêmica acreditava que a fome ocorreria em escala global de forma inevitável, trazendo prejuízos enormes aos seres humanos, especialmente aos mais pobres. O economista britânico Thomas Malthus (1766-1834), por exemplo, alertou que a produção agrícola estagnada ou aumentando lentamente (escala aritmética) e o crescimento acelerado da população (escala geométrica) provocariam a escassez de alimentos de forma intensa e duradoura.  Esse cenário levaria ao surgimento de conflitos sociais, guerras, pandemias e outras catástrofes.
 
O cenário mudou apenas na década de 1950 com a chamada Revolução Verde, que enterrou a teoria de Malthus por meio do desenvolvimento acelerado de:  
1) melhoramento genético e sementes melhoradas,
2) mecanização da produção,
3) fertilizantes e agroquímicos,
4) gerenciamento profissional da produção. A partir desse ponto, o uso de ciência e tecnologia aumentou significativamente a produção de alimentos e afastou o fantasma de uma epidemia de fome. 
 
Norman Borlaug (1914-2009), o pai da Revolução Verde, obteve resultados extraordinários atuando no melhoramento genético do trigo e propagando os avanços tecnológicos da agricultura. Em 1970, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao seu trabalho. Estima-se que a Revolução Verde tenha evitado a morte prematura de 1 bilhão de pessoas.  
 
Em nosso País, a adoção de tecnologia intensiva possibilitou aumento médio de 300% na produção de grãos (kg/hectare), de 1980 até hoje. O desenvolvimento tecnológico foi fundamental para transformar o Brasil em grande exportador de alimentos. 
 
Na década de 1980, o incremento médio anual do eucalipto girava em torno de 20 metros cúbicos por hectare. Hoje, a produtividade é de 35 metros cúbicos, podendo chegar a 50 metros cúbicos por hectare em alguns estados. Esse avanço é resultado da adoção de ciência e tecnologia pelo setor. 
 
Embora a agricultura e a silvicultura sejam mais produtivas hoje, os desafios da produção e da distribuição de alimentos e de madeira se renovam. O aumento da área plantada com monocultivos favorece pragas e doenças já existentes e abre portas para o aparecimento de outras até aqui secundárias.

A sustentabilidade da eucaliptocultura brasileira, nesse cenário, depende, cada vez mais, do resultado do trabalho dos melhoristas que atuam no desenvolvimento de novos clones. Mas acelerar a produção de novos clones é especialmente difícil nessa espécie, já que, ao contrário de outras culturas, que conseguem produzir duas ou mais colheitas em um ano, o eucalipto leva, em média, 6 anos. O tempo necessário para a obtenção de um clone comercial, produtivo e seguro para o silvicultor é de 15 a 20 anos, e a presença de um clima mais hostil, de novas doenças e de pragas, requer um tempo de resposta mais rápido.
 
Diante da dificuldade de lançar novos clones, uma consequência comum é o intenso uso de poucos clones em extensas áreas de plantio de eucalipto. Um único clone chega a representar 50% da área reflorestada em locais extremamente importantes para o abastecimento industrial. Não é difícil imaginar o desastre que aconteceria se esse clone apresentar problemas de susceptibilidade a insetos, doença ou deficiência hídrica.  
 
Nas últimas décadas, o melhoramento de espécies agrícolas, em especial milho e soja, tornou-se mais ágil e eficiente ao adotar ferramentas mais modernas. Seleção assistida por marcadores moleculares, transgenia e, mais recentemente, edição gênica foram incorporadas definitivamente e prometem gerar novos cultivares em menos tempo.
 
Para o setor florestal, avançar nesse sentido ainda é um desafio, já que não dispõe de ferramentas moleculares eficientes para acelerar o programa de melhoramento, a despeito de trabalhos promissores que estão sendo conduzidos. Na transgenia, a FuturaGene, empresa de biotecnologia da Suzano, deu um passo importante com o desenvolvimento e aprovação do uso comercial para o primeiro eucalipto geneticamente modificado. 
 
Esse eucalipto apresenta produtividade superior ao clone original e foi aprovado pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional em Biossegurança) em 2015. Derivados desse clone estarão disponíveis para a realização de plantios em maior escala nos próximos anos. A edição gênica ainda não é uma realidade para o eucalipto, embora alguns laboratórios já tenham obtido protocolo inicial para trabalhar com essa espécie, o que abre uma janela de possibilidades. Essa tecnologia é extremamente poderosa e deverá trazer resultados inimagináveis num futuro não muito distante. 
 
Além do eucalipto geneticamente modificado visando ao aumento da produtividade, também estamos trabalhando com outras características importantes para a eucaliptocultura, como a tolerância a herbicida e a resistência a insetos. 
 
Essas duas características estão presentes em quase a totalidade de cultivares agrícolas de milho, soja e algodão, representando mais de 95% do mercado mundial de sementes transgênicas. Experimentos de campo com eucalipto tolerante a herbicida e resistência a lagartas já foram instalados no Brasil, e os resultados iniciais são excepcionais. 

Nos próximos três anos, diversas análises serão realizadas visando garantir que esses eucaliptos geneticamente modificados são seguros ao meio ambiente e ao ser humano. A metodologia científica aplicada nessa fase de estudos regulatórios foi especialmente desenhada para verificar se a planta geneticamente modificada apresenta a mesma segurança quando comparada com a planta original não modificada. Todos esses estudos são regulados pela CTNBio, reconhecida mundialmente pela competência e seriedade na regulação e garantia da biossegurança no desenvolvimento de produtos biotecnológicos.
 
O potencial da biotecnologia, no entanto, não para por aí. Diversas outras características úteis podem ser intensificadas ou modificadas nos cultivares mediante transformação ou edição gênica. No setor de produção de celulose, a modulação da produção de lignina deve trazer significativa vantagem industrial e ambiental. Descobertas recentes abrem caminho para o desenvolvimento de madeira muito mais fácil de ser processada, gerando redução no consumo de energia e produtos químicos.

Essas novas tecnologias não visam reduzir os teores de lignina, mas sim facilitar a sua remoção. Em escala laboratorial, já existem eucaliptos geneticamente modificados com essas características, e alguns já estão em fase de prova de conceito no campo em pequena escala. 
 
O abastecimento da população com alimentos, madeira e fibras é um desafio que se renova todo ano. Em 2050, teremos uma população mundial de 10 bilhões de pessoas, o que, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), nos exigirá aumentar a produção de alimentos em 70% e a produção de madeira em 300%. Parece consenso que a maneira mais sensata de atingir essa produção é aumentar a produtividade nas áreas plantadas já existentes, preservando o que ainda resta de ecossistemas naturais. 
 
Para isso, precisamos de ciência, tecnologia e inovação. A biotecnologia é uma das ferramentas fundamentais para vencer esse desafio de forma segura e sustentável. Mas outras frentes de trabalho também avançam, desenvolvendo agroquímicos mais eficientes e seguros, mecanização e sistemas mais inteligentes e autônomos e processos de gerenciamento que otimizam o uso dos recursos. Talvez estejamos iniciando uma nova Revolução Verde, aprendendo com os erros do passado e direcionando a humanidade para dias melhores.