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Giselda Durigan

Pesquisadora Científica da Estação Ecológica de Assis do MA-SP

Op-CP-28

O que pode ser manejo sustentável em RL?

Tanto o velho quanto o novo Código Florestal, que se anuncia, preveem a existência da Reserva Legal (RL) nas propriedades rurais, em percentual variável entre regiões. Ambos os textos definem RL como uma fração da propriedade que tem como primeira função assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais e, adicionalmente, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, promover a conservação da biodiversidade e oferecer abrigo e proteção às fauna e flora nativas.

É o uso econômico sustentável, essencialmente, o que diferencia as Reservas Legais das Áreas de Preservação Permanente (APPs). A questão que se coloca é: quais práticas de exploração podem ser consideradas sustentáveis economicamente e admitidas porque não comprometem a contribuição da RL para a conservação da biodiversidade e dos processos ecológicos?

As respostas hão de ser múltiplas – porque múltiplos são os biomas no Brasil – e divididas em dois grupos para cada bioma:

1) práticas de manejo sustentável de ecossistemas naturais, para remanescentes de vegetação nativa;
2) modelos de plantio e manejo para áreas que vierem a ser recuperadas. Cabe lembrar que, na Mata Atlântica, não é admitida a exploração econômica sustentável, nem mesmo de árvores mortas, de modo que o regime de APP estende-se também à RL quando se tratar de vegetação nativa.

O extrativismo de produtos não madeireiros é permitido em todos os biomas, mas só é viável economicamente para regiões específicas, nas quais o acesso às plantas de interesse e aos mercados é possível.

Entre as práticas de manejo sustentável de ecossistemas naturais, merecem destaque as técnicas desenvolvidas para exploração madeireira na Floresta Amazônica. Para a Caatinga e o Cerrado, estudos sobre exploração madeireira sustentável são, todavia, raros.

As poucas pesquisas existentes apontam como alternativa viável o corte raso em módulos, de forma que o mesmo módulo só seja novamente explorado após o tempo necessário para que a vegetação readquira, naturalmente, a biomassa original. Esse tempo varia entre regiões, mas são sugeridos ciclos que variam entre 15 e 30 anos.

Para ecossistemas em que as gramíneas são o componente dominante da paisagem – como é o caso dos Campos Sulinos, das fisionomias campestres e savânicas do Cerrado e de parte do Pantanal –, a pecuária extensiva baseada nas gramíneas nativas, preservando a vegetação lenhosa esparsa, parece ser a forma de exploração mais viável, que concilia a produção e a conservação da biodiversidade, da estrutura e dos processos ecológicos.

No Cerrado, os resultados de um experimento monitorado por sete anos, em Assis-SP, têm mostrado que o pastoreio em densidade inferior a uma unidade animal por hectare mantém a vegetação praticamente estável no tempo. Por outro lado, sabe-se que a exclusão total do gado e do fogo no Pampa e no Cerrado desencadeia, no ecossistema, transformações que podem culminar na extinção de espécies endêmicas e modificação total da estrutura da vegetação.

As respostas sobre viabilidade econômica e ecológica para quem busca modelos de recuperação de RL em áreas que hoje não possuem vegetação nativa ainda são hipotéticas. Para os ecossistemas não florestais, pouco se pode contar com o suporte da ciência à proposição de modelos.

Para as regiões de floresta, já é possível formular modelos com base nos conhecimentos existentes em silvicultura (de espécies nativas ou exóticas), heveicultura, fruticultura e sistemas agroflorestais ou silvipastoris, aliando-os aos amplos conhecimentos gerados nas três décadas de pesquisas em restauração florestal, particularmente desenvolvidas para a Mata Atlântica.

Estimar a lucratividade desses modelos, sem que se possa prever com segurança como será o comportamento das espécies ao longo do tempo em sistemas manejados, complexos e biodiversos, requer, entretanto, uma boa dose de ousadia. Adotar esses modelos sem que tenham sido testados experimentalmente requer otimismo e resignação.

Para este momento da história ambiental brasileira, em que se busca conciliar produção e conservação da natureza, a manutenção ou o restabelecimento das funções protetoras da vegetação deve ser prioridade.

Buscar caminhos para que, aos serviços ambientais, se somem os benefícios econômicos e pelo menos parte da biodiversidade previamente existente é uma meta sensata e factível. Perseguir a reconstrução do ecossistema original como meta, especialmente para a recuperação da RL, seria um grave erro estratégico.