Professora de Engenharia Florestal da UF do Mato Grosso e Professora de Engenharia Florestal da UF de Viçosa, respectivamente
OpCP65
O Brasil possui aproximadamente 9 milhões de hectares de florestas plantadas, e 12,6% desse total é destinado à siderurgia a carvão vegetal. Em 2020, foram produzidas mais de 6 milhões de toneladas de carvão vegetal, sendo 94% oriundas de madeira de florestas de eucalipto.
Estima-se que mais de 60% dessa produção provém de pequenos e médios produtores, e o restante, produzido pelas empresas integradas. Os principais consumidores são os produtores de ferro-gusa e aço (73,52%), ferro-ligas e silício metálico (10,95%) e os setores residencial e comercial (12,26%), sendo os outros 3,27% destinados a outros usos.
Não há dúvidas da importância do segmento de carvão vegetal para o setor florestal e sua contribuição para o PIB nacional principalmente o mineiro, visto que a maior produção e consumo ocorre dentro do estado de Minas Gerais. Cabe ressaltar que a utilização do carvão vegetal na produção de ferro-gusa, ligas metálicas e silício metálico contribui para a redução da emissão de gases de efeito estufa, além de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, especialmente do carvão mineral, o seu principal concorrente.
A expressividade dos números, por sua vez, evidencia os desafios da produção de carvão vegetal, independentemente da escala, pois o rendimento gravimétrico e a qualidade do produto são extremamente dependentes da matéria-prima e do processo produtivo.
Na pirólise lenta, também conhecida como carbonização, ocorre a decomposição térmica da madeira, na ausência ou presença controlada de oxigênio, em temperaturas finais, medidas na copa, que variam de 300 a 380 ºC, dependendo do tipo de forno. Essas condições promovem a degradação dos constituintes menos estáveis termicamente, hemiceluloses e celulose, e, assim, há uma perda muito grande de massa lenhosa, além da redução do volume inicial. Consequentemente, a densidade e a resistência mecânica do carvão vegetal são menores em comparação à madeira.
Para minimizar tais impactos, maiores teores de lignina, menor relação siringil/guaiacil e maior percentual de celulose cristalina são desejáveis, pois contribuem para menor taxa de perda de massa e, consequentemente, maior rendimento gravimétrico e maior densidade final na massa do carvão vegetal.
Faz-se necessário destacar a densidade básica da madeira, que se relaciona positivamente com a produtividade dos fornos de carbonização, em função de se enformar mais massa por unidade de volume e também com a densidade do carvão vegetal e sua resistência.
É fato que a baixa resistência mecânica à compressão e a alta friabilidade, quando submetidas à abrasão, compressão e queda são os principais fatores limitantes na utilização do carvão vegetal como substituto do coque. Isso mostra a necessidade de se ter madeiras provenientes de materiais genéticos mais densos, além do maior controle do processo de carbonização, visto que a temperatura, o tempo de residência e a taxa de aquecimento também influenciam nessas propriedades do carvão vegetal.
A densidade básica da madeira é o resultado, principalmente, de uma complexa combinação dos seus constituintes anatômicos, que se correlaciona com várias outras propriedades da madeira.
Já são bem conhecidos os fatores que afetam a densidade básica da madeira, tais como espécie, posição na árvore (radial e longitudinal), tratos silviculturais, idade, condições edafoclimáticas, dentre outros, os quais estão atrelados, diretamente, às taxas de crescimento. E deve-se levar em consideração, também, o efeito dos pré-tratamentos aplicados à madeira antes da sua utilização, pois, durante a secagem das toras, pode haver uma perda de massa lenhosa superior a 20%, em um período de 360 dias, o que vai culminar na diminuição da densidade básica da madeira em até 15%, conforme observado em alguns trabalhos desenvolvidos pelo Laboratório de Painéis e Energia da Madeira – LAPEM.
Essa perda de massa está associada, principalmente, à deterioração por agentes xilófagos como fungos apodrecedores e insetos, além da fotodegradação. Salienta que essas perdas são variáveis em função do material genético, condições edafoclimáticas e xilófagos.
Neste contexto, em uma matriz de criticidade, a densidade básica é um dos índices de qualidade da madeira mais importantes, pois dita a capacidade de enfornamento (em massa) em fornos de carbonização, a curva de carbonização, a densidade e a resistência mecânica do carvão vegetal, bem como a quantidade de energia e carbono estocada por unidade de volume, além da logística e do transporte do carvão vegetal até as usinas.
Por isso, a densidade básica vem sendo utilizada como um parâmetro referencial para a seleção de espécies florestais para produção de carvão vegetal, e são recomendados valores superiores a 500 kg.m3.
Em média, para madeira de eucalipto, a densidade a granel do carvão vegetal corresponde a 40% da densidade da madeira de origem; por exemplo, madeira com densidade básica de 500 kg.m3 produzirá um carvão vegetal com densidade a granel de, aproximadamente, 200 kg.m3.
Essa mesma observação não está sendo evidente para os materiais de Corymbia, principalmente, para aqueles com menor percentual de lignina, cuja maior taxa de perda de massa não é acompanhada da mesma intensidade da retração volumétrica. Ressalta-se que a densidade a granel é fortemente influenciada pela granulometria média, teor de umidade, acamamento durante o transporte, dentre outras; no entanto ainda continua sendo a medida mais utilizada pelas indústrias para pagamento do carvão vegetal.
Nessa situação, há um acréscimo de 5% a 30% no valor do carvão vegetal à medida que se aumenta a densidade a granel (195 a 245 reais/MDC, mês de referência setembro/2021). Isso ocorre porque a densidade influencia o volume útil ocupado pelo redutor no alto-forno, o tempo de residência da carga metálica, o consumo e a eficiência de redução.
Ganhos de mais de 6,2% em eficiência foram observados em experimentos industriais com carvões vegetais de maiores densidade (250 a 280 kg.m3) em comparação aos de menores densidades a granel (190 a 210 kg.m3).
Na produção de silício metálico, também, a densidade básica da madeira e, consequentemente, do carvão vegetal tem suas implicações, como no consumo do eletrodo, produtividade, consumo de energia elétrica, reatividade, dentre outros. Por isso o estoque de carbono fixo prontamente disponível no carvão vegetal, por unidade de volume, tem que levar em consideração as perdas por geração de finos e a qualidade do carbono (grau de conversão), ou seja, sua reatividade.
É fato que essa valorização da densidade do carvão vegetal incentiva os produtores a investirem em materiais genéticos melhores, de maior densidade, e em melhores práticas de produção. Veja o exemplo, na Tabela 1, que considera um consumo médio de 450 kg de carbono fixo para produção de uma (01) tonelada de ferro-gusa.
Nota-se que a quantidade de carvão vegetal necessária para essa produção chega ser 20% maior com o uso de carvão vegetal de menor densidade, em função do menor estoque de carbono fixo, por unidade de volume, sendo o custo de R$ 32,50 a mais por tonelada de gusa produzida.
Hoje, felizmente, estamos vendo um avanço do melhoramento genético no setor de carvão vegetal, a exemplo dos genótipos de Corymbia, os quais têm de 20% a 40% a mais de massa por unidade de volume, em relação alguns dos principais clones de eucalipto plantados e utilizados para produção de carvão vegetal, além do menor teor de água livre e maior permeabilidade da sua madeira, o que colabora com a secagem e o processo de carbonização.
No entanto se ressalta que não basta o material ter alta densidade, com todas as suas vantagens. Se não houver controle do processo e um bom conhecimento da degradação térmica do material genético a ser carbonizado, os ganhos esperados podem não ocorrer. Por fim, ressalta-se que a cadeia do carvão vegetal avançou bastante nos últimos anos, com desenvolvimentos tanto no melhoramento genético quanto nos fornos e controle de processo.
Porém, para que esses avanços sejam potencializados, faz-se necessário que os segmentos florestais (silvicultura e manejo), produtivo (carbonização) e industrial (siderúrgicas) estejam alinhados para a disseminação e o acesso às informações, sendo esse um dos grandes desafios do setor, no curto prazo.