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André Luis Petean Sanches

Gerente da 2Tree Consultoria de Meio Ambiente

Op-CP-48

Novos arranjos
Investir no setor florestal definitivamente não é para qualquer um. Uma cultura de ciclo longo, retorno financeiro igualmente a longo prazo, desafios operacionais variados e tantos outros fatores fazem o setor ser muito desafiador. Talvez para os que são da área essa seja uma verdade mais que consagrada, beirando ao viés da obviedade.
 
Analisar o terreno, suas características edafoclimáticas e outros fatores de produção é essencial para o sucesso de um empreendimento florestal. Por isso, há muitos estudiosos e profissionais dedicados, o que torna a tomada de decisão pautada por aspectos científicos que minimizam a chance de erro. Entretanto, toda essa tecnologia somente trará resultados se houver profissionais bem capacitados e motivados para concretizar esse projeto, e sobre isso não há guru ou receita pronta infalível.
 
Vários fatores devem ser avaliados pelos gestores para a tomada de decisão a fim de estruturar suas equipes, sistemas de trabalho e contratação, sobre os quais pesarão fatores internos e externos. Dentre os fatores internos, a escala do projeto e o grau de especialização de determinada atividade. Já no que se refere aos fatores externos, destacam-se os aspectos relacionados à mão de obra disponível e legislação trabalhista aplicável.
 
Na definição de sistemas de trabalho, podemos identificar, por meio de uma escala de produtividade e gestão, dois grupos bem distintos: as grandes empresas e os pequenos produtores. O primeiro grupo possui extensas áreas cultiváveis que demandam atividades de manejo florestal constantes, que justificariam a contratação, manutenção e treinamento permanente de equipes próprias. Entretanto, com foco na redução de custos administrativos e outros riscos, muitas empresas optam pela terceirização das atividades, deixando primarizadas apenas áreas mais estratégicas, como geoprocessamento ou melhoramento genético.
 
A priori, não seria nada de novo no setor, visto que muitas empresas, há décadas, já adotavam a terceirização de suas atividades florestais diretas ou de suporte. Entretanto, com a recente aprovação da Lei 13429/2017, conhecida popularmente como “Lei da Terceirização”, que permite terceirizar não somente as atividades-meio, mas também as atividades-fim, encerra-se a questão de insegurança jurídica sobre o que poderia ou não ser terceirizado, ampliando essa gama de atividades e empurrando o setor para uma tendência de intensificação desse processo.
 
Logo, podemos entender que temos um caminho aberto para a máxima eficiência das atividades e redução de custos por meio da terceirização, certo? Parece-me perigosamente superficial acreditar nisso. Existem no setor excelentes empresas terceirizadas, cujo trabalho é de qualidade inquestionável, e a mudança legal abrirá oportunidades para criação de novas ou expansão das já existentes. Entretanto a tomada de decisão de mudar de um sistema primarizado para terceirizado requer análises mais profundas do que meramente financeiras, principalmente em se tratando de uma era em que palavra de ordem para um empreendimento florestal ser competitivo é a sustentabilidade.
 
Como consultor em ergonomia e em certificação florestal, sempre tive a oportunidade de acompanhar os processos no campo e a percepção dos trabalhadores. No tocante aos terceirizados, algumas vezes me deparei com um com um ponto em comum: alguns trabalhadores não se sentiam parte daquele projeto ou até mesmo possuíam certa sensação de exclusão, o que tornava ainda mais complexo o desafio de mantê-los motivados.
 
O que poderia ser mera especulação foi comprovado na prática quando certa empresa em que trabalhei decidiu por primarizar suas atividades de manejo. Milhares de empregados passaram para o quadro próprio, e resultados que destaco dessa mudança foram um aumento expressivo da satisfação dos trabalhadores, diminuição do absenteísmo e a drástica redução do turn-over florestal (prática corriqueira quando o trabalhador adota postura de não atender aos resultados ou mesmo cometer pequenos atos de indisciplina, objetivando ser demitido e passar período trabalhando informalmente e recebendo o benefício do seguro-desemprego).
 
Além desses benefícios internos, houve um dos mais valorosos ganhos possíveis: a imagem da empresa em suas áreas de atuação também melhorou. Isso se refletiu em elevação da qualidade do relacionamento com diversos stakeholders, como o sindicato dos trabalhadores florestais, cujas reclamações formais em órgãos do trabalho e entidades de certificação eram comuns e foram praticamente extintas.
 
Como isso foi possível? O trabalhador braçal ou operacional passou a se sentir parte daquele empreendimento. Sentiu-se valorizado e, naturalmente, passou a valorizar a empresa e, sem dúvida, não há marketing melhor para a imagem de uma empresa do que ter como seu porta-voz alguém que vive o dia a dia dela e que, para o público, tem status de representante daquela instituição.
 
É preciso a ressalva de que, não necessariamente, a primarização levará a esses resultados, mas sim a forma de se conduzir o processo de gestão e de integração de colaboradores. É preciso estar atento que, além de um trabalho onde possam prover a subsistência deles e de suas famílias, os trabalhadores querem se sentir integrados e realizados como parte importante daquele empreendimento.
 
Voltando-nos para o segundo grupo, de pequenos e médios produtores, a demanda de trabalho ocorre em curtos e pontuais períodos do longo ciclo de produção, como é o caso do plantio e da colheita. Seria inviável a manutenção de uma equipe primarizada para a execução dessas atividades. Não apenas pela questão de períodos ociosos, mas também pela necessidade de aquisição de máquinas e equipamentos, ferramentas, treinamentos obrigatórios, entre outros.
 
Nesses casos, não resta dúvida de que a melhor saída para os produtores é buscar formas alternativas de mão de obra, a fim de otimizar custos financeiros e operacionais, e nisso as empresas terceirizadas são uma excelente opção.
 
É preciso, ainda, deixar bem claro que há um segundo fator além da escala onde a terceirização é extremamente viável e traz resultados tão positivos que praticamente a elevam ao patamar de essencial: os serviços especializados. Nesses casos, o grau de especialização exigido requer um dispêndio financeiro e de qualificação da mão de obra tão alto que o custo será quase sempre inferior ao retorno do mesmo. Se pensarmos ainda em serviços como consultorias técnicas e de monitoramentos, que requerem expertise e know-how, há ainda a tendência de redução da qualidade dos resultados em uma eventual primarização.
 
Voltando à questão dos produtores de menor escala, há também a possibilidade de criação de cooperativas ou consórcios para contratação de mão de obra. Essas modalidades são comuns no setor agropecuário e apresentam bons resultados. Infelizmente, o cooperativismo no setor florestal ainda esbarra em dificuldades como escala para a viabilização e sincronia de etapas de produção de seus membros, o que leva as poucas cooperativas restringirem-se às etapas de comercialização de produtos ou negociação com empresas prestadoras de serviço.
 
Mas, se, por um lado, as cooperativas ainda têm uma participação modesta na realidade do pequeno produtor, um fenômeno recente os tem ajudado a ter uma gestão mais sustentável de seus empreendimentos e também um melhor retorno financeiro: a certificação florestal.
 
O que, antes, era algo viável apenas para as grandes empresas foi também adaptada à realidade desses produtores. Graças aos esforços do Forest Stewardship Council – FSC, WWF Brasil e também da participação de dezenas de profissionais, dos quais me orgulho de ter feito parte, foi possível a criação de um padrão de certificação pensando na realidade dos pequenos produtores florestais de todo o Brasil e, principalmente, com a participação deles. Como resultado, obteve-se o Padrão de Certificação SLIMF (Small and Low Intensity Management Forest) que, em tradução livre, é voltado para o “Manejo Florestal de Pequena Escala e Baixa Intensidade”.
 
O acesso à certificação promoveu uma verdadeira quebra de paradigma onde todas as partes envolvidas saíram beneficiadas. Os produtores ganharam acesso a mercados, tranquilidade pela regularização de suas atividades, além de um valor agregado sobre sua madeira. Os trabalhadores, muitas vezes reféns de trabalho informal e agenciadores, os chamados “gatos”, têm, agora, seus direitos trabalhistas respeitados, assim como acesso a todos os equipamentos de proteção, treinamentos e demais requisitos de segurança necessários para trabalharem de forma digna e saudável.
 
Além desses aspectos positivos, a certificação também tem alavancado a organização de produtores, a fim de obterem a certificação em grupo. Nessa modalidade, vários produtores se associam em um único certificado, para cuja obtenção todos têm que agir conjuntamente para atendimento aos requisitos normativos. A partir desses arranjos, geram-se espécies de “embriões de cooperativa” que, com a intensa demanda de produtos certificados, poderão continuar estimulando a criação de novos grupos e um ciclo benéfico de cooperativismo.