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Manoel Francisco Moreira

Diretor Executivo da Agência da Madeira do Médio Rio Tibagi

Op-CP-35

Formação de cluster florestal

A palavra cluster, oriunda do inglês, poderia ser traduzida como “arranjo produtivo local”, pois, na prática, é um conglomerado de empresas voltadas ao mesmo segmento e que cooperam entre si de várias formas. No ramo madeireiro, a expressão cooperação entre empresas soa como utopia. É um segmento industrial altamente desunido, desde seus primórdios.

Uma exceção é o setor celulósico/papeleiro, no qual ocorre uma forte cooperação, especialmente na área florestal. Um exemplo vivo é a Abraf, que conhecemos pela sua força, que advém muito menos do poderio econômico de seus associados do que pelo poder associativo que contem.

Os arranjos produtivos deveriam ser mais usados pela área florestal, dada a fragilidade do setor, especialmente no que se refere à indústria da madeira sólida. Setores governamentais sempre olham com boa vontade para os arranjos produtivos, todavia, quando se trata de traduzir isso na  prática, a máquina burocrática emperra.

O cluster florestal do Médio Tibagi: A região florestal do médio rio Tibagi tem algumas características que devem ser destacadas para sua contextualização. A região nasceu, a rigor, pelo surgimento da indústria celulósico-papeleira, que teve na Klabin sua pioneira e mais importante unidade, seguida pela fábrica de Jaguariaíva (hoje Norske Skog) e a de Arapoti (hoje Arauco).

O preço das terras e o crescimento privilegiado, tanto das coníferas como das folhosas, ajudaram o desenvolvimento da silvicultura praticada não só pelas papeleiras, como também por investidores menores, assim como indústrias de chapas (compensados, laminados, MDF, OSB, etc.). 

No passado, a prática do manejo (desbastes) propiciou o surgimento da indústria da madeira sólida. Por razões que não cabem aqui discutir, as grandes indústrias, nos últimos quatorze anos, deixaram de manejar seus maciços, e, hoje, o cluster florestal corre riscos de colapso parcial. Vejamos como estão distribuídos os maciços na região do médio rio Tibagi e na região florestal de Jaguariaíva.

O Quadro 1 mostra a distribuição de indústrias de processamento de madeira sólida da região compreendida pelos treze municípios abrangidos pela atuação da Agência da Madeira. É visível, pois, a superioridade de indústrias voltadas à industrialização da madeira nas suas várias formas, desde celulose até aproveitamento de resíduos de madeira, passando pela simples secagem de serragem para venda até produção de pellets.


Com isso, o emprego também é favorecido, especialmente naquelas camadas de mão de obra nem tanto especializada, ainda que certas indústrias já possuam centros de treinamento, voltadas à sua especialidade (volto a insistir que estamos falando de madeira processada sólida).

Existe, por exemplo, uma empresa voltada à exportação de produtos acabados, de alto valor agregado, que emprega cerca de mil pessoas. Vejamos a distribuição dos empregos no Quadro 2, conforme levantamento feito pela FIEP, através da RAIS. Vemos que a maioria dos empregos vem das indústrias de base florestal; nesse caso, somando produtos de madeira com celulose e papel. Note-se que não estão incluídos aqui os trabalhadores florestais.

Facilidades e vantagens do cluster da madeira: Essa não é uma tarefa fácil, já que a análise pode levar também à discussão, pois o que pode ser facilidade para uns também pode representar dificuldade a outros. No geral, tentaremos ser tão pragmáticos quanto possível. Na teoria, temos uma disponibilidade florestal (matéria-prima) associada a uma demanda industrial (madeira mecanicamente processada). Essas indústrias interagem entre si para produzir diferentes tipos de madeira, evitando a concorrência acirrada pelo mesmo produto.

Por outro lado, os fornecedores de toras procuram se adaptar ao mercado consumidor, provendo madeira adequada aos produtos do mercado. Claro está que, na teoria, é muito bonito, porém o funcionamento não é exatamente assim. O que, na verdade, acontece é que a grande vantagem do cluster é a disponibilidade de matéria-prima (toras), a qual atraiu as indústrias. Essas se abastecem da madeira e desenvolvem seus clientes a partir de uma “garantia” de suprimento de médio prazo. 

Vejam que não estamos analisando a questão de preços, porque esse é um assunto que, no nosso entendimento, poderia “tumultuar” o artigo, cujo objetivo é a descrição sintética do cluster da madeira como exemplo e não como ator de mercado. Uma vantagem explícita reside na proximidade dos maciços florestais, com o consequente reflexo no frete da matéria-prima.

A formação da cultura florestal na região, criando facilidades de mão de obra para colheita e empresas especializadas nessa tarefa, é outra vantagem, assim como na área industrial, onde operários passam a entender de seleção de madeira e outras atividades mais especializadas dentro da indústria.


Do ponto de vista empresarial, formam-se empresas de outros segmentos correlatos: empresas de material de segurança, consultoria na área florestal (inventário, marcação, silvicultura), viveiristas, oficinas especializadas em máquinas florestais, além das oficinas normais de caminhões e veículos em geral e etc. Um pequeno segmento dedica-se à certificação, com todas as implicações que essa decisão traz.

Dessa forma, algumas empresas também certificam-se por cadeia de custódia, abrindo-se-lhes as portas do mercado europeu, exigente quanto a essa prática.

A cooperação com órgãos governamentais e de desenvolvimento fica facilitada pela aglomeração tanto de empresários como de silvicultores, e a atração de ensino especializado nas respectivas áreas fica igualmente factível.


Dificuldades e conclusão: Consideramos que uma das maiores dificuldades para o cluster da madeira do médio Rio Tibagi é a falta de informação do real estoque de florestas disponíveis para a atividade industrial da madeira sólida. Em que pesem gigantes como Klabin estarem envolvidas, e, no caso, a Klabin ser detentora da maior área, sabe-se, com relativa exatidão, a área dessa empresa.

Todavia essa é o que consideramos uma madeira cativa, ou seja, não estará disponível em sua totalidade por motivos óbvios. A mesma ideia se repete com relação às demais empresas que possuem seus maciços e são verticalizadas, restando aos industriais madeireiros investirem em reflorestamento próprio ou de terceiros, ou ainda apostar que estes continuarão plantando.

É sabido que o planejamento florestal encontra grande dificuldade no meio empresarial em geral e no madeireiro em particular, por algumas razões até de origem antropológica. Senão, vejamos: os serradores têm sua origem no extrativismo, no tempo em que a floresta de clima temperado da região Sul ainda era abundante; as serrarias, verdadeiras indústrias nômades, caminhavam pelos estados do Sul à medida que elas iam escasseando. Nos dias de hoje, essa prática já não mais é possível, pois os maciços florestais são “fixos”.

A evolução da agricultura, função da demanda por alimentos, comprime as áreas com vocação florestal ainda mais, permitindo apenas a pulverização de florestas plantadas pelo aproveitamento de pequenas áreas das propriedades agrícolas. Longe de ser uma crítica, essa é uma constatação.

Dessa forma, o empresário madeireiro, hoje, espera por um fato novo que possa garantir a continuidade do seu negócio nos próximos anos. A pergunta é quantos anos o cluster madeireiro do médio rio Tibagi sobreviverá em sua integridade? Terá a mesma sorte do cluster da acácia negra no Rio Grande do Sul, que não acabou, mas minguou?

Só para ilustrar, a acácia negra como carro-chefe do cluster da madeira/tanino no Rio Grande do Sul está drasticamente reduzida em função da quebra de uma das pernas: o cliente principal do consumo da madeira, que é o Japão, reduziu a compra em cerca de 2/3 dos volumes mensais.

Como foi dito, as autoridades olham a formação de cluster com bons olhos, mas ajudam pouco. Um grande auxílio seria a existência de uma inventário florestal contínuo por parte do governo (estadual ou Federal, tanto faz), que possibilitasse o planejamento das indústrias existentes e a vinda de outras, de acordo com as disponibilidades de estoque. Hoje, é uma temeridade assinar embaixo de qualquer número da área plantada real. Imagine-se, então, projetar crescimento e sortimento.

Apesar de, se consultado, verificarmos que existem linhas de financiamento e incentivo tanto para o plantio de florestas como para a modernização de indústrias, quando partimos para a realidade, encontramos um mar burocrático tão tempestuoso que raros são os excelsos que conseguem e têm paciência para alcançar tais programas. Uma grande ajuda seria a real desburocratização desse sistema. Apesar de tudo, a “teimosia” dos empresários e a sua posição visionária têm feito acontecer vários clusters, dos quais o do médio rio Tibagi é um exemplo a ser seguido.